QUEM CULTIVA a indignação seletiva corre o risco de colher
constrangimento. Parece ser o caso dos manifestantes mineiros que no domingo 16
exibiram em Belo Horizonte a faixa "Somos milhões de Cunhas". Tsc,
tsc, tsc... Exatos quatro dias depois dos protestos que miraram o PT, Lula e
Dilma Rousseff, mas ignoraram os demais "suspeitos", a
Procuradoria-Geral da República denunciou o presidente da Câmara pelos crimes
de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Eduardo Cunha, como se
sabe, foi acusado por Júlio Camargo, executivo da Toyo Setal, de receber ao
menos 5 milhões de dólares em propinas, entre junho de 2006 e janeiro de 2012,
para viabilizar a contratação de dois navios-sondas pela Petrobras. A
apresentação da denúncia, que, caso aceita pelo Supremo Tribunal Federal, o
tornará réu no processo da Operação
Lava Jato, pode até
acirrar os ânimos no Congresso nos próximos dias, mas tende a diminuir ainda
mais o protagonismo do deputado peemedebista, em processo de isolamento desde
que seu colega de partido e presidente do Senado, Renan Calheiros, negociou uma
trégua com o governo.
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A INDIGNAÇÃO SELETIVA
COSTUMA PRODUZIR VEXAMES PARA QUEM A EXERCE
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O Ministério Público
Federal também apresentou denúncia contra o senador e ex-presidente Fernando
Collor, do empresário Pedro Paulo Leoni Ramos. Segundo os procuradores, o grupo
ligado ao ex-presidente recebeu 26 milhões de reais em propinas entre 2010 e
2014, oriundas de um esquema ilícito de autorizações para o uso da bandeira BR
em postos de gasolina. Os investigadores da Lava Jato chegaram ao nome de
Collor a partir de oito recibos de depósitos, no valor de 50 mil reais,
encontrados durante as buscas no escritório do doleiro Alberto Youssef. O
delator confirmou manter a contabilidade paralela de Ramos, e ele teria
solicitado vários repasses de dinheiro ao ex-presidente, do qual foi ministro
de Assuntos Estratégicos.
De acordo com o doleiro,
um funcionário da Gazeta de Alagoas, jornal do qual
Collor é sócio, chegou a ir duas ou três vezes em seu escritório para pegar
entre 200 mil e300mil reais. Courrier das propinas, Rafael Angulo Lopez
confirmou, em depoimento, que entregou 60 mil reais em dinheiro nas mãos de
Collor, em um apartamento em São Paulo. O Conselho de Controle de Atividades
Financeiras identificou movimentações atípicas em contas do senador que
totalizam798mil reais. Os carros de luxo apreendidos em sua residência em
Brasília, entre eles uma Ferrari e uma Lamborghini, estavam registrados em nome
de uma empresa de fachada do senador, a Agua Branca Participações.
Cunha foi igualmente
arrastado para o escândalo por Youssef, em outubro de 2014.0 doleiro apresentou
detalhes sobre contratos referentes à construção e aluguel de duas sondas de
perfuração marítima para exploração de petróleo na África e no Golfo do México.
Os acordos foram assinados em 2006 e 2007 no valor total de 1,2 bilhão de
dólares. O negócio foi celebrado entre a empresa sul-coreana Samsung e a
Petrobras, com participação da japonesa Mitsui A intermediação teria sido feita
por Fernando Soares, vulgo Fernando Baiano, operador ligado à Diretoria Internacional
da Petrobras, indicado pelo PMDB. Segundo a PGR, a propina foi oferecida,
prometida e paga por Camargo, que defendia os interesses da Mitsui. Entre os
destinatários finais, acusa Youssef, estão o presidente da Câmara e Paulo
Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras.
Por causa dos contratos, a
Samsung transferiu, em cinco parcelas pagas no exterior, 40,3 milhões de
dólares para Camargo, informa a PGR. Em seguida, o lobista transferiu, a partir
da conta de uma offshore sediada no Uruguai, parte
desses valores para outras contas bancárias, também no exterior, indicadas por
Baiano. Cunha é acusado de lavagem de dinheiro por ocultar e dissimular o
recebimento dos valores no exterior.
Ainda segundo Youssef, em
um dado momento, Camargo parou de receber a comissão da Samsung e interrompeu
os repasses a Baiano. Cunha teria ficado irritado com a suspensão das propinas
e passou a pressionar o executivo a partir de dois requerimentos naComissão de
Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, formulados pela então deputada
Solange Almeida, em julho de 2011.
Os requerimentos
solicitavam informações sobre o lobista, a Samsung e o Grupo Mitsui. Um foi
dirigido ao Tribunal de Contas da União e outro ao Ministério de Minas e
Energia. Cunha sempre negou estar por trás das solicitações. Uma perícia no
setor de informática da Câmara comprovou, no entanto, que o autor das duas
peças estava conectado no sistema como "Dep. Eduardo Cunha",
utilizando a senha pessoal e intransferível do parlamentar. Somente depois,
informa a Procuradoria, os requerimentos foram autenticados pelo gabinete da
então deputada, que também acabou denunciada ao lado de Cunha.
Camargo confirmou toda a
história em depoimento à Justiça em 16 de julho. Segundo ele, durante uma
reunião com Cunha e Fernando Baiano, o presidente da Câmara disse ser
"merecedor" de 5 milhões de dólares referentes ao contrato dos
navios. A despeito de todas as evidências.
Davi Machado Evangelista,
que cuida da defesa do parlamentar, declarou que acusação "é facilmente
derrubável" por ser baseada "em um delator infiel, que mente".
