INSTRUÇÃO OPERACIONAL
CONJUNTA Nº 1, DE 26 DE SETEMBRO DE 2019
Orientações acerca da atuação do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS) em articulação com o Sistema Único de Saúde (SUS) no enfrentamento da
Tuberculose (TB).
A SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL do Ministério da Cidadania e a SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE do
Ministério da Saúde, no uso de suas atribuições e visando a qualificação do
cuidado integral às pessoas com tuberculose em situação de vulnerabilidade
social, assinam a presente Instrução Operacional Conjunta.
Capítulo I
TUBERCULOSE
1. Segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS), a tuberculose está na lista das 10 (dez) doenças infecciosas de
agente único que mais mata, superando o HIV, constituindo um grave problema de
saúde pública. Em 2017, estimou-se que no mundo 10 milhões de pessoas adoeceram
de tuberculose, e 1,3 milhão de pessoas morreram em decorrência da doença[1].
2. O Brasil ocupa a 20ª posição
quanto à carga da doença e a 19ª no que se refere à coinfecção TB-HIV[2]. Desde
2003, a doença é considerada de atenção prioritária na agenda política do
Ministério da Saúde[3]. Embora seja uma doença com diagnóstico e tratamento
realizados de forma universal, exclusivos e gratuitos pelo Sistema Único de
Saúde (SUS), as pessoas ainda enfrentam inúmeras barreiras de acesso e de
continuidade ao tratamento. Em 2018, foram registrados 75.717 casos novos da
doença e, em 2017, 4.614 óbitos.
3. A tuberculose, uma das doenças
mais antigas do mundo, é causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis que
afeta prioritariamente os pulmões, embora possa acometer outros órgãos e
sistemas. A apresentação pulmonar, além de ser mais frequente, é também a mais
relevante para a saúde pública, pois é a principal responsável pela manutenção
da cadeia de transmissão da doença.
4. A tuberculose é uma doença de
transmissão aérea e sua proliferação ocorre a partir da inalação de aerossóis
expelidos pela tosse e/ou fala de uma pessoa com tuberculose pulmonar ou
laríngea. Somente pessoas com essas formas de tuberculose ativa transmitem a
doença.
5. O estigma, o preconceito e a
discriminação são fortes componentes que acompanham e complexificam a
trajetória de cuidados das pessoas com tuberculose, já que o imaginário social
voltado para o isolamento desses sujeitos como parte do tratamento, concepções
que marcaram a vivência da tuberculose no passado e que até hoje impõem uma
série de restrições e marginalizações as quais constituem entraves ao
tratamento e ao controle da doença atualmente.
Capítulo II
DETERMINAÇÃO SOCIAL DA TUBERCULOSE
6. Um terço da população brasileira
tem o bacilo da tuberculose (infecção latente), no entanto, o desenvolvimento
da forma ativa da doença ocorre em pessoas com maiores vulnerabilidades, seja
biológica, social ou econômica por conta de condições precárias de vida, que
ecoam nos hábitos alimentares e nas condições de moradia. Ressalta-se, ainda,
que, os locais com grande aglomeração de pessoas e ambientes com pouca ou
nenhuma ventilação, se constituem em ambientes propícios a proliferação, como é
o caso de moradias que se estruturam em condições precárias e informais,
instituições de curta permanência, como unidades de acolhimento, unidades
socioeducativas, entre outros.
7. Destaca-se como principais fatores
de risco para o desenvolvimento e o agravamento da Tuberculose, a desnutrição;
as doenças que debilitam o sistema imune, como a Aids; o uso de tabaco, álcool
e outras drogas e a dificuldade de acesso aos cuidados de saúde.
8. Do total de pessoas que tiveram a
tuberculose em 2018 no Brasil: 65,7% eram pessoas pardas ou pretas; 52,2%
tinham até 8 anos de estudo; 41,6% tinham entre 15 e 34 anos de idade e 10,5%
eram privados de liberdade.
9. Os povos indígenas, as pessoas
privadas de liberdade, as pessoas que vivem com HIV e a população em situação
de rua apresentam maior risco de adoecimento por tuberculose quando comparado a
população em geral (ver quadro 1). A vulnerabilidade social, bem como as
violações de direitos contribuem para o aumento do risco de adoecimento, que
esses grupos populacionais enfrentam no país, incluindo as barreiras de acesso
aos seus direitos e de ações de cuidado integral à saúde. Desse modo, esses
grupos populacionais demandam estratégias específicas, que considerem as suas particularidades,
visando o diagnóstico precoce e tratamento oportuno da doença, além de
articulações intersetoriais que garantam o seu cuidado integral.
