Um exame de sangue que
consegue detectar o câncer em estágio inicial está mais perto de se tornar
realidade e reduzir a mortalidade da doença
Todo ano, 14 milhões de
pessoas são diagnosticadas com câncer no mundo. E este número tende a
aumentar proporcionalmente com o crescimento da expectativa de vida.
Infelizmente, a maioria destes novos diagnósticos se refere a tumores que já
são invasivos, ou seja, formas mais avançadas de câncer, e que
provavelmente vão exigir combinação de tratamentos cirúrgicos, radioterápicos e
a temida quimioterapia.
Não resta a menor dúvida que a
medicina já mostrou o quanto progrediu no tratamento do câncer nas
últimas décadas. A taxa de cura, mesmo de tumores muito avançados, melhorou
significativamente. Nos casos em que a cura ainda é uma meta
inatingível, o tempo de sobrevida dos pacientes aumentou de forma
importante, com ganho de qualidade de vida.
Em certos tipos de câncer que
seriam fatais em pouco tempo, os avanços médicos permitiram que a doença fique
estabilizada em um patamar confortável para o paciente por um período
indeterminado. E compramos tempo para que novas medicações sejam descoberta e
que estes paciente possam ter chance real de cura em um prazo razoável.
Todavia, nenhum de nós se
ilude que o câncer avançado segue sendo um desafio muito grande e que os
tratamentos disponíveis ainda estão longe do que chamaríamos de ideal.
Detecção precoce
Nesta semana, a prestigiosa
revista Science Translational Research apresentou resultados
que podem significar a maior revolução na luta contra o câncer nas
últimas décadas.
O conceito é simples: já que
os avanços no tratamento do câncer avançado são lentos e limitados pelas
próprias características da célula cancerosa, porque não nos esforçamos para
tentar detectar estas células enquanto o tumor se encontra em um
estágio inicial?
Não seria um tipo
de prevenção, como não fumar, por exemplo, mas seria algo muito parecido,
na medida que cânceres iniciais são curáveis com medidas muito simples. O
reflexo no custo da oncologia e na redução de mortes por câncer seria
substancial se essa meta pudesse ser atingida.
O novo estudo
O que o grupo de Viktor
Velculescu, da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, conseguiu foi
materializar uma ideia que começou a ser elaborada há meio século, a de que
fragmentos de DNA de células que estão morrendo circulam no sangue. Precisamos
de mais algumas décadas para desenvolvermos tecnologias sensíveis o bastante
para provarmos que células cancerosas também liberam DNA no sangue, e que este
DNA tem características diferentes do DNA de uma célula normal.
O grupo da Johns Hopkins
desenvolveu uma tecnologia capaz de analisar anormalidades em pouco mais
de 50 genes que estão fortemente correlacionadas ao câncer a partir de
quantidades ínfimas de DNA no sangue. Um grupo de pacientes que não tinha
nenhum sintoma e que teve diagnóstico de câncer muito inicial, descoberto por
acaso em exames de rotina teve amostras de sangue analisadas. Em 60% a 70 %
deles (dependendo do tipo de câncer) os autores do trabalho identificaram
defeitos nos genes analisados.
Quando esses cientistas
procuraram defeitos no DNA do sangue de indivíduos que não tinham nenhuma
evidência de câncer, nenhuma amostra apresentava mutação. Segundo um dos
autores do estudo, o oncologista brasileiro Alessandro Leal, este estudo já
começou a ser expandido em uma grande população de indivíduos em um país
europeu.
Se, de fato, formos capazes de
descobrirmos 70% dos cânceres mais comuns em estágio inicial, teríamos
uma redução proporcional na mortalidade causada por estes cânceres,
não mencionando o quanto pouparíamos
em sofrimento e custo associado aos tratamentos destinados
aos tumores avançados.
Nenhuma descoberta isolada até
hoje teria conseguido tal redução em mortalidade nos tipos mais comuns de
câncer. Outra vantagem deste método, pela sua simplicidade, seria o seu
potencial para uso em massa, com impacto evidente em programas de saúde pública.
Obstáculos a serem vencidos
Mas, é claro, ainda há
muitos obstáculos a serem vencidos. Falta aprimorar ferramentas genéticas
que permitam saber que tipo de câncer foi identificado pelo estudo do DNA:
pulmão, ovário, mama ?
Quando este método começar a
ser utilizado na população geral, quantos casos com teste positivo efetivamente
o câncer em questão evoluiria para um câncer invasivo ? Qual seria a
periodicidade destes testes ?
É por isso que este é um passo
inicial, apesar de fundamental. Apenas estudos com grandes populações e com
seguimentos de muitos anos poderão afirmar com certeza se esta ferramenta teria
um uso tão promissor para todas as pessoas, ou se seria indicado apenas para um
grupo de alto risco (pacientes com história familiar de um certo tipo de câncer
por exemplo).
Brasil em desvantagem
A má notícia para nós,
brasileiros, é que provavelmente seremos apenas consumidores de um produto
final que tem agregado uma quantidade enorme de conhecimento. A descoberta do
DNA circulante no sangue e como podemos nos aproveitar disto é apenas uma das
revoluções que a área da genética promete para a espécie humana nas próximas
décadas.
A cada desenvolvimento
tecnológico que se soma nesta estrada e que nós ficamos alheios por falta de
recursos e por dificuldade de formação de mão de obra muito qualificada, mais
distantes ficaremos dos novos desdobramentos que surgirão. Até que ficaremos
irrelevantes.
Não se trata apenas de
irrelevância econômica, mas sim de irrelevância estratégica. Os países que dominarem
esta tecnologia estarão em um patamar historicamente inalcançável para os
outros, e, aí sim, teremos um problema gravíssimo para resolver.
Sou sempre otimista, e acho
que criaremos soluções para estas questões durante a caminhada.
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