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sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

ANVISA E SHIRE SÃO ALVO AÇÃO JUDICIAL MOVIDA PELA PANAMERICAN MEDICAL NA 9a. VARA FEDERAL CÍVEL, ATRAVÉS DO PROCESSO 1001068-21.2019.4.01.3400, ROSANGELA WOLFF MORO É ADVOGADA DO PROCESSO


Empresa acusa Anvisa de vazar documento sigiloso à farmacêutica Shire

A empresa Panamerican Medical Supply, com sede em Jundiaí (SP), acusa a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de vazar documento sigiloso à farmacêutica irlandesa Shire. Segundo a ação que tramita na  9ª Vara Cível do Distrito Federal, os papéis com dados do medicamento Hunterase foram entregues de forma extraoficial.

O produto é concorrente de droga fabricada pela Shire, o Elaprase, no mercado milionário para tratamento de doenças raras. As advogadas Rosangela Wolff Moro, esposa do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e Natasha Ghassan Abdou representam a Panamerican.

A empresa afirma que o documento supostamente vazado é o “Parecer Técnico Integral” que embasou a decisão da Anvisa de negar o registro do Hunterase em 2016. A droga é fabricada pela farmacêutica coreana Green Cross, representada no Brasil pela autora da ação.

Segundo a Panamerican, o parecer não poderia ser divulgado por conter dados sensíveis sobre o desenvolvimento do produto, como metodologia de estudos clínicos e não clínicos, número de pacientes analisados, entre outros. “Portanto, na Anvisa foi depositado o segredo industrial do produto biológico novo Hunterase, sua composição completa (formulação), tal como determina a RDC nº 55/2010”, afirma.

A empresa diz que só percebeu o caso quando a concorrente apresentou os papéis da Anvisa em uma ação judicial. A Panamerican afirma que neste processo a Shire usou dados “em proveito próprio para seus interesses comerciais e para denegrir o produto da Autora [da ação]”.

Na ação, a Panamerican pede que a Justiça reconheça os seguintes atos ilícitos supostamente cometidos:

·         Em relação à Anvisa:
1) divulgar para a concorrente da autora documento sobre o qual tinha o dever de sigilo; e
2) divulgá-lo por meios fraudulentos e extraoficiais, violando leis sobre propriedade industrial e regras da própria Anvisa.

·         Em relação à Shire:
1) ter acesso a documento sigiloso;
2) obtê-lo por meios fraudulentos e extraoficiais;
3) utilizar o documento que sabia ser sigiloso em processo em que litiga com terceiros;
4) possibilitar que documento sigiloso tenha permanecido em processo de trâmite eletrônico e acesso público; e
5) dar ciência do documento sigiloso para empresa com quem litigava naqueles autos, configurando, desta maneira, ato de concorrência desleal.

A autora da ação ainda pede que a Justiça elabore “certidão explicativa do ajuizamento desta demanda” para tradução e envio aos Estados Unidos, “aonde serão adotadas outras medidas”, além de envio de ofício ao Ministério Público Federal sobre o caso. O valor oferecido à causa é de R$ 100 mil.

A Anvisa e a Shire disseram ao JOTA que o envio das informações ocorreu dentro da legalidade. Leia no final deste texto as íntegras das manifestações das acusadas na ação.

Suposto vazamento

Ao indeferir o registro do Hunterase, assim como de outras drogas, a Anvisa publicou em seu site um “Parecer Público de Avaliação de Medicamento (PPAM)”. A agência também produziu um documento mais extenso, com informações sigilosas dos produtos, que deve ser compartilhado apenas com o interessado direto no processo, segundo argumenta a Panamerican.

Segundo a Anvisa, não havia informações com sigilo industrial ou que ferissem a Lei de Acesso à Informação entre os papéis entregues à Shire.

A Panamerican pediu a retirada do documento que havia sido usado em processo público, medida aceita pela Justiça no final de junho de 2018. Ao ser questionada em juízo, a Shire argumentou que obteve o documento supostamente sigiloso “de forma transparente e oficial” e “em atendimento a pedido de informação formulado pela SHIRE no Sistema Eletrônico de Serviço de Informação ao Cidadão (eSIC)”.

A Panamerican contesta esta versão. Para a empresa, o pedido citado por sua concorrente foi feito “no dia imediatamente seguinte ao da publicação do indeferimento do registro do Hunterase” no Diário Oficial da União. Ainda segundo a autora da ação, a resposta da Anvisa ao pedido da Shire foi dada quando o parecer público sobre o indeferimento “sequer havia sido publicado”.