Quadro 1 - Risco de adoecimento por
tuberculose nas populações vulneráveis em comparação ao risco da população
geral
Populações vulneráveis
|
Risco de adoecimento por
tuberculose
|
Indígenas (a)
|
3 vezes maior
|
Privados de liberdade (b)
|
28 vezes maior
|
Pessoas que vivem com o HIV (c)
|
25 vezes maior
|
Pessoas em situação de rua (d)
|
56 vezes maior
|
(a) Sinan/MS e IBGE (2013)
(b) Sinan/MS, IBGE e Infopen (2016)
(c) Sinan/MS, IBGE e DCCI (2017)
(d) Tbweb, SP, 2015 e Pessoa em
Situação de Rua: Censo São Paulo, capital (2015)
Capítulo III
PLANO NACIONAL PELO FIM DA
TUBERCULOSE
10. Como parte do esforço global para
o enfrentamento da tuberculose e à luz do modelo proposto pela OMS, o Brasil
elaborou um plano nacional visando o fim da tuberculose como problema de saúde
pública. O documento traça estratégias baseadas em três pilares: 1- Prevenção e
cuidado integrado centrado na pessoa; 2 - Políticas arrojadas e sistemas de
apoio, e 3 - Intensificação da pesquisa e inovação.
11. Um dos principais objetivos do
Pilar 2 é o fortalecimento da articulação intra e intersetorial para a garantia
dos direitos humanos, da cidadania e da proteção social às pessoas com
tuberculose.
12. Evidências científicas mostram a
importância do enfrentamento dos determinantes sociais da doença e a oferta de
proteção social à pessoa com tuberculose para melhores desfechos do tratamento:
- Pessoas com tuberculose cadastradas
no Cadastro Único que recebem o Programa Bolsa Família, quando comparadas com
aquelas que não recebem, apresentam maior percentual de cura e menor percentual
de abandono do tratamento (Torrens, 2015).
- Municípios brasileiros com alta
cobertura do Programa Bolsa Família apresentam coeficientes de incidência da tuberculose
8% menor que aqueles municípios com baixa cobertura (Nery, 2016).
- O acesso a programas de
transferência de renda e à Estratégia Saúde da Família (condicionalidade da
saúde) apresentam impacto positivo nos desfechos do tratamento da tuberculose
na população mais pobre, indicando a necessidade de uma abordagem abrangente
para além da doença (Nery, 2016).
- Durante o tratamento, pessoas que
recebem cesta básica apresentam maior probabilidade de cura e menor
probabilidade de abandono, quando comparadas às que não recebem (Lab -Epi UFES,
2016).
- O projeto "PACTU pela
cura" desenvolveu atividades intersetoriais através da oferta de
alimentação durante a realização do tratamento diretamente observado da
tuberculose. Das pessoas que receberam alimentação, cerca de 90% obtiveram cura
por tuberculose, 52% se inscreveram para o recebimento de benefícios sociais e
22% reestabeleceram vínculo com a família (Boletim Epidemiológico SMS/SP,
2016).
Capítulo IV
PREVENÇÃO E CUIDADO DA PESSOA COM
TUBERCULOSE
13. O diagnóstico precoce, o início
oportuno e a adesão ao tratamento são as estratégias apropriadas para se
interromper a cadeia de transmissão da tuberculose. A realização da busca ativa
de pessoas com sintomas respiratórios pelas equipes de saúde deve ser o ponto
de partida para a identificação de casos suspeitos da doença. É importante saber
que na população em geral, é denominado sintomático respiratório aquele
indivíduo que apresenta tosse por um período de três semanas ou mais. Já no
caso das populações mais vulneráveis como os povos indígenas, pessoas vivendo
com o HIV, pessoas privadas de liberdade e população em situação de rua,
considera-se sintomático respiratório quando há a presença de tosse,
independentemente do tempo de duração.
14. Além da tosse, outros sinais e
sintomas podem auxiliar na identificação de pessoas que apresentam tuberculose,
como febre vespertina (em geral até 38,5° C), persistente por 15 (quinze) dias
ou mais, sudorese noturna, emagrecimento e fadiga. Em crianças menores de 10
(dez) anos as manifestações clínicas podem variar.
15. A tuberculose é curável em praticamente
100% (cem por cento) dos casos, desde que sejam respeitados os princípios do
tratamento, cuja a não interrupção é premissa imprescindível para cura.
