Pesquisadores da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) identificaram no soro sanguíneo de pacientes com
Zika moléculas que servem como marcadores dessa infecção viral.
Marcadores da infecção encontrados no
sangue de pacientes permitem a grupo da Unicamp elucidar via de sinalização
celular envolvida tanto na defesa contra o vírus como na formação de novos
neurônios (a figura mostra a sinalização celular das alterações metabólicas
promovidas pela infecção pelo vírus Zika / Frontiers in Microbiology)
O achado permitiu ao grupo desvendar
uma importante via de sinalização celular envolvida na resposta imune contra o
Zika. Os resultados da pesquisa – que conta com a participação da Rede Zika,
apoiada pela FAPESP – foram divulgados na revista Frontiers in Microbiology.
“Essa mesma via de sinalização
celular está envolvida na neurogênese, o processo de formação de novos
neurônios, e está muito ativa durante o desenvolvimento embrionário. Sabemos
que alguns vírus, entre eles o Zika, liberam uma proteína capaz de bloquear
essa cascata de sinalização para escapar do sistema imune – o que pode estar
associado também à microcefalia e outras malformações do sistema nervoso
central”, disse Carlos Fernando Melo, autor principal do artigo.
A pesquisa envolveu 79 participantes,
sendo 35 com diagnóstico confirmado de Zika por meio de testes moleculares
capazes de detectar o RNA viral em amostras de sangue durante a fase aguda da
infecção.
Outros 34 pacientes incluídos no
estudo apresentavam, no momento da coleta do material para análise, sintomas
parecidos com os causados pelo Zika, como febre, conjuntivite e dor de cabeça.
No entanto, tiveram resultado negativo nos testes diagnósticos para esse vírus
e também para os causadores da dengue e da febre chikungunya. O terceiro grupo
de participantes foi composto por 10 indivíduos sadios, sem qualquer sintoma
infeccioso.
O trabalho de coleta e análise das
amostras foi realizado durante o doutorado de Melo, com apoio da
FAPESP e orientação de Rodrigo Ramos
Catharino, professor na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) e
coordenador do Laboratório Innovare de Biomarcadores da Unicamp.
“Separamos as amostras em dois
grupos: um contendo apenas os casos positivos para o Zika e outro, considerado
o grupo-controle, que continha tanto material de pacientes sintomáticos cujo
teste havia dado negativo como o de voluntários saudáveis. Fizemos isso
justamente para evitarmos marcadores não específicos do Zika, que poderiam
estar relacionados a infecções causadas por outros patógenos”, explicou Melo.
O soro sanguíneo dos participantes
foi analisado em um espectrômetro de massas – equipamento que mede a massa das
moléculas e, com base nessa informação, permite identificar cada composto
presente na amostra. Em seguida, os dados foram interpretados com auxílio de um
modelo estatístico conhecido como análise discriminante ortogonal por mínimos
quadrados parciais (OPLS-DA, na sigla em inglês).
“Essa metodologia nos permite
tabular, por ordem de importância, o que há de diferente nas amostras. Desse
modo, conseguimos identificar os metabólitos capazes de diferenciar os dois
grupos. Para nossa surpresa, encontramos nas amostras de pacientes infectados
os peptídeos angiotensina 1-7 e angiotensina I, que fazem parte do chamado
sistema renina-angiotensina”, disse Melo.
Segundo o pesquisador, o conjunto de
peptídeos, enzimas e receptores celulares que formam o sistema
renina-angiotensina está associado principalmente com o controle da pressão
arterial e do volume de líquidos no corpo. Porém, estudos recentes mostraram
que alguns elementos desse sistema têm função importante na resposta imune
contra vírus.
Como relataram os autores no artigo,
experimentos feitos por outros grupos mostraram que ratos infectados com o
vírus da dengue e tratados com losartana ou enalapril – medicamentos contra
hipertensão que atuam como inibidores da enzima que converte angiotensina I em
angiotensina II (ECA) – apresentaram sintomas mais severos da doença viral.