A empresa que tentou o registro do Hunterase afirma que pediu à Anvisa o parecer com informações sigilosas apenas após descobrir que a Shire tinha em mãos este documento. Segundo a Panamerican, a agência negou três pedidos feitos com base na Lei de Acesso à Informação.

“Como visto, a Anvisa não forneceu o Parecer Integral nem mesmo para a Autora requerente do registro e, portanto, interessada direta, mas o forneceu para Shire.”

A Anvisa só teria liberado os documentos após afirmar, em mandado de segurança, que houve erro administrativo da agência. Ainda assim, diz a ação, o processo foi recebido incompleto e com diferenças sobre os papéis que estavam com a concorrente. “O Parecer Técnico Integral em posse da Shire não possui páginas numeradas pela Anvisa, ao contrário do parecer entregue à Autora”, diz a Panamerican. “Portanto, forçoso concluir que a Anvisa o forneceu para a Shire por meios extraoficiais.”

Disputa milionária

A Panamerican e a Shire disputam o mercado para tratamento de pacientes com a doença rara mucopolissacaridose tipo II (MPS-II), conhecida como Síndrome de Hunter.

Mesmo sem o registro do Hunterase pela Anvisa, o medicamento tem sido comprado pelo governo para atender pacientes que conseguem na Justiça o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de casos em que médicos prescrevem ao paciente o Hunterase ou deixam em aberto a escolha entre o medicamento coreano e o da Shire.

Quando há prescrição dupla, a decisão pode ocorrer em disputa de preços. “Hunterase já concorreu com o Elaprase em 11 (onze) oportunidades e em todas as ocasiões venceu a concorrência”, registra a ação.

Em 2018, o tratamento por decisão da Justiça com o Elaprase custou R$ 115 milhões. Já os empenhos para compra de Hunterase, da Green Cross, somam cerca de R$ 15 milhões, segundo dados do Portal da Transparência.

O registro do Hunterase no Brasil foi indeferido pela Anvisa em 2016. O atual diretor-presidente da agência, William Dib, chegou a negar recurso da empresa. A droga está regularizada no país de origem, Coréia do Sul, desde 2012, além de Argélia, Rússia e Cazaquistão. Já o Elaprase, da Shire, tem registro nos principais mercados do mundo, como Estados Unidos e Europa. No Brasil, a Anvisa aceitou o registro deste medicamento em 2008.

Outro lado

Em nota, a Shire afirma que não foi citada e por isso desconhece os termos da ação. Disse também que os documentos “foram obtidos de forma absolutamente lícita e transparente” e que a acusação “não merece prosperar”. Abaixo, a íntegra da manifestação:

“A Shire, empresa comprometida com os mais elevados padrões éticos e morais, informa que ainda não foi citada dos termos da ação número 1001068-21.2019.4.01.3400, que tramita na 9ª Vara Federal Cível da SJDF, desconhecendo, portanto, seu inteiro teor. Não obstante, a empresa reafirma o quanto já informado e comprovado anteriormente à PANAMERICAN MEDICAL SUPPLY SUPRIMENTOS MÉDICOS LTDA, no sentido de que os mencionados documentos foram obtidos de forma absolutamente lícita e transparente, por meio de requerimento oficial formulado à ANVISA. A suposta acusação em relação à Shire não merece prosperar, conforme será demonstrado oportunamente na referida ação judicial. Colocamos-nos ao inteiro dispor para quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários.”

A Anvisa disse que o pedido de Shire para obter o documento “ocorreu de forma legal e transparente”. Também afirma que não foi citada na ação. Abaixo, a íntegra da nota enviada ao JOTA:

“Com relação ao referido assunto, temos inicialmente a esclarecer que o processo de análise de registro do produto Hunterase, da Panamerican Digital, tramitou de forma regular na Anvisa. Da mesma maneira, o pedido de solicitação de informação pela Empresa Shire ocorreu de forma legal e transparente, com o pedido tendo sido feito via e-sic, meio oficial para solicitação de tal tipo de informação. Por fim informamos que a Anvisa ainda não foi citada no processo judicial, razão pela qual não temos ciência do que é requerido na Ação.”

Processo 1001068-21.2019.4.01.3400



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