A legalização do consumo de
maconha e produtos derivados da cannabis em países como Canadá, Israel, Suíça e
Uruguai - e em vários estados dos Estados Unidos – embora com legislações
diferentes, induziu o desenvolvimento acelerado de uma cadeia de fundos de
investimentos e a uma robusta indústria em torno de tais produtos, que vão de
balas para crianças a aditivo em vinhos, cosméticos, suplementos alimentares,
dentre tantos outros.
No País, no entanto, até
agora, a legislação e os marcos regulatórios tem sido conservadores em relação
à plantio, produção, comercialização, porte e uso de produtos derivados de
cannabis, sendo o Canabidiol a exceção sobre os demais produtos derivados da
cannabis. O Brasil categoriza o plantio, manuseio, porte e a utilização como
ofensas civis e criminais.
Gatinhamos no Brasil em
relação à cannabis, estamos dando pequenos passos em direção à legalização sobre
alguns aspectos do plantio controlado, porte, uso e venda de produtos derivados
da cannabis. A temática tem sido colocada em discussão prioritária no País.
ANVISA recentemente realizou consultas públicas, cujos processos tramitam hoje
na Diretoria Colegiada da casa, DICOL para decisão sobre os critérios de
regulação.
Mais recentemente, a Câmara
dos Deputados estruturou a Comissão Especial para discutir proposta que
regulamenta o uso da maconha medicinal, Projeto de Lei de iniciativa do dep.
Fábio Mitidieri (PSD-CE), presidida dep. Paulo Teixeira (PT-SP), que tem o dep.
Luciano Ducci (PSB-PR) como relator. Apesar da posição restritiva do Brasil o
projeto permite a comercialização de medicamentos que contenham extratos,
substratos ou partes da Cannabis sativa. A compra seria exclusiva para quem
provar a necessidade do uso atestada por um médico.
Recentemente, o Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça, o juiz Dias Toffoli, admitiu um mandado de
certiorari (garantia de revisão de uma decisão judicial) na jurisdição de
apelação do Tribunal para decidir um caso que envolve a revisão judicial da
descriminalização da posse de cannabis, limitada a 25 gramas de maconha para
cidadãos com mais de 18 anos. A sessão de julgamento foi originalmente agendada
para 5 de junho de 2019 e posteriormente adiada para novembro de 2019 onde se
espera uma sentença marcante sobre o assunto.
Embora as discussões sobre a
lei brasileira pareçam avançar para uma abordagem mais permissiva do plantio,
manipulação, porte e uso da cannabis, para consumo pessoal, em especial para
tratamentos médicos, mais notadamente com uso de canabidiol – tendenciosamente
chamado de “maconha medicinal” - as penalidades pela produção, venda, porte e
uso de maconha ainda são pesadas, incluem penas de até 15 anos de detenção e
multas.
O artigo 28 da Lei Brasileira
de Drogas no 11.343 / 2006 estabelece que a pessoa que adquire, armazena,
transporta ou transporta para consumo pessoal de drogas sem autorização ou que
viole a lei estará sujeita a penalidades, incluindo avisos sobre os efeitos das
drogas, atendimento e / ou frequência obrigatória em cursos educacionais.
Entre 2014 e 2015 tramitou no
Senado Federal a Sugestão nº 8/2014 para um Projeto de Lei de iniciativa de um
cidadão André de Oliveira Kiepper que colheu cerca de 20 mil assinaturas
eletrônicas a favor da legalização da maconha. O Relator do projeto, Senador
Cristovam Buarque, depois de uma longa discussão nacional, desmembrou o projeto
em dois, e apoiou o uso de Canabidiol (comumente conhecido como CBD) para fins
medicinais. O PL do induziu a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), a regulamentar o processo de importação direta com prescrição médica
de cada paciente.
A ANVISA retirou a substância
canabidiol da lista (Portaria 344) de substâncias proibidas no Brasil,
transferindo-a para a lista de substâncias controladas, reconhecendo que este
derivado da canabis nunca havia sido proibido em nenhum lugar do mundo e de
maneira inédita passou a considerar o efeito terapêutico em alguns tipos de
doenças do sistema nervoso central. Igualmente com o desenvolvimento de novas
drogas sintéticas produzidas com o CDB registrou produtos farmacêuticos, que
são vendidos, com prescrição médica, regularmente nas farmácias.
Sob o ponto de vista dos
titulares de ativos de propriedade intelectual (PI) para produtos derivados de
maconha - especialmente marcas - no país, o cenário é ainda mais desafiador e
preocupante quanto a proteção desses ativos. A posição do Instituto Nacional da
Propriedade Industrial (INPI) do Brasil ainda não está clara, uma vez que as
marcas que contêm referências à cannabis e suas substâncias derivadas
geralmente são rejeitadas com base no disposto no Artigo 124, Seção III, a Lei
Brasileira de Propriedade Industrial, que proíbe os registros como uma marca
comercial de sinais que infringem a moral e as boas maneiras. Eles também são
rejeitados com base no Artigo 128, Seção I, que exige que os titulares se
envolvam em uma atividade comercial legítima para possuir um registro de marca
comercial no Brasil.
