Luciana Constantino | Agência
FAPESP – Pesquisadores do Centro
Conjunto Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e
Epidemiologia de Arbovírus (CADDE) desenvolveram um método mais rápido e de
menor custo para analisar dados sorológicos da população que pode contribuir
com a avaliação e a previsão do comportamento epidemiológico da COVID-19.
Os cientistas demonstraram que a
metodologia foi capaz de prever a transmissão da variante delta (detectada na
Índia em 2020 e originalmente chamada B.1.617.2) no Brasil. Agora buscam
validar o método como forma de fazer vigilância na população para novas
variantes do SARS-CoV-2 e até mesmo para outros tipos de doença, auxiliando
assim na rapidez da resposta.
O grupo usou amostras de bancos
de sangue instalados em sete capitais – São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus,
Recife, Fortaleza, Curitiba e Belo Horizonte – para medir a quantidade de
anticorpos do tipo imunoglobina G (IgG) da população fazendo ensaios de micropartículas
de anti-S, ou seja, para detectar anticorpos capazes de se ligar à
proteína Spike do coronavírus. Com isso, conseguiu relacionar a proteção
da vacina a casos da variante delta e ao nível de mortalidade.
No começo da pandemia, estudos de
soroprevalência foram importantes para estimar a proporção de pessoas
infectadas. Mas eles acabaram perdendo relevância à medida que quase 100% da
população brasileira e de outros países passaram a ter anticorpos contra o
SARS-CoV-2, seja por meio da vacinação ou de infecção. Daí a importância de
buscar novas formas de analisar o comportamento da doença, com possibilidade de
prever número de casos por regiões para formulação de políticas públicas.
“Neste estudo, em vez de calcular
a porcentagem da população com anticorpos, que foi quase 100%, analisamos a
quantidade de anticorpos no sangue e conseguimos associar o nível deles à
morbidade causada pela variante delta. Assim demonstramos o valor de coletar,
analisar e compartilhar esse tipo de dado”, explica à Agência FAPESP o primeiro
autor do artigo Lewis Buss, pesquisador do Imperial College London (Reino
Unido) que foi aluno de pós-graduação no Instituto de Medicina Tropical da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).
Os resultados do estudo,
publicado na revista científica Vaccines, demonstraram que, durante a fase de
crescimento de casos da variante delta no Brasil, a baixa incidência de
registros de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) foi fortemente
correlacionada com os níveis de anticorpos medidos em doadores de sangue.
O risco de infecção pela variante
demonstrou ser menor em pessoas que já haviam sido infectadas com o SARS-CoV-2
ou vacinadas – a imunidade híbrida (vacina mais infecção prévia) levou a uma
proteção mais alta.
“A vacina é muito importante para
aumentar a imunidade. Só a infecção não resolve. Vimos no estudo que a
quantidade de anticorpos aumenta muito rápido logo após a primeira dose da
vacina em cidades que tiveram uma epidemia maior na primeira onda de COVID-19, como
Manaus e Fortaleza. Já a segunda dose teve um efeito maior nas capitais com
epidemia tardia, como Curitiba e Rio de Janeiro. Como a população já estava
mais protegida, isso ajuda a explicar o porquê de a variante delta não ter
entrado no Brasil de maneira tão efetiva como vinha acontecendo em outros
países”, explica a professora Ester Sabino, da FM-USP, uma das autoras do
estudo e responsável pelo CADDE no Brasil.
Sabino esteve à frente do
primeiro sequenciamento de SARS-CoV-2 no país, em março de 2020, e dos
primeiros casos da variante gama, surgidos em Manaus cerca de um ano depois
(leia mais em: agencia.fapesp.br/32637/ e agencia.fapesp.br/35290/).
Por sua trajetória, a professora
foi homenageada, dando nome ao Prêmio Ester Sabino para Mulheres Cientistas,
concedido neste ano pela primeira vez pelo governo do Estado de São Paulo (leia
mais em: agencia.fapesp.br/37931/).
Além de apoiar o CADDE, a FAPESP
deu suporte à pesquisa por meio de bolsa para o doutorando Carlos Augusto Prete
Júnior, da Escola Politécnica da USP. O trabalho teve apoio também do Instituto
Todos pela Saúde.
