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terça-feira, 22 de outubro de 2019

CANNABIS, BRASIL SE PREPARA PARA ESTABELECER NOVO MARCO REGULATÓRIO PARA PRODUÇÃO E CONSUMO, O QUE VAI ACONTECER COM O REGISTRO DE MARCAS NO INPI


A legalização do consumo de maconha e produtos derivados da cannabis em países como Canadá, Israel, Suíça e Uruguai - e em vários estados dos Estados Unidos – embora com legislações diferentes, induziu o desenvolvimento acelerado de uma cadeia de fundos de investimentos e a uma robusta indústria em torno de tais produtos, que vão de balas para crianças a aditivo em vinhos, cosméticos, suplementos alimentares, dentre tantos outros.

No País, no entanto, até agora, a legislação e os marcos regulatórios tem sido conservadores em relação à plantio, produção, comercialização, porte e uso de produtos derivados de cannabis, sendo o Canabidiol a exceção sobre os demais produtos derivados da cannabis. O Brasil categoriza o plantio, manuseio, porte e a utilização como ofensas civis e criminais.

Gatinhamos no Brasil em relação à cannabis, estamos dando pequenos passos em direção à legalização sobre alguns aspectos do plantio controlado, porte, uso e venda de produtos derivados da cannabis. A temática tem sido colocada em discussão prioritária no País. ANVISA recentemente realizou consultas públicas, cujos processos tramitam hoje na Diretoria Colegiada da casa, DICOL para decisão sobre os critérios de regulação.

Mais recentemente, a Câmara dos Deputados estruturou a Comissão Especial para discutir proposta que regulamenta o uso da maconha medicinal, Projeto de Lei de iniciativa do dep. Fábio Mitidieri (PSD-CE), presidida dep. Paulo Teixeira (PT-SP), que tem o dep. Luciano Ducci (PSB-PR) como relator. Apesar da posição restritiva do Brasil o projeto permite a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da Cannabis sativa. A compra seria exclusiva para quem provar a necessidade do uso atestada por um médico.

Recentemente, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o juiz Dias Toffoli, admitiu um mandado de certiorari (garantia de revisão de uma decisão judicial) na jurisdição de apelação do Tribunal para decidir um caso que envolve a revisão judicial da descriminalização da posse de cannabis, limitada a 25 gramas de maconha para cidadãos com mais de 18 anos. A sessão de julgamento foi originalmente agendada para 5 de junho de 2019 e posteriormente adiada para novembro de 2019 onde se espera uma sentença marcante sobre o assunto.

Embora as discussões sobre a lei brasileira pareçam avançar para uma abordagem mais permissiva do plantio, manipulação, porte e uso da cannabis, para consumo pessoal, em especial para tratamentos médicos, mais notadamente com uso de canabidiol – tendenciosamente chamado de “maconha medicinal” - as penalidades pela produção, venda, porte e uso de maconha ainda são pesadas, incluem penas de até 15 anos de detenção e multas.

O artigo 28 da Lei Brasileira de Drogas no 11.343 / 2006 estabelece que a pessoa que adquire, armazena, transporta ou transporta para consumo pessoal de drogas sem autorização ou que viole a lei estará sujeita a penalidades, incluindo avisos sobre os efeitos das drogas, atendimento e / ou frequência obrigatória em cursos educacionais.

Entre 2014 e 2015 tramitou no Senado Federal a Sugestão nº 8/2014 para um Projeto de Lei de iniciativa de um cidadão André de Oliveira Kiepper que colheu cerca de 20 mil assinaturas eletrônicas a favor da legalização da maconha. O Relator do projeto, Senador Cristovam Buarque, depois de uma longa discussão nacional, desmembrou o projeto em dois, e apoiou o uso de Canabidiol (comumente conhecido como CBD) para fins medicinais. O PL do induziu a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a regulamentar o processo de importação direta com prescrição médica de cada paciente.

A ANVISA retirou a substância canabidiol da lista (Portaria 344) de substâncias proibidas no Brasil, transferindo-a para a lista de substâncias controladas, reconhecendo que este derivado da canabis nunca havia sido proibido em nenhum lugar do mundo e de maneira inédita passou a considerar o efeito terapêutico em alguns tipos de doenças do sistema nervoso central. Igualmente com o desenvolvimento de novas drogas sintéticas produzidas com o CDB registrou produtos farmacêuticos, que são vendidos, com prescrição médica, regularmente nas farmácias.

