Especialistas defenderam nesta quarta-feira (23) na
Comissão de Assuntos Sociais (CAS) a aprovação do projeto de lei 3.202/2019, que prevê um dia de conscientização e alerta
para a esquizofrenia. A doença atinge um milhão de brasileiros, mas não afeta
apenas a qualidade de vida dos pacientes: toda a família precisa lidar com os
sintomas da enfermidade. É a mais cara entre as doenças mentais custeadas pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) e, em média, reduz em 15 anos a expectativa de
vida do esquizofrênico.
A doença é lembrada
internacionalmente em 24 de maio, dia em que o psiquiatra Philippe Pinel,
empossado chefe de um sanatório de homens em Paris, contrariando o entendimento
daquele tempo, removeu as algemas dos pacientes que ficavam presos às paredes
da instituição. O ato marcou uma nova era no tratamento psiquiátrico. Era 1793.
Segundo os especialistas
convidados para a audiência pública, é importante combater com informação o
preconceito que existe sobre a doença: entre os leigos, um misto de loucura e
agressividade. Na verdade, a esquizofrenia causa delírios, alucinações,
embotamento afetivo (distanciamento), alogia (incapacidade de falar), abulia
(falta de vontade), anedonia (falta de alegria). Na parte neurológica, é
responsável pela desorganização do pensamento e do comportamento e por
prejuízos cognitivos (de memória, funções executivas e atenção). O paciente
ainda sofre de alterações de humor, depressão ou exaltação e ansiedade.
O professor Gustavo Doria, do
Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria da Universidade Federal do
Paraná, explicou que a doença tem componente hereditário e aparece geralmente
no início da vida adulta, no auge da produção laboral do indivíduo. Os surtos,
segundo ele, prejudicam o cérebro com perdas próximas a dez pontos no quociente
de inteligência (QI).
— O transtorno psiquiátrico
traz prejuízos nas funções cognitivas, na percepção, no afeto, no comportamento
e nas atividades sociais.
O professor Ary Gadelha,
coordenador do Programa de Esquizofrenia da Universidade Federal de São Paulo,
reforçou que a doença afeta as regiões associativas do conhecimento no cérebro.
Por isso, quanto mais precoce a intervenção médica, maior a chance de sucesso
no tratamento.
— Se perdermos a janela de
oportunidade, que é a intervenção logo após constatado o primeiro episódio
psicótico, fica muito mais difícil tratar porque o cérebro começa a fase de
prejuízos mais significativos.
De acordo com Gadelha, o
período crítico é justamente após o primeiro episódio, geralmente quando o
indivíduo deixa de trabalhar, isola-se e começa a perder o contato com as
pessoas. O pesquisador destacou que os medicamentos são importantes para
controlar os sintomas, mas viver com a doença requer terapias, exercício
físico, emprego e remediação cognitiva.
Entre essas terapias, o
destaque vai para a cognitivo-comportamental (TCC), de acordo com a psicóloga
Marina Saraiva da Silva. Para ela, a abordagem é a mais usada no tratamento
porque coloca o delírio num contexto que precisa ser discutido e compartilhado
para construção e adaptação. Além disso, é feito o controle de estresse e
emoções que possam desencadear surtos.
Ela destacou que a TCC é
fundamental porque, embora a base do tratamento da esquizofrenia sejam os
remédios, de 25% a 40% dos pacientes ainda expressam os sintomas da doença
mesmo depois de medicados.
Suicídio
Nas palavras do presidente da
Associação Psiquiátrica da América Latina, Antônio Geraldo da Silva, a
esquizofrenia é uma doença grave que vitimiza todos à volta e um fator bastante
presente nos índices de suicídio. Ele disse que, de acordo com o Conselho
Federal de Medicina, 10,6% das pessoas que morreram por suicídio foram
diagnosticadas com esquizofrenia e não tratadas, ou tratadas de forma
inadequada.
— A esquizofrenia está
associada com aumento de dez vezes do risco de morte por suicídio, e 50% dos
pacientes esquizofrênicos podem tentar o suicídio em algum ponto do curso da
doença, sendo mais comum durante os anos iniciais — apontou Antônio Silva.
Saindo dos números e encarando
a vida real, os participantes da audiência viram a foto de André, que no ano
passado, aos 33 anos, pesquisou na internet a forma menos dolorosa de morrer e
assim o fez. Quem mostrou a história de André foi Sarah Nicolleli, a presidente
da Associação Mãos de Mães de Pessoas com Esquizofrenia e mãe de Cainã.
Ela contou que seu filho faz
tratamento e toma medicações, mas, depois do primeiro surto, tornou-se mais
introspectivo, sozinho. Sarah apresentou outros jovens que precisam de ajuda
quando em surto psicótico.
— Pessoas que trabalham nos
Bombeiros, Samu, Capes, Polícia Militar e hospitais precisam saber como abordar
e ajudar alguém em surto psicótico. Temos de tirar essa doença do armário. Por
isso, precisamos de um dia de conscientização — resumiu.
Para o psiquiatra Antônio
Silva, é importante que as pessoas derrubem preconceitos e enxerguem que os
pacientes precisam de ajuda e tratamento assim que a doença se revela.
— O doente mental não é
agressivo, ele pode viver em sociedade, mas ele precisa ser tratado para que
não chegue ao ponto de perder a noção do caráter ilícito do fato. Se houve
suicídio é porque o paciente não teve tratamento adequado. Os remédios não
chegam e as famílias estão largadas.
O presidente da reunião foi o
senador Flávio Arns (Rede-PR), autor do PL 3.202/2019. Para ele, ter um dia
nacional de alerta para a doença abre a possibilidade de discussão, reflexão e
ações que devem perdurar o ano inteiro.
Proposições legislativas
Milena Galdino, Geraldo
Magela/Agência Senado
Agência Senado
Fonte: Agência Senado
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