Raiza
Tourinho (Fiocruz Bahia)
Mesmo em meio a uma pandemia
que tem afetado o cotidiano de todos, a população brasileira ainda convive com
as consequências da última emergência nacional de saúde pública: a da zika, que
desde 2015 levou ao nascimento de 3.534 bebês com Síndrome Congênita da Zika
(SCZ). Uma nova linhagem do vírus da zika foi descoberta circulando
recentemente no Brasil por pesquisadores do Centro de Integração de Dados e
Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fiocruz Bahia e a possibilidade de
reemergência da epidemia de arbovirose ganhou mais força. O achado foi
publicado no início de junho no periódico International Journal of
Infectious Diseases e serve como alerta para a vigilância da doença.
A fêmea do Aedes aegypti é vetor de transmissão da tríplice epidemia (dengue, chikungunya e zika)
De acordo com o último boletim
epidemiológico do Ministério da Saúde, das principais arboviroses que circulam
no Brasil, a zika tem sido a com menor número de casos em 2020: foram
notificados 3.692 casos prováveis (taxa de incidência 1,8 casos por 100 mil
habitantes), em detrimento de 47.105 casos prováveis de chikungunya (taxa de
incidência de 22,4 casos por 100 mil habitantes) e 823.738 casos prováveis
(taxa de incidência de 392,0 casos por 100 mil habitantes) de dengue. Mas essa
situação pode mudar caso uma nova linhagem genética comece circular na
população.
Ferramenta
A introdução de uma nova
linhagem no país foi identificada por uma ferramenta de monitoramento genético
desenvolvida por pesquisadores vinculados ao Cidacs e ao Instituto Gonçalo
Moniz (Fiocruz Bahia); Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC); Universidade
Salvador (Unifacs) e a Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). O
pesquisador da Plataforma de Bioinformática do Cidacs, Artur Queiroz, um dos
líderes do estudo, explica que a ferramenta desenvolvida pelo grupo analisa
sequências disponíveis em banco de dados públicos e permite identificar as
linhagens de Zika presentes em bases de dados do National Center for
Biotechnology Information (NCBI – Centro Nacional de Informação Biotecnológica,
em tradução livre).
“Pegamos esses dados e
analisamos, selecionamos as sequências do brasil e mostramos a frequência
desses tipos virais ano a ano. O principal achado é que vemos uma variação de
subtipos e linhagens durante os anos, sendo que em 2019 há o aparecimento,
mesmo que pequeno, de uma linhagem que até então não era descrita circulando no
país”, explica.
Identificação
São conhecidas duas linhagens
do vírus zika: a asiática e a africana (sendo que essa é subdividida em
oriental e ocidental). A ferramenta analisou 248 sequências brasileiras
submetidas a base de dados desde 2015. Até 2018, os dados genéticos encontrados
eram majoritariamente cambojanos (mais de 90%), proporção que mudou
radicalmente em 2019, quando o subtipo oriundo da micronésia passou a ser
responsável por 89,2% das sequências submetidas ao banco genético.
Mas o que surpreendeu os
pesquisadores foi a identificação da emergência do tipo africano, até então
inexistente no Brasil. “A linhagem africana foi isolada em duas regiões
diferentes do Brasil: no Sul, vindo do Rio Grande do Sul, e no Sudeste, do Rio
de Janeiro”, informa o estudo.
A distância geográfica e a
diferença de hospedeiros (uma foi encontrada em um mosquito “primo” do Aedes
aegypt, o Aedes albopictus, e outro em uma espécie de macaco) sugerem que essa
linhagem já está circulando no país há algum tempo e pode ter potencial epidêmico,
uma vez que a maior parte da população não tem anticorpos para essa nova
linhagem do vírus. Para Queiroz, o achado demonstra a utilidade da ferramenta
como “um bom mecanismo de vigilância e alerta para a possibilidade de uma nova
epidemia do vírus zika”.
“Atualmente, com as atenções voltadas para a Covid-19, este estudo serve de alerta para não esquecermos outras doenças, em especial zika. A circulação do vírus no país, bem como a realização de estudos genéticos devem continuar sendo realizados a fim de evitar um novo surto da doença com o novo genótipo circulante”, reforça Larissa Catharina Costa, uma das autoras do estudo. A ferramenta desenvolvida pelos pesquisadores pode ser encontrada aqui. E o estudo está aqui.
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