Sob o ponto de vista dos titulares de ativos de propriedade intelectual (PI) para produtos derivados de maconha - especialmente marcas - no país, o cenário é ainda mais desafiador e preocupante quanto a proteção desses ativos. A posição do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) do Brasil ainda não está clara, uma vez que as marcas que contêm referências à cannabis e suas substâncias derivadas geralmente são rejeitadas com base no disposto no Artigo 124, Seção III, a Lei Brasileira de Propriedade Industrial, que proíbe os registros como uma marca comercial de sinais que infringem a moral e as boas maneiras. Eles também são rejeitados com base no Artigo 128, Seção I, que exige que os titulares se envolvam em uma atividade comercial legítima para possuir um registro de marca comercial no Brasil.

Considerando que o produto sintético tem sido desenvolvido por várias iniciativas locais e que o mercado internacional representa um grande potencial para a exportação dos medicamentos brasileiros derivados da cannabis e dada a crescente discussão de uma possível regulamentação que permita o consumo de produtos relacionados à cannabis, evidencia a necessidade de avançar com o marco regulatório inclusivo que possibilite o registro das marcas.

Portanto, a rejeição de marcas registradas relacionadas à cannabis com base em argumentos absolutos reflete interpretações atuais sobre como o uso de produtos derivados da cannabis é proibido pela lei brasileira.

Apesar da posição dos legisladores brasileiros e, consequentemente, do INPI, a recusa de pedidos de marcas que reivindicam proteção para produtos relacionados à cannabis não é uma regra no Brasil. De fato, o INPI concedeu registro para várias marcas comerciais que abrangem medicamentos contendo substâncias encontradas na maconha, como o tetra-hidrocanabinol (vulgarmente conhecido como THC) e o CBD.

A marca MEVATYL, por exemplo (números de registro 826332978 e 826332668, ambos datados de 11 de setembro de 2007), é registrada no Brasil nas classes 3 e 5, respectivamente, como um medicamento composto por THC e CBD, indicado para o tratamento sintomático de moderado a espasticidade grave relacionada à esclerose múltipla.

Considerando as proibições legais que envolvem produtos relacionados à cannabis no Brasil, a decisão do INPI de permitir a marca MEVATYL pode ser justificada pelo fato de que a GW Pharmaceuticals, empresa que fabrica Mevatyl, não mencionou especificamente a maconha na especificação dos produtos, mas reivindicou “Preparações farmacêuticas e veterinárias; preparações de saúde para fins médicos ”na Classe 5. Isso ilustra como é importante adotar uma estratégia eficaz para proteger marcas comerciais dessa natureza no Brasil.

A maioria das marcas registradas relacionadas à maconha que foram permitidas (como a marca MEVATYL) não contém expressamente qualquer referência a maconha, cânhamo ou substâncias derivadas da maconha, na própria marca ou na especificação de produtos.

No entanto, uma análise mais aprofundada da base de dados do INPI revela registros concedidos para marcas como CANABIDOL (Reg. Nº 907775659) e ISODIOLEX THC LIVRE SEM OGM SEM GLÚTEN SEM OGM (ÓLEO DE CÂNHAMO SEM GLÚTEN SEM OGM) (Reg. Nº 840889844), ambos na classe 5, abrangendo medicamentos para uso humano - que, portanto, está alinhado com o regulamento da ANVISA para permitir a importação de produtos derivados de cannabis para fins médicos.

A falta de um padrão claro revela que o INPI ainda está aprendendo a lidar com aplicativos que abrangem produtos derivados de maconha na especificação ou nas referências à maconha como parte dos elementos verbais ou figurativos de uma marca comercial.

Não obstante as decisões contraditórias do INPI, é possível concluir que os registros de marcas que abrangem produtos derivados de maconha podem ser admissíveis no Brasil, dependendo de como o registro é solicitado. No entanto, para evitar recusas baseadas em argumentos de moralidade, os pedidos de marcas registradas devem ser estrategicamente arquivados - por exemplo, evitando qualquer referência explícita a palavras relacionadas à maconha na descrição de bens e serviços, bem como qualquer representação de desenhos de maconha na marca registrada.

Apesar da abordagem conservadora do novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, o cenário para a descriminalização do porte de maconha no Brasil parece favorável, uma vez que três dos onze juízes do Supremo Tribunal Federal já votaram pela admissibilidade do porte de maconha para uso pessoal em uma sessão de julgamento que será continuada em novembro de 2019. A possível descriminalização seria um primeiro passo para o Brasil emergir no futuro como um mercado significativo para produtos derivados da cannabis e um ambiente potencial para o cultivo, produção e desenvolvimento de tecnologias para a fabricação de produtos de cannabis, especialmente aqueles com teores menores de 1% de THC.

Considerando o crescimento atual desse setor econômico e o potencial futuro de um relaxamento adicional das leis relacionadas à maconha, as empresas interessadas devem começar a se preparar a partir de uma perspectiva de PI para aproveitar esse setor em crescimento.

Com base em artigo publicado no Boletim da INTA, Colaboram: Fernanda Quental e Gabriel Sacramento , Daniel Law, Rio de Janeiro, Brasil



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