16. Para o tratamento são utilizados
4 (quatro) tipos de antibióticos de ingestão diária. O tratamento é longo, no
mínimo, 6 (seis) meses, de difícil acompanhamento, sobretudo para os segmentos
que enfrentam barreiras de acesso aos serviços de saúde. Caso o tratamento não
seja realizado da forma recomendada, a pessoa pode desenvolver o tipo resistente
da doença, denominada tuberculose drogarresistente (TB-DR), que apresenta um
tempo de tratamento prolongado, podendo chegar a 2 (dois) anos e com uso de um
número maior de tipos de antibióticos.
17. Recomenda-se a realização de
Tratamento Diretamente Observado (TDO) que constitui elemento fundamental para
a adesão ao tratamento, através do estabelecimento de vínculo entre a pessoa e
o serviço de saúde. Neste processo, é necessário o reconhecimento de barreiras
que possam dificultar a adesão, utilizando estratégias de reabilitação,
inclusão social, melhora da autoestima, qualificação profissional, entre outras
necessidades.
18. No âmbito dos serviços de saúde,
o acolhimento (que para a rede socioassistencial é a acolhida) e o vínculo
entre a equipe de saúde, a pessoa com tuberculose e sua família ampliam a
possibilidade de conclusão do tratamento da tuberculose promovendo maior
adesão. É importante a corresponsabilização e o empoderamento da pessoa com
tuberculose pelo seu tratamento.
19. É comum que a tuberculose promova
impactos na força laboral afetando a produtividade, o que também desestabiliza
a dinâmica familiar, podendo gerar muitos gastos adicionais (alimentação,
transporte para as consultas, outros medicamentos, pernoite em outro município,
dentre outros).
20. Levando em consideração os
determinantes sociais da doença e a condição de vulnerabilidade e risco social,
existe alta probabilidade da maioria das pessoas com tuberculose necessitarem
acessar os serviços executados pela Política Nacional de Assistência Social.
Assim, a atuação do trabalho social com famílias e pessoas em tratamento da
tuberculose realizado pelos serviços socioassistenciais deve contemplar as
necessidades de cuidado identificadas.
21. O trabalho social desenvolvido
pelas equipes da Rede Socioassistencial deve contribuir para qualificar a
trajetória de melhores desfechos de tratamento da pessoa com tuberculose devido
a: (i) garantia do acesso às provisões socioassistenciais (benefícios,
programas, projetos e serviços socioassistenciais) que são desenvolvidos para a
prevenção e enfrentamento das situações de vulnerabilidade social, riscos,
violência e demais formas de violação de direitos; (ii) capacidade e função de
articulação na defesa e na promoção de direitos que envolve o atendimento
integral da população, através da realização de encaminhamentos às outras
políticas públicas, principalmente a Rede de Atenção à Saúde, aos órgãos do
Sistema de Defesa e Garantia de Direitos, do Sistema de Justiça, às redes
sociais comunitárias e de apoio; e à comunicação e defesa de direitos, (iii) a
estruturação dos fundamentos dos serviços socioassistenciais pautados na
perspectiva crítica acerca das condições socioeconômicas, históricas, culturais
e políticas que as pessoas e suas famílias estão imbricadas, as quais não podem
ser facilmente responsabilizadas por ausências provocadas pela vivência da
desigualdade social.
22. Desta forma, o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) possui importantes contribuições que podem impactar
no controle da tuberculose através da adesão e garantia de conclusão do
tratamento. Para tanto, o acompanhamento socioassistencial deve dispor especial
atenção em relação à identificação e diminuição de possíveis barreiras
existentes na completude do tratamento. Ademais, pode auxiliar na identificação
de casos suspeitos da doença por meio da observação de sinais e sintomas da
tuberculose.
Capítulo V
ATUAÇÃO CONJUNTA SUAS E SUS PARA O
ENFRENTAMENTO DA TUBERCULOSE
Seção I
GESTÃO LOCAL E ARTICULAÇÃO
23. Atuação pautada pela integração
entre a Rede Socioassistencial e a Rede de Atenção à Saúde, com amparo
administrativo e político da gestão local, com a adoção de fluxos, protocolos e
procedimentos de trabalho, visando a atenção integral dos (as) usuários (as),
deverá garantir:
- O acesso ao Cadastro Único para
programas sociais do governo federal.
- O acesso à Segurança Alimentar e
Nutricional por meio do acesso à renda, aos alimentos disponíveis nas unidades
socioassistenciais e à integração com o Sistema Nacional de Segurança Alimentar
e Nutricional (SISAN).
