Um estudo liderado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) identificou que medicamentos atualmente usados no tratamento da hepatite C inibem a replicação do novo coronavírus (Sars-CoV-2) em experimentos realizados com células. Os experimentos identificaram especialmente o potencial do antiviral daclastavir, que atuou contra o vírus em três diferentes linhagens celulares investigadas, além de reduzir a produção de substâncias inflamatórias associadas aos casos graves de Covid-19. Considerando a relevância do compartilhamento rápido de evidências científicas no contexto da pandemia, os achados foram publicados no site de pré-print bioRxiv.
A ação do antiviral daclastavir contra o novo coronavírus foi observada em linhagens de células humanas pulmonares e hepáticas, além das células Vero (foto: IOC/Fiocruz)
O trabalho foi liderado pelo Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz) em parceria com o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), com participação dos Laboratórios de Imunofarmacologia e de Pesquisa sobre o Timo do IOC. Também colaboraram Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Universidade Iguaçu (Unig), Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Inovação de Doenças de Populações Negligenciadas (INCT-IDPN) e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neuroimunomodulação (INCT-NIM) .
O pesquisador do CDTS e líder
do estudo, Thiago Moreno, ressalta a importância de identificar compostos com
ação sobre o novo coronavírus entre fármacos clinicamente aprovados para outras
doenças. “O reposicionamento de medicamentos é reconhecido pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) como a maneira mais rápida de identificar candidatos ao
tratamento da Covid-19. Considerando que os antivirais de ação direta contra o
vírus da hepatite C estão entre os mais seguros, nossos resultados indicam que
estes fármacos, em especial o daclastavir, são candidatos para a terapia, com
potencial para ser imediatamente incorporados em ensaios clínicos”, afirma
Thiago.
“Enquanto as medidas de
quarentena e distanciamento físico buscam reduzir a transmissão da doença, é
esperado que a administração precoce de antivirais melhore o quadro clínico dos
pacientes infectados, reduzindo a ocorrência de casos graves da Covid-19. Para
isso, é fundamental encontrar compostos efetivos e seguros que possam ser
avaliados em testes clínicos”, reforça a chefe do Laboratório de
Imunofarmacologia do IOC/Fiocruz e autora do artigo, Patrícia Bozza.
Recentemente, os cientistas apontaram também o potencial de ação do
atazanavir, remédio usado na terapia do HIV, contra o novo coronavírus.
Os autores alertam ainda para
os riscos da automedicação, destacando que os testes em pacientes são
fundamentais para avaliar a eficácia de terapias e todas as pessoas com casos
suspeitos ou confirmados de Covid-19 devem procurar atendimento médico para
orientação da terapia adequada.
Resultados dos testes
A pesquisa avaliou os
antivirais daclastavir e sofosbuvir. Ambos atuam por diferentes mecanismos para
inibir a replicação do vírus da hepatite C. Nos testes com o novo coronavírus,
o daclastavir impediu a produção de partículas virais infectivas em três
linhagens celulares estudadas, incluindo células pulmonares humanas. As
análises apontaram que o fármaco interrompeu a síntese do material genético
viral, o que levou ao bloqueio da replicação do vírus. Em células de defesa
infectadas, o fármaco também reduziu a produção de substâncias inflamatórias,
que estão associadas a quadros de hiperinflamação observados em casos graves de
Covid-19.
A ação do daclastavir sobre o
novo coronavírus foi mais potente que a do sofosbuvir. Este último inibiu a
replicação viral em linhagens de células humanas pulmonares e hepáticas, porém
não apresentou efeito durante a infecção em células Vero, derivadas de rim de
macaco e largamente utilizadas em estudos de virologia. Os ensaios também
compararam a ação com os efeitos de outros medicamentos. O daclastavir foi de
1,1 a 4 vezes mais eficiente do que a cloroquina e a combinação de lopinavir e
ritonavir – fármacos que são alvo de ensaios clínicos para tratamento da
Covid-19 – assim como a ribavirina, antiviral de amplo espectro usado em casos
de hepatite. O medicamento superou ainda o atazanavir, que foi testado
anteriormente pelos cientistas.
Os autores do trabalho apontam ainda que os parâmetros farmacológicos do daclastavir contra o novo coronavírus mostraram-se compatíveis com a farmacocinética do medicamento em pacientes, o que reforça seu potencial para ensaios clínicos. “Esses resultados sugerem fortemente que o daclastavir, devido a seus efeitos anti-Sars-CoV-2 e anti-inflamatórios, pode trazer benefícios para pacientes com Covid-19”, pontua Thiago.
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