Maria Fernanda Ziegler |Agência FAPESP – Uma substância sintética análoga ao canabidiol previne o
surgimento da dor neuropática, um efeito adverso relativamente comum de
quimioterápico que pode, inclusive, levar à interrupção do tratamento clínico
contra o câncer.
O estudo, publicado na
revista Neurotherapeutics , foi
realizado com o paclitaxel, um quimioterápico amplamente utilizado e oferecido
a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento de diferentes
tipos de câncer. Os resultados do estudo, realizado em camundongos, mostraram
que, além de prevenir efeitos adversos e não causar dependência, a administração
da substância análoga ao canabidiol combinada com o quimioterápico trouxe
melhores resultados para o tratamento contra o câncer.
“O paclitaxel causa uma lesão
neuronal, que normalmente está associada à dor neuropática. Estima-se que
80% dos pacientes que usam o paclitaxel venham a desenvolver esse tipo de dor
crônica em menor ou maior grau. Portanto, é um problema clínico
importantíssimo, pois nada funciona com esses pacientes para melhorar essa
neuropatia. E, em muitos casos, o tratamento quimioterápico precisa ser
interrompido”, explica Thiago Mattar
Cunha , pesquisador do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) e um
dos autores do estudo.
O CRID é um Centro de
Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP e sediado na
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP). O estudo contou com o apoio
da FAPESP por meio de um projeto temático e também do Instituto Nacional de Medicina
Translacional (ICNT).
Denominada PECS-101, a
substância tem estrutura parecida à do canabidiol, porém, com a adição de
molécula de flúor. Isso confere à substância, de acordo com os cientistas, uma
potência entre três e dez vezes maior que a do canabidiol. A molécula foi
sintetizada por Raphael Mechoulam, químico e grande pesquisador da cannabis na
Hebrew University, em Israel.
“Nosso grupo de pesquisadores
da USP fez uma parceria com o Mechoulam e passamos a investigar os efeitos da
substância. Somos detentores da patente internacional da PECS-101, que está
licenciada para uma empresa americana. Portanto, continuamos nossos estudos
sobre os seus efeitos, que não são financiados por esta empresa”, diz Francisco Silveira Guimarães, professor da
FMRP-USP e autor do estudo.
Ajuda no tratamento
Antes de verificar se a
PECS-101 prevenia a dor neuropática, os pesquisadores precisaram demonstrar em
modelo animal que o paclitaxel a induzia. A partir daí, eles se aprofundaram no
mecanismo da droga para que a dor neuropática nem sequer ocorresse.
“Observamos que o mecanismo de
ação da droga ocorre via um receptor celular chamado PPARy, e não via os
receptores de substâncias canabinoides endógenas, CB1 e CB2. Estudos anteriores
já haviam demonstrado que drogas que agem com esse receptor têm efeito
antitumoral e na dor neuropática”, explica Nicole Rodrigues da Silva,
pesquisadora do Departamento de Farmacologia da USP em Ribeirão Preto e autora
do estudo.
Para isso, os pesquisadores
utilizaram camundongos geneticamente modificados. Eles foram desenvolvidos pela
própria equipe de modo que não apresentassem os receptores. “Nos animais sem
esse tipo de receptor, a PECS-101 não tinha efeito”, diz Silva.
Os receptores PPARy estão
presentes em diferentes tipos de células. No estudo, os pesquisadores
analisaram sua ação em células do sistema imune (macrófagos), por sua forte
relação com a dor neuropática. “Os macrófagos são importantes para a dor
neuropática causada pelo paclitaxel. Existe um mecanismo neuroinflamatório que
está descrito e há evidências de que agonistas de PPARy têm um efeito
anti-inflamatório. Além de algumas outras evidências de que o canabidiol possa
agir via esses receptores”, afirma Cunha.
Mas era preciso demonstrar
ainda que, além de prevenir a dor neuropática, a substância colaborava com o
tratamento quimioterápico ou, pelo menos, não atrapalhava. “Para isso,
realizamos outro experimento, desta vez com camundongos fêmeas com câncer
de mama
induzido e vimos que a
PECS-101 não só não interferia no efeito do paclitaxel, como também parecia
melhorar o tratamento contra o câncer de mama. Confirmamos esse experimento em
culturas de células humanas, obtendo o mesmo resultado positivo”, explica
Silva.
O estudo também comprovou que,
como o canabidiol, a PECS-101 não causa dependência.
Guimarães conta que já existe
literatura científica sobre os potenciais efeitos antineoplásicos do
canabidiol. “Portanto, não foi uma surpresa absoluta que a PECS-101 também
tivesse essa propriedade. O que há de mais positivo é saber que previne a
dor neuropática, ou seja, ela nem sequer chega a ocorrer e ainda ajuda no
tratamento. Isso, sem dúvidas, traz esperanças para que o tratamento
quimioterápico a partir do paclitaxel seja mais efetivo”, diz o pesquisador.
O artigo The Cannabidiol Analog PECS-101 Prevents Chemotherapy-Induced Neuropathic Pain via PPARγ Receptors (doi: 10.1007/s13311-021-01164-w), de Nicole Rodrigues Silva, Francisco Isaac Fernandes Gomes, Alexandre Hashimoto Pereira Lopes, Isadora Lopes Cortez, Jéssica Cristina dos Santos, Conceição Elidianne Aníbal Silva, Raphael Mechoulam, Felipe Villela Gomes, Thiago Mattar Cunha e Francisco Silveira Guimarães, pode ser lido em https://link.springer.com/article/10.1007/s13311-021-01164-w.
0 comentários:
Postar um comentário