O Brasil ainda não tem um
marco legal para a definição conceitual de órteses e próteses, a falta de
nomenclatura específica impede a padronização de preços desses produtos, que
também não contam com sistema adequado de registro e monitoramento. Os
protocolos atuais de uso são frágeis e precisam ser aperfeiçoados. Há ainda uma
extrema assimetria nos preços de mercado, o que faz com que sejam vendidos por
valor bem mais alto nas regiões menos desenvolvidas do país, onde se concentram
os usuários mais pobres.
Jefferson Rudy/Agência Senado
Essas observações foram feitas
nesta terça-feira (14) pelo ministro da Saúde, Arthur Chioro, em audiência
pública na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Próteses, que apura
denúncias de fraude na produção e venda desses equipamentos, com prejuízo para
o Sistema Único de Saúde (SUS).
Chioro ressaltou que um grupo
interministerial avalia desde janeiro medidas para aperfeiçoar o setor, que
também sofre com a excessiva incidência de tributos, a burocratização do
complexo aduaneiro e a falta de aperfeiçoamento no banco de preços adotados por
hospitais.
— Temos uma variedade de
registros, 44 mil registros, sem contar uma infinidade de modelos de cada
prótese sem padrão de nomenclatura. A mesma placa ortopédica para fixar
próteses tem um tamanho de furo que varia de produtor, o que acaba induzindo o
uso de um modelo específico. É um setor em que a definição da nomenclatura é
decisiva para entender o padrão de uso. Estamos lidando com um problema
complexo — afirmou.
O ministro da Saúde disse que
a legislação atual, oriunda dos anos de 1970, e resoluções da Vigilância
Sanitária não dão conta de enfrentar o problema, que também atinge países como
os Estados Unidos e França, que avançam com dificuldades no processo
regulatório, em razão do alto valor agregado desses equipamentos. Chioro disse
que há uma tentativa internacional de substituir a nomenclatura atual de
prótese pelo conceito de Dispositivos Médicos Implantáveis.
— A definição engloba o
material usado na sua implantação, e os instrumentos necessários para essas
cirurgias. Isso não está claro hoje. Os conceitos são amplos. Há lacunas no
processo de monitoramento. Quando se registra o produto, não se declara o conjunto
de modelos do produto. Um único registro pode significar dezenas de modelos a
partir de um produto que terá no mercado nomenclaturas diferentes daquela da
Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Diferente dos remédios, que
têm que guardar uma relação — afirmou.
Chioro admitiu que algumas
ações de governo não têm sido capazes de inibir problemas na venda desses
dispositivos. Ele citou operação da Anvisa que identificou uso de material
inadequado na fabricação de próteses, em 2007; o uso de silicone industrial em
próteses mamarias francesas, em 2012; auditoria do SUS em 20 hospitais, que
indicou a restituição de mais de R$ 500 mil, em 2013; e o início de projeto
piloto para implantação do registro nacional de implantes, em 2014.
Chioro contou que o setor de
próteses é representado por grandes empresas globais que convivem com pequenas
e medias empresas nacionais. Os países emergentes têm tido crescimento acima da
média na utilização dos produtos. Há projeção de crescimento de 15% ao ano nos
próximos cinco anos, em razão de mudanças no padrão demográfico e
epidemiológico, afirmou.
De acordo com o ministro da
Saúde, a Johnson & Johnson é a grande líder do mercado de próteses. A
Siemens vem em segundo lugar, e não há nenhuma empresa brasileira na relação
das vinte maiores em atuação no mercado mundial, que respondem por 54% dessa
demanda e movimentam 57 bilhões de dólares.
No Brasil, em 2014, o gasto do
SUS com próteses ficou acima de R$ 1 bilhão – R$ 730 milhões com equipamentos
cardiovasculares, e R$ 210 milhões em dispositivos ortopédicos. Noventa por
cento das empresas do setor são de pequeno porte. O Brasil também exporta sua
produção para a América do Sul, México e alguns países africanos, e compra
equipamentos principalmente dos Estados Unidos, Alemanha e China.
— É crescente a tecnologia
disponível no mercado, com processo continuo de inovação. O ciclo de vida da
tecnologia nova não passa de 24 meses. A cada dois anos, a tecnologia usada
hoje é superada. É um setor marcado pela inovação incremental. O aumento da
demanda pela incorporação das novas tecnologias tem altíssimo custo. Isso é um
problema para identificar, devido as limitações orçamentárias. O tema é
decisivo para explicar a judicialização surgida no país. Talvez a grande
demanda tenha surgido a partir desses dispositivos — afirmou.
Relator da comissão, o
ex-ministro da Saúde e senador Humberto Costa (PT-PE) apontou para a
complexidade do tema. Ele avaliou que a questão das próteses exige uma solução
ampla, vista a dependência tecnológica nacional e um déficit expressivo desses
equipamentos na balança comercial.
Sem um esforço de
padronização, disse Arthur Chioro, nenhuma entidade pública ou privada
conseguirá fazer um processo adequado de fiscalização e monitoramento das
próteses comercializadas no país. A assimetria de informações no setor
beneficia apenas quem domina um saber específico, a exemplo do especialista
responsável pela indicação do equipamento.
— O ato profissional é
decidido pelo especialista, que indica a marca ou o distribuidor dos
dispositivos, quando deveria indicar apenas o procedimento e trabalhar com conjunto o equipamento
disponível a partir de padronização da instituição. A escolha do produto pelo
especialista pode gerar incentivo financeiro pela indicação da marca ou
distribuidor — afirmou.
Em resposta ao presidente da
CPI, senador Magno Malta (PR-ES), o ministro da Saúde apontou a existência de
empresas que dificultam a entrada no mercado “de outras empresas que favorecem
uma estratégia concorrencial”. Ele observou que a regulação de preço das
próteses é apenas um das questões a ser enfrentada pelas autoridades, que
precisam atuar ainda em reformas estruturais no setor. Ele disse ainda que
alguns hospitais chegam a ter margem na venda de próteses não prevista na
legislação.
Chioro citou ainda estudo
disponibilizado pela Associação Nacional de Hospitais Privados, que mostra as
margens agregadas na cadeia do setor usando como exemplo uma prótese de joelho.
O equipamento custa R$ 2.096 para a indústria, mas chega ao consumidor final
por R$ 18.362, após a soma de tributos, comissões sobre a venda e margens do
distribuidor, muitas das quais com valor acima dos custos de produção do
equipamento.
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