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domingo, 23 de agosto de 2015

Cunha e seus milhões - reportagem de Rodrigo Martins à Carta Capital

QUEM CULTIVA a indignação seletiva corre o risco de colher constrangimento. Parece ser o caso dos manifestantes mineiros que no domingo 16 exibiram em Belo Horizonte a faixa "Somos milhões de Cunhas". Tsc, tsc, tsc... Exatos quatro dias depois dos protestos que miraram o PT, Lula e Dilma Rousseff, mas ignoraram os demais "suspeitos", a Procuradoria-Geral da República denunciou o presidente da Câmara pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Eduardo Cunha, como se sabe, foi acusado por Júlio Camargo, executivo da Toyo Setal, de receber ao menos 5 milhões de dólares em propinas, entre junho de 2006 e janeiro de 2012, para viabilizar a contratação de dois navios-sondas pela Petrobras. A apresentação da denúncia, que, caso aceita pelo Supremo Tribunal Federal, o tornará réu no processo da Operação
Lava Jato, pode até acirrar os ânimos no Congresso nos próximos dias, mas tende a diminuir ainda mais o protagonismo do deputado peemedebista, em processo de isolamento desde que seu colega de partido e presidente do Senado, Renan Calheiros, negociou uma trégua com o governo.
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A INDIGNAÇÃO SELETIVA COSTUMA PRODUZIR VEXAMES PARA QUEM A EXERCE
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O Ministério Público Federal também apresentou denúncia contra o senador e ex-presidente Fernando Collor, do empresário Pedro Paulo Leoni Ramos. Segundo os procuradores, o grupo ligado ao ex-presidente recebeu 26 milhões de reais em propinas entre 2010 e 2014, oriundas de um esquema ilícito de autorizações para o uso da bandeira BR em postos de gasolina. Os investigadores da Lava Jato chegaram ao nome de Collor a partir de oito recibos de depósitos, no valor de 50 mil reais, encontrados durante as buscas no escritório do doleiro Alberto Youssef. O delator confirmou manter a contabilidade paralela de Ramos, e ele teria solicitado vários repasses de dinheiro ao ex-presidente, do qual foi ministro de Assuntos Estratégicos.
De acordo com o doleiro, um funcionário da Gazeta de Alagoas, jornal do qual Collor é sócio, chegou a ir duas ou três vezes em seu escritório para pegar entre 200 mil e300mil reais. Courrier das propinas, Rafael Angulo Lopez confirmou, em depoimento, que entregou 60 mil reais em dinheiro nas mãos de Collor, em um apartamento em São Paulo. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras identificou movimentações atípicas em contas do senador que totalizam798mil reais. Os carros de luxo apreendidos em sua residência em Brasília, entre eles uma Ferrari e uma Lamborghini, estavam registrados em nome de uma empresa de fachada do senador, a Agua Branca Participações.
Cunha foi igualmente arrastado para o escândalo por Youssef, em outubro de 2014.0 doleiro apresentou detalhes sobre contratos referentes à construção e aluguel de duas sondas de perfuração marítima para exploração de petróleo na África e no Golfo do México. Os acordos foram assinados em 2006 e 2007 no valor total de 1,2 bilhão de dólares. O negócio foi celebrado entre a empresa sul-coreana Samsung e a Petrobras, com participação da japonesa Mitsui A intermediação teria sido feita por Fernando Soares, vulgo Fernando Baiano, operador ligado à Diretoria Internacional da Petrobras, indicado pelo PMDB. Segundo a PGR, a propina foi oferecida, prometida e paga por Camargo, que defendia os interesses da Mitsui. Entre os destinatários finais, acusa Youssef, estão o presidente da Câmara e Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras.
Por causa dos contratos, a Samsung transferiu, em cinco parcelas pagas no exterior, 40,3 milhões de dólares para Camargo, informa a PGR. Em seguida, o lobista transferiu, a partir da conta de uma offshore sediada no Uruguai, parte desses valores para outras contas bancárias, também no exterior, indicadas por Baiano. Cunha é acusado de lavagem de dinheiro por ocultar e dissimular o recebimento dos valores no exterior.
Ainda segundo Youssef, em um dado momento, Camargo parou de receber a comissão da Samsung e interrompeu os repasses a Baiano. Cunha teria ficado irritado com a suspensão das propinas e passou a pressionar o executivo a partir de dois requerimentos naComissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, formulados pela então deputada Solange Almeida, em julho de 2011.
Os requerimentos solicitavam informações sobre o lobista, a Samsung e o Grupo Mitsui. Um foi dirigido ao Tribunal de Contas da União e outro ao Ministério de Minas e Energia. Cunha sempre negou estar por trás das solicitações. Uma perícia no setor de informática da Câmara comprovou, no entanto, que o autor das duas peças estava conectado no sistema como "Dep. Eduardo Cunha", utilizando a senha pessoal e intransferível do parlamentar. Somente depois, informa a Procuradoria, os requerimentos foram autenticados pelo gabinete da então deputada, que também acabou denunciada ao lado de Cunha.
Camargo confirmou toda a história em depoimento à Justiça em 16 de julho. Segundo ele, durante uma reunião com Cunha e Fernando Baiano, o presidente da Câmara disse ser "merecedor" de 5 milhões de dólares referentes ao contrato dos navios. A despeito de todas as evidências.
Davi Machado Evangelista, que cuida da defesa do parlamentar, declarou que acusação "é facilmente derrubável" por ser baseada "em um delator infiel, que mente".