Cunha, por sua vez,
refutou qualquer possibilidade de se afastar do comando da Câmara.
Por ora, apenas um pequeno
grupo de parlamentares, de diferentes partidos, prepara um manifesto em prol do
afastamento do presidente da Câmara. O deputado Ivan Valente, do PSOL,
antecipou que a bancada de seu partido pretende apresentar uma representação no
Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar, o que pode levar à cassação
do mandato. Só aguarda o STF acolher a denúncia da PGR, o que transformaria
Cunha em réu da Lava Jato. Na quinta-feira 20, ele voltou a cobrar a convocação
do peemedebista na CPI da Petrobras, além de defender as convocações de Camargo
e Solange Almeida. Mas todas as solicitações acabaram descartadas pela maioria
dos colegas na comissão.
"No início dos
trabalhos. Cunha se apresentou voluntariamente. Agora que temos elementos para
interrogá-lo, ele se esconde atrás de sua tropa de choque", lamenta
Valente. "Será difícil romper o cerco. O PT permanece acuado, de olho na
governabilidade e com medo de sofrer novas retaliações. E o PSDB, de forma
irresponsável, articula-se nos bastidores para dar sustentação a Cunha, um
aliado de conveniência.
Quando a denúncia vier a
público, imagino ser difícil manter tal postura." O Planalto tende a
celebrar em silêncio a desgraça do adversário. O governo ainda não possui
maioria na Câmara e qualquer ação mais ostensiva só daria mais munição a Cunha,
que posa como vítima de um complô do Executivo com o procurador-geral Rodrigo
Janot. Além de controlar a bancada do PMDB, o presidente da Câmara conta com o
apoio silencioso do chamado baixo clero e de partidos da oposição, à frente
PSDB e DEM, que o enxergam como principal fiador de um processo de impeachment contra
Dilma. No Parlamento mais conservador desde o fim da ditadura, ele também
conquistou a confiança da chamada "bancada BBB", do Boi, da Bala e da
Bíblia, ao patrocinar projetos como a Estatuto da Família, a PEC que altera as
regras para a demarcação de terras indígenas, e garantir a aprovação da redução
da maioridade penal.
"Resta saber até
quando ele conseguirá manter essa lealdade. Ninguém em sã consciência continua
abraçado a um corpo em chamas", observa o cientista político Cláudio
Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas. "Cunha foi excessivamente
autoconfiante e arrogante ao transformar a pauta da Câmara em instrumento de
defesa e vingança pessoal. Com essa 'pauta-bomba' que compromete as finanças
públicas, ele sinalizou aos agentes econômicos ser o principal fator de risco e
instabilidade, e não uma solução para a dupla crise, política e econômica. Isso
só contribui para o seu isolamento, além de abrir espaço para o presidente do
Senado, também investigado na Lava Jato, emergir como o grande conciliador do
momento, capaz de acabar com a turbulência."
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COLLOR TAMBÉM NÃO ESCAPOU
DAS GARRAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
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Calheiros manteve a
promessa de dar suporte ao governo e servir de anteparo à agenda de Cunha. Na
quarta-feira 19, assegurou a aprovação do projeto que reduz as desonerações nas
folhas de pagamento, parte do ajuste fiscal. No dia anterior, resistiu à
pressão dos servidores do Judiciário e adiou novamente uma sessão do Congresso
para avaliar o veto de Dilma ao reajuste de 78% concedido à categoria. Pelos
cálculos do Ministério do Planejamento, a medida teria um impacto de 25 bilhões
de reais em quatro anos. Sua "Agenda Brasil" está longe de ser
consensual. "E a voz dos lobistas do plenário", critica o senador
Roberto Requião, colega de partido. Mas a iniciativa ao menos abriu caminho
para a retomada do diálogo.
Em uma "Carta à
Nação", divulgada na quinta-feira 20, a Ordem dos Advogados do Brasil, a
CNI, a Confederação Nacional do Transporte e o Conselho Nacional de Saúde apresentaram
propostas para a superação da crise. "Independentemente de posições
partidárias, a nação não pode parar nem ter sua população e seu setor produtivo
penalizados por disputas ou por dificuldades de condução de um processo
político que recoloque o País no caminho do crescimento", diz o texto.
"E preciso que as forças políticas, de diversos matizes, trabalhem para a
correção de rumos da nação. E uma tarefa que se inicia pelo Executivo, a quem
cabe o maior papel nessa ação, mas exige o forte envolvimento do Congresso, do
Judiciário e de toda a sociedade."
Para o petista José
Guimarães, líder do governo na Câmara, é um sinal de que a sociedade está
cansada do clima de instabilidade permanente. "Iniciase um novo ciclo
marcado pelo diálogo, que a presidenta Dilma empreende com o Congresso, com os
movimentos sociais e com o setor produtivo", diz. "As rodadas de
conversas sinalizam que ninguém quer mais esse clima beligerante. Ninguém quer
crise institucional, muito menos saídas golpistas."
Mesmo com minoria na
Câmara, o governo tem conseguido minimizar o impacto das propostas patrocinadas
por Cunha que geram aumento das despesas públicas. Na terça-feira 18, conseguiu
costurar um acordo para que a mudança na correção do FGTS ocorra de forma
escalonada até 2019, quando deve se igualar àquela da caderneta de poupança,
além de reservar 60% do lucro anual do fundo para oferecer descontos aos
mutuários do Programa Minha Casa Minha Vida. A proposta original previa alterar
a remuneração do FGTS a partir de o de janeiro de 2016. Mais um sinal do
enfraquecimento de Cunha, encaixotado pela Lava Jato.
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