O aumento do nível de automação na indústria mundial tem reduzido o incentivo para empresas multinacionais terceirizarem sua produção para economias emergentes, como China, Brasil e outros países da América Latina, onde essas corporações tradicionalmente instalavam suas fábricas por disporem de mão de obra barata.
A fim de se preparar para essa
nova realidade, em que a mão de obra será menos intensiva e as tarefas nas
indústrias serão mais relacionadas ao controle do que à execução de processos,
os países latino-americanos devem investir fortemente na capacitação de sua
força de trabalho a fim de dotá-la de novas habilidades requeridas na economia
pós-manufatura. E, além disso, incentivar as novas gerações a ingressarem em
carreiras relacionadas à ciência, tecnologia e inovação.
A avaliação foi feita por
participantes de debates sobre os impactos da quarta revolução industrial
durante o Fórum Econômico Mundial na América Latina, realizado na semana
passada em São Paulo.
“É preciso dotar as atuais e
futuras gerações de trabalhadores na América Latina de habilidades sociais,
como inteligência emocional e capacidade de raciocínio lógico para solucionar
problemas, entre outras, que não são encontradas em livros didáticos”, disse
Angel Melguizo, economista-chefe da unidade da América Latina e do Caribe da
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). “As
empresas não estão conseguindo encontrar essas habilidades nos trabalhadores na
região hoje.”
Um estudo realizado pela
instituição, em parceria com o Manpower Group Latin America, apontou que mais
de 50% das empresas estabelecidas na América Latina não conseguem encontrar
candidatos com as habilidades sociais de que precisam – como de comunicação,
análise e pensamento crítico – em comparação com 36% das empresas nos países da
OCDE.
Esse problema é mais agudo no
Peru, Brasil e México e afeta principalmente os setores considerados
fundamentais para atualizar e diversificar a economia latino-americana, como o
de produção de veículos motorizados, de máquinas avançadas e o de serviços.
Ao mesmo tempo em que a
América Latina apresenta a maior escassez de competências no mundo na economia
formal, dois em cada cinco jovens não estudam nem trabalham e 55% dos trabalhadores
da região trabalham na economia informal, aponta o estudo.
“Essa falta de um conjunto
adequado de trabalhadores qualificados na América Latina e o grande número de
pessoas sem emprego formal e em situação de vulnerabilidade econômica têm
dificultado a superação da armadilha da renda média na região”, disse Melguizo.
O economista argentino se
refere ao fenômeno em que um país emergente, após atingir um nível de renda
média, não consegue sustentar sua trajetória de crescimento econômico de modo
que sua população consiga alcançar níveis mais elevados de renda.
“Isso contrasta com o que
aconteceu com a maioria das economias europeias e asiáticas, que se tornaram
economias de alta renda per capita e saíram da armadilha da renda média ao
investir na qualidade da educação, no desenvolvimento de habilidades de seus
trabalhadores e de um ambiente amigável à inovação. Vimos isso em Portugal,
Irlanda e Coreia do Sul, por exemplo”, disse Melguizo.
Currículos inovadores
Para dar o mesmo salto dos
países europeus e asiáticos, as nações latino-americanas precisarão promover
reformas em seus currículos educacionais e criar programas de aprimoramento que
conjuguem treinamento técnico com o desenvolvimento de habilidades
fundamentais, como capacidade de raciocínio lógico e de cooperação, apontaram
os especialistas.
“É preciso que as linguagens
de programação, por exemplo, façam parte do currículo escolar, de modo a
preparar crianças, jovens e professores para um mundo cada vez mais digital”,
disse Jennifer Artley, presidente para as Américas da BT Group – empresa de
telecomunicação britânica com operações em mais de 170 países.
Os países latino-americanos
são ávidos consumidores de novas tecnologias. O Brasil, por exemplo, é a
terceira maior plataforma de usuários do Facebook e um dos maiores usuários do
aplicativo de trânsito Waze, desenvolvido em Israel e comprado pelo Google, em
2013. Mas o país e seus vizinhos precisam transformar esse interesse em
iniciativas para gerar maior inovação na região, avaliaram os participantes dos
debates.
Para aumentar o nível de
inovação na região, na avaliação deles, será preciso aumentar o acesso de
jovens à universidade na América Latina em cursos relacionados principalmente à
ciência, robótica, engenharia, matemática, artes e design, entre outros.
“Ciência e tecnologia são
fundamentais para impulsionar a inovação nos países latino-americanos. Podemos
continuar produzindo nossas commodities. Mas é preciso usar parte
dos dividendos da exportação de matérias-primas para investir em ciência e
tecnologia. Na Colômbia, por exemplo, 10% dos royalties do
petróleo são destinados para ciência e tecnologia”, disse Mauricio Cárdenas,
ministro de Finanças da Colômbia.
A dependência de muitos países
latino-americanos em commodities, aliás, não é incompatível com o
desafio da região de diversificar suas economias e ingressar na era
pós-manufatura. Ao contrário: pode ser um gatilho para a região desenvolver
novos serviços ligados a esse setor, segundo Melguizo.
“É possível agregar valores e
desenvolver serviços relacionados às commodities. O Chile tem feito
isso no setor de mineração e o Uruguai também no setor de alimentos”, disse
Melguizo.
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