Em outro teste, ratos modificados
geneticamente para não expressar a ECA foram infectados com o vírus sincicial
respiratório e, após algum tempo, apresentaram carga viral cinco vezes maior
que a dos ratos-controle (capazes de expressar a ECA).
“Os dados da literatura científica
sugerem que, no caso do Zika, os peptídeos angiotensina 1-7 e angiotensina I
estão envolvidos na resposta imune celular. Eles dariam o sinal para que tenha
início, nas células infectadas, o processo de autofagia [no qual as estruturas
do meio intracelular são degradadas], de modo a impedir a replicação do vírus.
Mas é uma hipótese que ainda precisa ser confirmada”, explicou Melo.
Os cientistas também encontraram nas
amostras positivas um grupo de mediadores lipídicos que integram justamente a
cascata de sinalização iniciada pela angiotensina quando esta se liga ao seu
receptor celular. Na avaliação de Melo, esse achado corrobora a participação desses
peptídeos do sistema renina-angiotensina na resposta imune contra o Zika.
Um início, dois desfechos
A via de sinalização que, em teoria,
leva às células infectadas pelo vírus a se autodevorarem para barrar a infecção
é mediada por uma proteína conhecida como mTOR (alvo da rapamicina em
mamíferos, na sigla em inglês). Em determinadas circunstâncias, essa mesma
proteína pode regular o início do processo de neurogênese. Os fatores que
determinam se a sinalização seguirá para um ou outro lado ainda não são bem
compreendidos.
“Sabemos que nos adultos a
neurogênese está bem menos ativa do que nos embriões em desenvolvimento.
Pretendemos agora estudar melhor a via da mTOR para entender quando e como
ocorre a sinalização para autofagia ou para neurogênese”, disse Melo.
Segundo o pesquisador, esse
conhecimento poderá abrir caminho para o desenvolvimento de terapias capazes de
bloquear a infecção pelo Zika antes de o vírus causar danos ao sistema nervoso
central.
Outra possibilidade futura seria usar
marcadores encontrados no sangue para auxiliar clínicos no processo de
diagnóstico. “Usando essa mesma abordagem, mas com outras ferramentas
tecnológicas, poderemos obter um conjunto de marcadores capaz de discriminar os
casos positivos. Mas, para isso, precisamos de parceiros na área de tecnologia
da informação, processamento de dados e também de apoio financeiro para
continuar a pesquisa”, disse Diogo de Oliveira, pós-doutorando na Unicamp e
coautor do artigo.
Para Catharino, o trabalho apresenta
a descrição fisiopatológica mais completa da infecção pelo Zika em humanos já
feita. “Graças às ferramentas metabolômicas, conseguimos identificar marcadores
não usuais da infecção [peptídeos e lipídeos em vez de proteínas e DNA] de
forma rápida e direta, sem a necessidade de modelos ou culturas celulares. Esta
é uma ferramenta bastante aplicável, porém ainda desconhecida”, disse.
Segundo o coordenador, o estudo só
foi possível graças à colaboração com pesquisadores da Zika-Unicamp Network.
“Estamos desenvolvendo com essa mesma rede um método de diagnóstico para dois
tipos de fluidos biológicos. Mas o avanço depende de parceiros e de recursos
financeiros”, disse Catharino.
O artigo Serum Metabolic
Alterations upon Zika Infection (doi: https://doi.org/10.3389/fmicb.2017.01954),
de Carlos Fernando O. R. Melo, Jeany Delafiori, Diogo N. de Oliveira, Tatiane
M. Guerreiro, Cibele Z. Esteves, Estela de O. Lima, Victoria Pando-Robles,
Rodrigo R. Catharino e Rede Zika, está publicado em www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmicb.2017.01954/full.
Karina Toledo | Agência
FAPESP –
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