Neste verão, além da habitual
preocupação com doenças como a dengue, a população do Rio de Janeiro foi
surpreendida com um grande número de pessoas infectadas com o vírus da Hepatite
A. Um surto, com concentração especial na comunidade do Vidigal, já registrou 92 casos notificados e
75 confirmados. Ao longo de 2017, em toda a capital, foram registrados 119
casos.
A hepatite é uma inflamação
aguda no fígado, que pode ser causada por vírus, bactérias ou agentes tóxicos,
como o álcool. Existem cinco tipos identificados de hepatite virais. De acordo
com o infectologista Edimilson Migowski, presidente do Instituto Vital Brazil e
professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do ponto de vista
clínico, não há muita diferença entre as hepatites A, B e C.
“São vários vírus que podem
atacar o fígado de forma primária”, explicou à Agência Brasil. Dentre as
infecções virais, o que chama atenção na hepatite A é o fato de não evoluir
para uma doença crônica, como ocorre com as hepatites B e C.
Apesar disso, ele advertiu
que, ainda que tenha uma evolução muito melhor do que as hepatites B e C, o tipo
A acaba sendo o principal vilão porque pode causar uma inflamação fulminante ou
falência aguda do fígado. Migowski afirmou que a doença, eventualmente, pode
evoluir para casos em que há comprometimento do fígado e o paciente pode
precisar de um transplante.
O agravamento do quadro pode
ocorrer, principalmente, em pacientes idosos ou com alguma doença crônica. De
acordo com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, estima-se que
apenas 1% dos casos representa risco de morte, quando evolui para hepatite
fulminante.
Sintomas e diagnóstico
Os sintomas iniciais mais
comuns da hepatite A são mal estar, dores no corpo, náuseas, dor abdominal,
vômitos, olhos e pele amarelados, urina bem escura e fezes claras.
Eventualmente, quando o quadro é muito grave, pode causar insuficiência
hepática, sangramento e morte, indicou o infectologista.
Segundo o presidente do
Instituto Vital Brazil, a hepatite A tem uma evolução em duas fases: primeiro o
paciente apresenta um quadro agudo, que dura entre uma e duas semanas. Em
seguida, há melhora e depois, uma recaída. A evolução dura de dois a três
meses.
Em crianças, em geral, o
quadro passa sem sinais e sintomas característicos da doença. “Passam como se
fosse uma gripe, mal estar, diarreia, um quadro mais brando”, diz o
infectologista.
Somente a partir de exames de
sangue é possível confirmar qual tipo de vírus está envolvido naquele quadro
infeccioso.
Contaminação
O período de incubação do
vírus é de 15 a 50 dias. Ou seja, depois que a pessoa “engoliu” um vírus da
hepatite A, por meio de água ou alimento contaminados, ela deverá manifestar a
doença de 15 a 50 dias depois.
“A contaminação se dá,
basicamente, com água ou alimento contaminado com esgoto. Também pode ser uma
transmissão entre pessoas. Às vezes, em uma criança que está contaminada e não
tem sinais da hepatite, o vírus contamina as fezes e aí o adulto ao manipular
ou fazer higiene dessa criança pode se contaminar ou espalhar esse vírus para
aquela população”, explicou Migowski.
Falhas na segurança alimentar
ou de água podem ser responsáveis por surtos de hepatite A, como parece ter
ocorrido no caso recente da comunidade do Vidigal, em São Conrado, zona sul da
capital fluminense. A Vigilância Sanitária apreendeu 169 galões de 20 litros
de água contaminados em um bar e um depósito de bebidas do local.
Tratamento
Não existe um tratamento
específico para a hepatite A. “Não existe um antiviral que você possa tomar,
como tem para gripe e para herpes, por exemplo. Não existe nenhum medicamento
que tenha sido comprovado eficaz como antiviral no caso da hepatite A, como tem
para hepatite B e C”, destacou Migowski.