Considerando que o produto
sintético tem sido desenvolvido por várias iniciativas locais e que o mercado
internacional representa um grande potencial para a exportação dos medicamentos
brasileiros derivados da cannabis e dada a crescente discussão de uma possível
regulamentação que permita o consumo de produtos relacionados à cannabis,
evidencia a necessidade de avançar com o marco regulatório inclusivo que
possibilite o registro das marcas.
Portanto, a rejeição de marcas
registradas relacionadas à cannabis com base em argumentos absolutos reflete
interpretações atuais sobre como o uso de produtos derivados da cannabis é
proibido pela lei brasileira.
Apesar da posição dos
legisladores brasileiros e, consequentemente, do INPI, a recusa de pedidos de
marcas que reivindicam proteção para produtos relacionados à cannabis não é uma
regra no Brasil. De fato, o INPI concedeu registro para várias marcas comerciais
que abrangem medicamentos contendo substâncias encontradas na maconha, como o
tetra-hidrocanabinol (vulgarmente conhecido como THC) e o CBD.
A marca MEVATYL, por exemplo
(números de registro 826332978 e 826332668, ambos datados de 11 de setembro de 2007),
é registrada no Brasil nas classes 3 e 5, respectivamente, como um medicamento
composto por THC e CBD, indicado para o tratamento sintomático de moderado a
espasticidade grave relacionada à esclerose múltipla.
Considerando as proibições
legais que envolvem produtos relacionados à cannabis no Brasil, a decisão do
INPI de permitir a marca MEVATYL pode ser justificada pelo fato de que a GW
Pharmaceuticals, empresa que fabrica Mevatyl, não mencionou especificamente a
maconha na especificação dos produtos, mas reivindicou “Preparações
farmacêuticas e veterinárias; preparações de saúde para fins médicos ”na Classe
5. Isso ilustra como é importante adotar uma estratégia eficaz para proteger
marcas comerciais dessa natureza no Brasil.
A maioria das marcas
registradas relacionadas à maconha que foram permitidas (como a marca MEVATYL)
não contém expressamente qualquer referência a maconha, cânhamo ou substâncias
derivadas da maconha, na própria marca ou na especificação de produtos.
No entanto, uma análise mais
aprofundada da base de dados do INPI revela registros concedidos para marcas
como CANABIDOL (Reg. Nº 907775659) e ISODIOLEX THC LIVRE SEM OGM SEM GLÚTEN SEM
OGM (ÓLEO DE CÂNHAMO SEM GLÚTEN SEM OGM) (Reg. Nº 840889844), ambos na classe
5, abrangendo medicamentos para uso humano - que, portanto, está alinhado com o
regulamento da ANVISA para permitir a importação de produtos derivados de
cannabis para fins médicos.
A falta de um padrão claro
revela que o INPI ainda está aprendendo a lidar com aplicativos que abrangem
produtos derivados de maconha na especificação ou nas referências à maconha
como parte dos elementos verbais ou figurativos de uma marca comercial.
Não obstante as decisões
contraditórias do INPI, é possível concluir que os registros de marcas que
abrangem produtos derivados de maconha podem ser admissíveis no Brasil,
dependendo de como o registro é solicitado. No entanto, para evitar recusas
baseadas em argumentos de moralidade, os pedidos de marcas registradas devem
ser estrategicamente arquivados - por exemplo, evitando qualquer referência
explícita a palavras relacionadas à maconha na descrição de bens e serviços,
bem como qualquer representação de desenhos de maconha na marca registrada.
Apesar da abordagem
conservadora do novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, o cenário para a
descriminalização do porte de maconha no Brasil parece favorável, uma vez que
três dos onze juízes do Supremo Tribunal Federal já votaram pela
admissibilidade do porte de maconha para uso pessoal em uma sessão de
julgamento que será continuada em novembro de 2019. A possível
descriminalização seria um primeiro passo para o Brasil emergir no futuro como
um mercado significativo para produtos derivados da cannabis e um ambiente
potencial para o cultivo, produção e desenvolvimento de tecnologias para a
fabricação de produtos de cannabis, especialmente aqueles com teores menores de
1% de THC.
Considerando o crescimento
atual desse setor econômico e o potencial futuro de um relaxamento adicional
das leis relacionadas à maconha, as empresas interessadas devem começar a se
preparar a partir de uma perspectiva de PI para aproveitar esse setor em
crescimento.
Com base em artigo publicado
no Boletim da INTA, Colaboram: Fernanda Quental e Gabriel Sacramento , Daniel
Law, Rio de Janeiro, Brasil
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