Aumento de tributos sobre o
cigarro, composição do produto e regulamentação de exposição em locais de venda
estão em debate no Brasil
Banco Mundial/ONU/Arquivo
A forma de exposição e
comercialização de cigarros e outros produtos derivados do tabaco poderá ser
regulamentada este ano pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A questão já passou por consulta pública e será analisada na primeira reunião
da diretoria colegiada da agência, marcada para a próxima terça-feira (16), em
Brasília.
Entidades que defendem as
políticas de controle do tabagismo argumentam que a exposição nos locais de
venda é usada pela indústria como propaganda, proibida atualmente no Brasil
pela Lei Antifumo. A tendência é que haja restrição na forma como os
comerciantes deixam os maços ou carteiras de cigarro e outros produtos
fumígenos expostos em vitrines ou locais que atraiam os consumidores.
Cigarros com aditivos no STF
A discussão sobre outras
medidas de controle do uso do tabaco também deve se destacar na agenda do
Judiciário e do Legislativo em 2018. Logo após o recesso, em fevereiro, o
plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve analisar a proibição dos
aditivos de cigarro. O assunto foi colocado em pauta no ano passado pelo menos
nove vezes, mas o julgamento foi adiado para o dia 1° de fevereiro.
“O Brasil foi um dos primeiros
países que promulgaram uma legislação proibindo os aditivos no cigarro. A gente
sabe que esses aditivos, como baunilha, chocolate, menta, são colocados nos
produtos pra atrair crianças e adolescentes para iniciação [do fumo]. É um
assunto bem importante pra saúde pública”, destacou a consultora no Brasil da
União Internacional contra a Tuberculose e Doenças Pulmonares (The
Union), Cristiane Vianna.
Aumento da tributação
Na Câmara dos Deputados, os
ativistas pelo fim do tabagismo trabalham pela aprovação de projetos de lei que
aumentam impostos sobre a produção de cigarros e outros produtos derivados do
tabaco. Entre as propostas em análise pelos parlamentares, há medidas que visam
criar tributos sobre o tabaco para estimular a redução do consumo do produto e
direcionar os recursos arrecadados para ações de prevenção e tratamento de
doenças causados pelo fumo.
Um dos projetos em debate (PLP
4/2015) estabelece a criação da Contribuição de Intervenção no Domínio
Econômico (Cide) sobre a fabricação e importação do tabaco e seus derivados. A
arrecadação da chamada Cide Tabaco deve ser destinada, segundo o projeto, ao
financiamento do tratamento de doenças causadas pelo fumo em hospitais da rede
pública. O valor destinado às vítimas seria calculado com base na alíquota de
2% sobre o lucro dos fabricantes ou importadores de tabaco.
Um dos objetivos é fazer com
que o fumo se torne inviável economicamente para boa parte das pessoas,
principalmente entre os adolescentes, fase na qual se inicia o consumo de
cigarro em 90% dos casos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Dois em
cada dez estudantes do ensino fundamental já experimentaram cigarro, segundo a
última Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), de 2015.
Um quarto dos estudantes
compra o cigarro em loja ou botequim e quase 40% dos jovens compram escondido
ou pedem para alguém comprar. Mais da metade dos estudantes que participaram da
pesquisa já presenciou pessoas que faziam uso do cigarro e quase 30% deles tem
pais ou responsáveis fumantes.
Entidades antitabagismo
defendem aumento da tributação do cigarro Marcelo Camargo/Arquivo/Agência
Brasil
“Tributação sobre tabaco é
fundamental para reduzir o consumo em dois grupos populacionais que são os mais
vulneráveis para o tabagismo: é evitar que os jovens comecem a fumar e reduzir
o tabagismo entre pessoas de baixa renda, que são os mais expostos, os que mais
fumam. A ideia não é penalizar essas pessoas, é tentar evitar que elas sofram,
porque são as que mais adoecem, mais morrem por problemas relacionados ao
tabagismo”, afirmou a pesquisadora e coordenadora do Centro de Estudos sobre
Tabaco e Saúde da Fiocruz. Valeska Carvalho Figueiredo.
Os projetos de lei ainda estão
em fase de discussão nas comissões antes de serem avaliados em plenário. A
tramitação das propostas tem sido permeada pelo embate entre representantes da
indústria do tabaco e de organizações que defendem políticas de controle do
tabagismo.
“A cadeia produtiva do tabaco
brasileira é mais tributada do mundo. Ao aumentar o preço do cigarro
brasileiro, que já um dos mais caros do mundo na relação de renda da população,
significa jogar ainda mais pessoas para o consumo do cigarro contrabandeado do
Paraguai, que é extremamente barato, não tem vigilância sanitária e causa
prejuízo gravíssimo à economia brasileira e também à saúde. Pesquisas mostram
que há produtos misturados nos cigarros que vêm do Paraguai, como chumbo,
insetos e outras coisas que são extremamente prejudiciais à saúde”, afirmou o
consultor executivo da Associação dos Municípios Produtores de Tabaco
(Amprotabaco), Dalvi Soares de Freitas.
Saúde
O aumento dos impostos e do
preço do cigarro é apresentado pela Convenção Quadro para Controle do Tabaco,
compromisso assumido pelo Brasil e mais 191 países, como uma das políticas
efetivas de redução do fumo. A medida também é defendida pelo Instituto
Nacional do Câncer (Inca).
A OMS considera o tabagismo
uma doença crônica e um fator de risco para diversas enfermidades. Segundo a
organização, a dependência à nicotina é responsável por cerca de 5 milhões de
mortes em todo o mundo.