Por essa razão, o tratamento é
de suporte ao paciente. Ou seja, envolve o uso de analgésicos e remédios para
controle de náuseas e vômitos.
Prevenção
A infectologista Karla
Ronchini, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, alerta que a
melhor estratégia de prevenção é a higiene, além de saneamento básico. “Basta
uma pessoa transmitir que, quem está ao redor, tem muita chance de pegar, principalmente
pelo tipo de transmissão, pela falta de cuidados com a higiene, porque ele [o
vírus] circula”, explicou.
Por isso é importante, entre
outras medidas, lavar as mãos após ir ao banheiro ou trocar fraldas de
crianças, e antes de comer ou preparar alimentos. Outra recomendação é cozinhar
bem os alimentos antes de consumi-los; lavar bem, com água tratada, clorada ou
fervida, os alimentos que são consumidos crus, deixando-os de molho por 30
minutos. Também é necessário lavar adequadamente pratos, copos, talheres e
mamadeiras e não tomar banho ou brincar perto de valões, riachos, chafarizes,
enchentes ou onde haja esgoto a céu aberto.
Caso haja algum doente com
hepatite A na residência, deve-se utilizar hipoclorito de sódio a 2,5% ou água
sanitária ao lavar o banheiro. Como a transmissão da hepatite A tem uma relação
fecal-oral, Karla explica que fazer sexo oral desprotegido também é um fator de
risco.
Vacinação
Existe vacina para a hepatite
A, disponível gratuitamente na rede pública de saúde para crianças entre 1 e 2
anos de idade. “É uma vacina segura, eficaz, e pode ser tomada por qualquer
pessoa com mais de um 1 ano de idade mas, infelizmente, na rede pública, isso
só acontece com crianças”, explicou Migowski.
Segundo o presidente do Vital
Brazil, a vacina não é cara, mas ele observou que neste momento não há um
laboratório que consiga produzir e entregar para o país uma quantidade muito
grande do insumo. “Existe certa dificuldade na obtenção do produto”, disse.
Na rede privada, é possível encontrar
a vacina contra hepatite A inclusive para adultos. “Tem uma vacina combinada de
hepatite A e B, o que otimiza o esquema de imunização”, apontou.
Contaminação na infância
O infectologista destacou que,
no Rio de Janeiro, alguns programas de saneamento do governo estadual em
comunidades, como o Favela Bairro, tiveram um efeito positivo para o controle
da doença, com ações como a cobertura de valas e coleta de lixo.
A partir dessas intervenções,
no entanto, o perfil de infecção é alterado, passando a ser mais comum em
adultos. “Antigamente, as crianças infectavam-se muito cedo e, quando chegavam
à idade adulta, não se infectavam mais. Só tinham uma vez a hepatite A”, diz.
De acordo com Edimilson
Migowski, percebe-se mais os surtos e a circulação da hepatite A hoje do que há
40 anos ou 50 anos, quando a doença acometia principalmente crianças. Agora,
tendo em vista que as crianças vêm sendo vacinadas e houve melhora no
saneamento básico, muitos moradores que nasceram após as intervenções do Favela
Bairro, já em comunidades com melhores condições de saneamento, não se
contaminaram na infância. Com isso, aponta Migowski, o quantitativo de adultos
vulneráveis é maior.
Há 30 anos, segundo o
infectologista, podia-se dizer que 100% dos brasileiros já teriam tido hepatite
A. A realidade hoje pode variar de região para região, mas estima-se que, no
Rio de Janeiro, entre 20% a 30% da população até 35 a 40 anos já tiveram hepatite
A quando crianças.
“Isso significa que existe um
quantitativo grande de adultos vulneráveis. E, no adulto, a hepatite A tende a
ter maior gravidade e maior riqueza de sinais e sintomas”, explicou.
Alana Gandra – Repórter,
Andreia Verdélio, Edição: Amanda Cieglinski - da Agência Brasil
0 comentários:
Postar um comentário