Cunha, por sua vez, refutou qualquer possibilidade de se afastar do comando da Câmara.
Por ora, apenas um pequeno grupo de parlamentares, de diferentes partidos, prepara um manifesto em prol do afastamento do presidente da Câmara. O deputado Ivan Valente, do PSOL, antecipou que a bancada de seu partido pretende apresentar uma representação no Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar, o que pode levar à cassação do mandato. Só aguarda o STF acolher a denúncia da PGR, o que transformaria Cunha em réu da Lava Jato. Na quinta-feira 20, ele voltou a cobrar a convocação do peemedebista na CPI da Petrobras, além de defender as convocações de Camargo e Solange Almeida. Mas todas as solicitações acabaram descartadas pela maioria dos colegas na comissão.
"No início dos trabalhos. Cunha se apresentou voluntariamente. Agora que temos elementos para interrogá-lo, ele se esconde atrás de sua tropa de choque", lamenta Valente. "Será difícil romper o cerco. O PT permanece acuado, de olho na governabilidade e com medo de sofrer novas retaliações. E o PSDB, de forma irresponsável, articula-se nos bastidores para dar sustentação a Cunha, um aliado de conveniência.
Quando a denúncia vier a público, imagino ser difícil manter tal postura." O Planalto tende a celebrar em silêncio a desgraça do adversário. O governo ainda não possui maioria na Câmara e qualquer ação mais ostensiva só daria mais munição a Cunha, que posa como vítima de um complô do Executivo com o procurador-geral Rodrigo Janot. Além de controlar a bancada do PMDB, o presidente da Câmara conta com o apoio silencioso do chamado baixo clero e de partidos da oposição, à frente PSDB e DEM, que o enxergam como principal fiador de um processo de impeachment contra Dilma. No Parlamento mais conservador desde o fim da ditadura, ele também conquistou a confiança da chamada "bancada BBB", do Boi, da Bala e da Bíblia, ao patrocinar projetos como a Estatuto da Família, a PEC que altera as regras para a demarcação de terras indígenas, e garantir a aprovação da redução da maioridade penal.
"Resta saber até quando ele conseguirá manter essa lealdade. Ninguém em sã consciência continua abraçado a um corpo em chamas", observa o cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas. "Cunha foi excessivamente autoconfiante e arrogante ao transformar a pauta da Câmara em instrumento de defesa e vingança pessoal. Com essa 'pauta-bomba' que compromete as finanças públicas, ele sinalizou aos agentes econômicos ser o principal fator de risco e instabilidade, e não uma solução para a dupla crise, política e econômica. Isso só contribui para o seu isolamento, além de abrir espaço para o presidente do Senado, também investigado na Lava Jato, emergir como o grande conciliador do momento, capaz de acabar com a turbulência."
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COLLOR TAMBÉM NÃO ESCAPOU DAS GARRAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
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Calheiros manteve a promessa de dar suporte ao governo e servir de anteparo à agenda de Cunha. Na quarta-feira 19, assegurou a aprovação do projeto que reduz as desonerações nas folhas de pagamento, parte do ajuste fiscal. No dia anterior, resistiu à pressão dos servidores do Judiciário e adiou novamente uma sessão do Congresso para avaliar o veto de Dilma ao reajuste de 78% concedido à categoria. Pelos cálculos do Ministério do Planejamento, a medida teria um impacto de 25 bilhões de reais em quatro anos. Sua "Agenda Brasil" está longe de ser consensual. "E a voz dos lobistas do plenário", critica o senador Roberto Requião, colega de partido. Mas a iniciativa ao menos abriu caminho para a retomada do diálogo.
Em uma "Carta à Nação", divulgada na quinta-feira 20, a Ordem dos Advogados do Brasil, a CNI, a Confederação Nacional do Transporte e o Conselho Nacional de Saúde apresentaram propostas para a superação da crise. "Independentemente de posições partidárias, a nação não pode parar nem ter sua população e seu setor produtivo penalizados por disputas ou por dificuldades de condução de um processo político que recoloque o País no caminho do crescimento", diz o texto. "E preciso que as forças políticas, de diversos matizes, trabalhem para a correção de rumos da nação. E uma tarefa que se inicia pelo Executivo, a quem cabe o maior papel nessa ação, mas exige o forte envolvimento do Congresso, do Judiciário e de toda a sociedade."
Para o petista José Guimarães, líder do governo na Câmara, é um sinal de que a sociedade está cansada do clima de instabilidade permanente. "Iniciase um novo ciclo marcado pelo diálogo, que a presidenta Dilma empreende com o Congresso, com os movimentos sociais e com o setor produtivo", diz. "As rodadas de conversas sinalizam que ninguém quer mais esse clima beligerante. Ninguém quer crise institucional, muito menos saídas golpistas."
Mesmo com minoria na Câmara, o governo tem conseguido minimizar o impacto das propostas patrocinadas por Cunha que geram aumento das despesas públicas. Na terça-feira 18, conseguiu costurar um acordo para que a mudança na correção do FGTS ocorra de forma escalonada até 2019, quando deve se igualar àquela da caderneta de poupança, além de reservar 60% do lucro anual do fundo para oferecer descontos aos mutuários do Programa Minha Casa Minha Vida. A proposta original previa alterar a remuneração do FGTS a partir de o de janeiro de 2016. Mais um sinal do enfraquecimento de Cunha, encaixotado pela Lava Jato.


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