- Construção de estratégias
específicas de atuação entre SUAS e SUS considerando os fatores de risco para o
desenvolvimento e o agravamento da doença (desnutrição, presença de outras
doenças e o uso de tabaco, álcool e outras drogas).
- Estabelecimento de mecanismos de
referência e de contrarreferência entre os serviços socioassistenciais de
Proteção Social Básica e de Proteção Social Especial de média e de alta
complexidade com os serviços da rede de atenção à saúde, visando a
identificação de barreiras ao tratamento e a defesa e promoção de direitos das
pessoas com tuberculose.
- Promover ações conjuntas dentro das
unidades socioassistenciais e espaços comunitários com vistas a realização de
palestras e campanhas para incentivar e fortalecer a permanência das pessoas
com tuberculose em tratamento, para a disseminação de informações e normativas
sobre o tema, para a construção de estratégias de prevenção da doença, dentre
outras atividades que visam a ampliação e o acesso dos direitos.
- Desenvolvimento de estratégias
particularizadas, coletivas e comunitárias para o enfrentamento dos fatores de
risco que propiciam o desenvolvimento e o agravamento da doença (população em
situação de rua, desnutrição, moradias precárias, uso de tabaco, álcool e
outras drogas), realizando reuniões de estudo de caso conjuntos entre equipes
do SUAS e SUS.
- A utilização do Centros de
Referência, como: Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), Centro de
Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), Centro de Referência
Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), Unidades de
Acolhimento, entre outros, como espaços para o desenvolvimento de atividades
entre SUAS e SUS visando o empoderamento e a proteção social da pessoa com
tuberculose.
Seção II
ORIENTAÇÕES PARA ATUAÇÃO DOS
PROFISSIONAIS DA REDE SOCIASSISTENCIAL JUNTO AOS INDIVÍDUOS COM SUSPEITA OU
CONFIRMAÇÃO DE TUBERCULOSE
24. Orientar e acompanhar os (as)
usuários (as), para que procurem a Rede de Atenção à Saúde para a realização
dos exames de diagnóstico da tuberculose, assim como obtenção dos resultados e
início do tratamento em tempo oportuno.
25. Considerar o diagnóstico da
tuberculose na elaboração do estudo social, registrando quando o/a usuário/a
foi encaminhado pela Rede de Atenção à Saúde por esse motivo.
26. Considerar o diagnóstico da
tuberculose na elaboração na construção do Plano Individual de Atendimento,
garantindo e promovendo direitos das pessoas com tuberculose para a adesão ao
tratamento e o cumprimento dos seus princípios pelo tempo exigido.
27. Articular entre equipes SUAS e
SUS, quando couber, o Plano Individual de Atendimento e o Projeto Terapêutico
Singular, na perspectiva de um atendimento integral da pessoa com tuberculose e
sua família.
28. Garantir acesso aos serviços de
acolhimento aos usuários com diagnóstico de tuberculose que não tenham moradia,
avaliando a possibilidade de permanência por pelo menos 6 (seis) meses de
tratamento.
29. Desenvolver estratégias de
atendimento e acompanhamento diferenciados para a pessoa com tuberculose com
foco no cumprimento do tratamento e com especial atenção aos grupos
populacionais mais vulneráveis.
30. Promover o acesso da pessoa em
tratamento de tuberculose e sua família aos benefícios, programas, projetos e
serviços socioassistenciais disponíveis nos municípios, Distrito Federal e
estados, bem como o acesso à documentação civil, ao Cadastro Único, às demais
políticas públicas, aos órgãos do Sistema de Garantia e Defesa de Direitos e do
Sistema de Justiça, e às redes locais e comunitárias.
31. Promover ações conjuntas dentro
das unidades socioassistenciais, no território e nos espaços comunitários de
enfrentamento ao preconceito e estigma em relação à tuberculose.
32. Estabelecer especial atenção as
possíveis barreiras que dificultem a adesão ao tratamento e que devem ser
tratadas no âmbito do trabalho socioassistencial como o estigma e preconceito
de familiares e da comunidade, necessidades decorrentes do uso de álcool ou
outras drogas, vulnerabilidade de renda, dependência de cuidados, entre outros.
33. Promover a disseminação desta
Instrução Operacional para todos os técnicos (as) que atuam nos serviços da
Rede Socioassistencial e da Rede de Atenção à Saúde.
MARIANA DE SOUSA MACHADO NERIS
Secretária Nacional de Assistência Social do Ministério da Cidadania
WELINGTON COIMBRA
Secretário Especial do Desenvolvimento Social do Ministério da Cidadania
WANDERSON KLEBER DE OLIVEIRA
Secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde
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