No Brasil, de acordo com o
Inca, cerca de 156 mil pessoas morrem por ano por causas relacionadas ao
tabaco, o que equivale a 428 mortes por dia. A maioria das mortes ocorre por
problemas cardíacos, pulmonares, cânceres, tabagismo passivo, pneumonia e
acidente vascular cerebral (AVC).
Pesquisadores projetam que se
o Brasil aumentasse o preço do cigarro em 50%, seriam evitadas mais de meio
milhão de internações e aproximadamente 200 mil mortes por ano, segundo estudo
da Faculdade de Medicina de Buenos Aires em parceria com o Inca, a Organização
Pan-americana de Saúde (Opas) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Custos
Do outro lado do debate sobre
o controle do tabaco, estão os produtores e a indústria. Com a segunda maior
produção de tabaco do mundo, o Brasil se tornou o maior exportador mundial do
produto. Segundo o Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (Sinditabaco),
só na Região Sul do país, onde está concentrada a produção nacional, a safra de
2016 teve 539 mil toneladas de tabaco.
Espalhada em 600 municípios do
Sul, a atividade agrícola do tabaco envolve 144 mil produtores rurais e tem
receita de mais de R$ 5 bilhões, além de R$ 2 bilhões em divisas com
exportação. De acordo com as entidades do setor, apenas 20% da produção é
destinada para o consumo interno.
Mais de 90% dos produtores de
tabaco do Brasil estão na Região Sul e têm pequenas propriedadesDivulgação/Associação
dos Fumicultores do Brasil (Afubra)
Para aumentar o potencial de
exportação, os produtores de tabaco esperam que o Congresso Nacional aprove
mudanças na lei que exige que os maços de cigarros destinados à exportação não
podem ter menos de 20 unidades. O setor também argumenta que as propostas de
aumento da tributação seguem na contramão da tendência de simplificação
tributária, em análise na Câmara, e que prevê a inclusão dos impostos do
cigarro no grupo do chamado Imposto Seletivo (IS).
De acordo com dados do
Sinditabaco, os impostos correspondem de 77 a 88% do preço do cigarro no Brasil
e a indústria do tabaco paga mais de R$ 13 bilhões por ano em tributos por ano.
No entanto, as entidades
favoráveis ao aumento do preço do cigarro ressaltam que o valor atual
arrecadado pela indústria do tabaco não é suficiente para cobrir os custos dos
problemas decorrentes do uso do produto.
O valor médico para tratar as
doenças causadas pelo fumo chega a quase R$ 40 bilhões por ano, segundo estudo
da Faculdade de Medicina de Buenos Aires em parceria com o Inca, a Organização
Pan-americana de Saúde (Opas) e outras instituições de pesquisa do Brasil. O
montante equivale a 8% de todo o gasto com saúde no país.
Outros R$ 17,5 bilhões são
gastos de forma indireta com morte prematura e incapacidade por enfermidades
relacionadas ao fumo. As perdas com o vício no tabaco somam quase R$ 58
bilhões, o que corresponde a 1% de todo o produto interno bruto (PIB, soma das
riquezas do país) do Brasil, segundo o mesmo estudo.
“O cigarro do Brasil é um dos
mais baratos do mundo. A gente quer que o preço aumente e que a carga
tributária possa ser revertida para investimento na cura dessas doenças”, disse
Valeska, pequisadora da Fiocruz. De acordo com a Receita Federal, o custo médio
do maço de cigarro no país varia de R$ 5 a R$ 12, dependendo da marca e da
região onde é comercializado.
Contrabando
Para economistas e
representantes dos produtores de tabaco, o aumento do preço do cigarro não
necessariamente vai reduzir o consumo, uma vez que pode estimular o aumento do
contrabando, que envolve todo o processo de produção, distribuição, posse,
recepção, venda, compra ou qualquer prática que facilite a atividade ilegal.
“São bilhões que o governo
deixa de arrecadar anualmente que poderiam ser usados na saúde. Então, não é
justo que se aumente um imposto sobre um produto legal com a justificativa de
que todo o câncer causado no Brasil é culpa do cigarro, ainda mais que 40% do
cigarro consumido no Brasil não é legal, é contrabandeado do Paraguai”, afirmou
Freitas, da Amprotabaco.
No fim do ano passado, o
plenário do Senado aprovou o acordo internacional que confirma a adesão do
Brasil ao Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco. O
protocolo prevê que os países se comprometam a adotar medidas de eliminação da
rede de tráfico de cigarros e outros produtos derivados do tabaco e estabelece
que nações cooperem entre si no combate ao contrabando de cigarros, por meio de
compartilhamento de informações e extradição de criminosos.
Além do contrabando, outra
queixa dos produtores é a falta de incentivos financeiros do governo federal
para que os municípios que vivem do tabaco plantem outras culturas.
“A implementação do tratado
[de controle do tabaco] traz em si a redução da demanda em nível global. O
Brasil é um grande exportador de tabaco, então, a gente precisa preparar as
famílias fumicultoras para encontrar alternativas economicamente viáveis e mais
saudáveis para a vida delas”, sugeriu Cristiane Vianna, consultora da The
Union.
“Todos os municípios
produtores de tabaco tem programas voltados à diversificação da lavoura, no
sentido de ter outras alternativas econômicas. Agora, não se faz uma nova
matriz econômica no município sem recursos. E a gente não vê dinheiro sendo
colocado pra isso. Sem incentivos financeiros não haverá diversificação de
fato. Enquanto houver demanda por tabaco no mundo, nós continuaremos produzindo
tabaco. Não há nenhuma outra cultura na agricultura familiar que dê a mesma
remuneração da que o tabaco dá”, comparou Dalvi Soares, ex-prefeito de Dom
Feliciano, um dos municípios do Rio Grande do Sul que tem economia baseada na
produção de fumo.
Débora Brito - Repórter,
Edição: Luana Lourenço da Agência Brasil
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