Estavam em falta nos estoques
públicos de todo o País ao menos 25 dos mais de 130 medicamentos do Componente
Especializado da Assistência Farmacêutica (Ceaf)
Entre os meses de março e
maio, 2 milhões de brasileiros que dependem de medicamentos de alto custo
fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) viveram o drama de não os
encontrar nos postos de distribuição. Estavam em falta nos estoques públicos de
todo o País ao menos 25 dos mais de 130 medicamentos do Componente
Especializado da Assistência Farmacêutica (Ceaf).
O Ceaf é um dos componentes da
oferta de medicamentos pelo SUS e envolve aqueles de custo mais elevado
comprados diretamente pelo Ministério da Saúde ou pelas secretarias estaduais
de saúde com recursos federais. Compete a tais secretarias o
armazenamento,distribuição e dispensação desses medicamentos.
CAMINHO DE RESOLUÇÃO
Para resolver o problema, o
ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, anunciou, em maio, mudanças no
sistema de compra dos medicamentos, com a adoção de contratos anuais em vez de
trimestrais, como se fazia até então. Além disso, o Ministério da Saúde buscou
autorização do Tribunal de Contas da União (TCU) para estabelecer contratos de
cinco anos para a compra de medicamentos de uso contínuo.
Em diferentes entrevistas,
Mandetta assegurou que o problema estaria resolvido em até 30 dias.
Questionado pelo O
SÃO PAULO na última semana sobre quais medidas haviam sido
adotadas e o que justificava a mudança nos contratos, o Ministério da Saúde,
por meio de sua assessoria de imprensa, optou por encaminhar como resposta uma
notícia publicada no seu site em 17 de maio. “Os fármacos estão sendo enviados,
ao longo deste mês [maio], para as secretarias estaduais de saúde que, por sua
vez, distribuem aos municípios para abastecimento de toda a rede de saúde
pública”, consta em um dos trechos.
Também de acordo com a
publicação, “ações propositivas vêm sendo implementadas para ordenar o
planejamento das aquisições e otimizar os fluxos processuais. Entre essas ações
está a ampliação dos processos licitatórios de compra para abastecimento de, no
mínimo, um ano, o que proporcionará maior condição de previsibilidade dos
estoques atendendo à Lei de Licitações 8.666/93. Antes, muitos processos foram
feitos para abastecimento de um período muito curto de tempo, como três a
quatro meses. No último mês, medidas emergenciais também foram adotadas para
garantir o abastecimento imediato, como remanejamento de estoques e antecipação
da entrega de medicamentos por laboratórios com contratos vigentes”.
‘O PROCESSO AINDA ESTÁ FALHO’
Eduardo Gonçalves Corrêa faz
tratamento contra hepatite B. Ele foi um dos afetados pela falta de
medicamentos. À reportagem, o morador de Porto Alegre (RS) falou sobre as
dificuldades em obter os remédios de que necessita. “O governo substituiu o
medicamento entecavir por tenofovir [usados no tratamento da hepatite B], mas essa
modificação gera uma porção de ajustes na vida dos pacientes. Há pessoas
sofrendo com efeitos colaterais, pessoas que tinham problemas renais e que
estão usando medicamento que não é indicado”, comentou.
Corrêa disse, ainda, que os
trâmites para obter os medicamentos de alto custo impedem que ele tenha acesso
ao que precisa, mesmo com a distribuição já normalizada.
“Estou há mais de dois meses
sem o tenofovir, não porque agora esteja em falta, mas porque o atraso gerou
uma cadeia de problemas. Primeiro, eu preciso fazer uma consulta com um médico
para conseguir os exames, e somente após os exames posso solicitar novamente o
medicamento na farmácia pública. Esse processo é repetido a cada seis meses. No
meu caso, essa revisão semestral teria de ser feita em abril, mas como não
havia o medicamento, não tive como fazê-la e não pude obtê-lo. Pode ter sido
normalizada a entrega, mas o problema não foi resolvido, o processo ainda está
falho”, detalhou, contando, ainda, que nesse período desembolsou R$ 1.500,00
para comprar o medicamento.