Marcador
O estudo mostrou que,
impulsionada pela vacinação, que começou no Brasil em janeiro de 2021, a
quantidade média de anticorpos cresceu 16 vezes durante o período analisado –
entre março e novembro daquele ano. Entre os residentes na faixa etária
elegível para doação de sangue (15 a 69 anos), a cobertura com a primeira dose
atingiu mais de 75% em todas as cidades até o final do período da pesquisa. A
cobertura com a segunda dose também foi alta.
“Procuramos um marcador que
pudesse facilitar e ser usado de forma rotineira para inferir como estava a
proteção da vacina na população. Em epidemias, temos de usar ferramentas
simples, que possam dar respostas rápidas. Os testes em toda a população são
caros e difíceis de fazer”, complementa Sabino.
Trabalhos anteriores haviam
demonstrado que os níveis de anticorpos neutralizantes são altamente preditivos
de proteção contra infecção sintomática por SARS-CoV-2. Porém, para detectar
esses anticorpos, que efetivamente impedem o vírus de entrar na célula humana,
são necessários testes complexos e caros. Nem todos os anti-S são
necessariamente neutralizantes, mas neste estudo os pesquisadores detectaram
que níveis altos de anti-Spike podem prever uma menor incidência de casos
graves provocados por uma nova variante introduzida em uma população
soropositiva. Eles usaram testes semiquantitativos, que fornecem uma estimativa
da quantidade de anticorpos de um paciente produzidos contra a infecção pelo
SARS-CoV-2.
A partir daí, o grupo conduziu
diferentes tipos de análises com amostras coletadas em 2021, quando as
variantes gamma, delta e ômicron foram sucessivamente substituindo uma a outra.
Foram avaliados até que ponto a vacinação e a infecção prévia contribuíram para
os níveis de IgG anti-S da população e o grau em que essas variáveis previam a
incidência de casos graves de COVID-19 causados pela delta.
Os testes foram realizados em 850
amostras por mês. A partir da segunda semana de cada mês, houve seleção de
amostras entre todas as doações ou dentro dos bairros das capitais pesquisadas
para obter representatividade. Foram aplicados imunoensaios de micropartículas
quimioluminescentes que detectam os anticorpos IgG contra a proteína Spike do
SARS-CoV-2. Os dados para as doses de vacina administradas foram retirados do
OpenDataSUS.
Para chegar aos números de
COVID-19, houve a consulta a três fontes – registros de síndrome respiratória
aguda grave e óbitos do SIVEP-Gripe; total de casos confirmados de COVID-19
pelo Ministério da Saúde e a série temporal da positividade do teste SARS-CoV-2
em uma rede de farmácias da cidade de São Paulo.
Foram utilizados ainda metadados
de todos os genomas do vírus depositados na plataforma Gisaid entre março
de 2020 e o mesmo mês de 2022 nos sete Estados.
Contexto
As capitais analisadas
registraram momentos distintos da epidemia. A taxa cumulativa de ataque
(inferida por meio de soroprevalência) em dezembro de 2020, antes da segunda
onda provocada pela variante gama e ainda sem campanhas de vacinação no Brasil,
variou de 20,3%, em Curitiba (PR), a 76,3% em Manaus (AM).
Enquanto todas as cidades tiveram
um grande pico dominado por gama em casos e mortes, o período seguinte, com a
variante delta, não foi marcado pelas mesmas características, quando a
incidência de casos e óbitos foi baixa em Manaus, Fortaleza (CE) e Recife (PE)
e caiu em Belo Horizonte (MG) e São Paulo.
Já em relação à ômicron, houve
pico variável no número de casos, com crescimento em todas as cidades, mas em
relação a mortes a variação foi de 3,7% no período. A exceção foi Fortaleza,
onde se observou uma elevação de registros de síndrome respiratória aguda grave
atribuíveis à variante.
Por isso, o estudo apontou que os
anticorpos adquiridos por meio de infecção e ou vacinação foram suficientemente
altos no Brasil para evitar um impacto significativo na saúde pública pela
entrada de novas variantes naquele momento.
Os dados do trabalho são abertos
e podem ser acessados na plataforma GitHub.
O artigo Predicting SARS-CoV-2 Variant Spread in a Completely Seropositive Population Using Semi-Quantitative Antibody Measurements in Blood Donors pode ser lido em: www.mdpi.com/2076-393X/10/9/1437/htm.
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