FALTAM MEDICAMENTOS
De acordo com a farmacêutica
Débora Melecchi, diretora de organização sindical da Federação Nacional dos
Fármacos (Fenafar), embora já tenha sido regularizada a distribuição dos
medicamentos de alto custo comprados pelo Ministério da Saúde, ainda há relatos
de problemas. “Quando houve a crise maior, o Ministério da Saúde tinha se
comprometido sanar o problema em até 30 dias, mas eu tenho conhecimento de que
isso ainda não foi resolvido na sua totalidade”, afirmou à reportagem, dizendo
terciência da falta de ao menos dois medicamentos: o entecavir e a talidomida.
Débora também detalhou o
quanto o atraso no acesso ao medicamento é danoso ao paciente: “Cada caso é um
caso, cada recuperação varia, mas não há como ajustar mais a dosagem de um
medicamento para compensar o período que o paciente ficou sem ele. A falta do
medicamento agrava as doenças de forma muito brusca, como para os casos de
pacientes com HIV/Aids. Um dia sem medicamento significa um retrocesso por
demais e leva ao agravamento da doença”, afirmou, explicando, ainda, que a
maioria dos tratamentos é feita com o uso conjunto de medicamentos. “Eles são
distintos, mas precisam ser administrados simultaneamente para que se alcance o
resultado esperado para minimizar os sintomas ou até curar uma doença”,
detalhou.
O QUE FAZER QUANDO O REMÉDIO
FALTAR?
Após idas e vindas aos postos
dedistribuição à procura dos medicamentos de alto custo, muitas pessoas que têm
o direito de recebê-los pelo SUS optam por acionar a Justiça. Apenas em 2018, a
União gastou R$ 1,4 bilhão com medicamentos e tratamentos por determinação
judicial.
Antes da judicialização do
problema, porém, é possível tentar uma mediação para resolvê-lo. Em São Paulo,
uma parceria entre o Governo Estadual, a Prefeitura da Capital, o Tribunal de
Justiça de São Paulo, o Ministério Público e a Defensoria Pública encaminha as
demandas da falta de medicamentos ao Acessa SUS.
Para acessar o serviço na
Capital Paulista, o cidadão deve ir ao AME Maria Zélia (rua Jequitinhonha, 368
– Belenzinho), em dias úteis, das 8hàs 17h. A resposta é dada em até 30 dias e,
para casos urgentes, em até 72 horas.
De acordo com a defensora
pública Aline Rodrigues Penha, quem ganha até três salários mínimos (se idoso
ou pessoa com deficiência, até quatro salários mínimos) pode procurar a
Defensoria Pública do Estado de São Paulo (www.defensoria.sp.
def.br) para tentar a mediação da questão. É preciso ter em mãos documentos
pessoais e de comprovação derenda familiar, e o laudo médico sobre a
necessidade da medicação.
Inicialmente, a Defensoria
orientará a pessoa sobre como proceder no Acessa SUS. “Caso a resposta ao
pedido de medicamento seja negativa, a pessoa volta para a Defensoria e
verificamos o que houve. É importante que ela tenha um laudo médico dizendo que
precisa do medicamento ou um laudo mostrando que a alternativa terapêutica
oferecida pelo SUS não serve para a pessoa. Então, fazemos o pedido
justificando a pertinência do medicamento do ponto de vista médico com os
laudos que a pessoa apresenta e pede-se a tutela antecipada, para que o juiz mande
fornecer o medicamento antes do fim do processo. Com frequência, aqui na
Defensoria, nós ganhamos, pois não costumamos pedir medicamentos muito caros
nem tratamentos experimentais”, detalhou Aline à reportagem.
(Com informações de O Globo,
Jota, Defensoria Pública, Ministério da Saúde, Agência Brasil e G1)
0 comentários:
Postar um comentário