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sábado, 5 de maio de 2018

Projeto de Lei do Agrotóxico abre crise no governo - agrotóxico ou produto fitossanitário


Uma nova proposta de projeto de lei que flexibiliza as regras para fiscalização e utilização de agrotóxicos no País abriu uma crise dentro do governo, colocando o Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Ibama em rota de colisão com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), além da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA).

A movimentação se intensificou devido à leitura do texto relatado pelo deputado Luiz Nishimori (PR/PR), em audiência marcada para a próxima terça-feira, 8, na Comissão Especial da Câmara que analisa o PL. De um lado, Ibama e Anvisa declaram que a proposta é inconstitucional e cercada de falhas que prejudicariam a fiscalização, ameaçando a vida das pessoas. Do outro, o Mapa e a FPA afirmam que o tema é tratado com “preconceito e ideologia” e que  precisa ser modernizado
O texto substitutivo, que foi juntado ao projeto de Lei 6.299/2002, de autoria do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, propõe mudanças profundas no setor, a começar pelo próprio nome com que esses produtos são chamados.

Pela proposta, o termo “agrotóxico” deixaria de existir. Entraria em seu lugar a expressão “produto fitossanitário”. A responsabilidade por conceder registros de novos agrotóxicos também mudaria de mãos. Hoje Ibama, Ministério da Saúde e Ministério da Agricultura tomam decisões de forma conjunta. Com a mudança, o Ministério da Agricultura concentraria todo o poder decisório.

O Ibama e o Ministério da Saúde teriam apenas a função de homologar pareceres técnicos, mas essas avaliações não seriam elaboradas por esses órgãos públicos. Caberia às próprias empresas interessadas em vender os agrotóxicos a missão de apresentar essas avaliações.

O texto também acaba com os atuais critérios de proibição de registro de agrotóxicos no País. Segundo o Ibama e a Anvisa, a proposta deixa brechas para que sejam vendidos no mercado nacional produtos já banidos em boa parte do mundo, causadores de distúrbios hormonais e danos ao sistema reprodutivo.

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Inconstitucional. O Estado obteve uma nota técnica do Ibama sobre o substitutivo ao projeto de lei. O documento foi concluído na semana passada. O órgão se posiciona radicalmente contra o PL, sob a justificativa de que “são propostas excessivas simplificações ao registro de agrotóxicos, sob a justificativa de que o sistema atual está ultrapassado e de que não estão sendo atendidas as necessidades do setor agrícola”.

Na avaliação do Ibama, trata-se de mudanças “inviáveis ou desprovidas de adequada fundamentação técnica e, até mesmo, que contrariam determinação constitucional”.

A conclusão do órgão ligado ao MMA é de que as propostas “reduzirão o controle desses produtos pelo poder público, especialmente por parte dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde e do meio ambiente”.

“O registro dos agrotóxicos, com participação efetiva dos setores de saúde e meio ambiente, é o procedimento básico e inicial de controle a ser exercido pelo poder público e sua manutenção e aperfeiçoamento se justificam na medida em que seja, primordialmente, um procedimento que previna a ocorrência de efeitos danosos ao ser humano, aos animais e ao meio ambiente”, informa a nota técnica. Procurado pela reportagem, o Ibama não quis comentar a análise.

Retrocesso. Presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Jarbas Barbosa afirma que a proposta em tramitação do Congresso representaria um retrocesso para o País. “O projeto muda para pior as regras de registro de agrotóxicos”, avalia.

As críticas também são feitas entre especialistas em saúde pública. A pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz de Pernambuco Aline Gurgel considera a mudança nas regras de registro de agrotóxicos um atraso que pode colocar em risco tanto a saúde da população quanto o meio ambiente. “A regra atual é moderna, equilibrada, pois dá um poder equivalente ao Ministério da Agricultura, à Anvisa e ao Ibama. É inaceitável que Anvisa e Ibama, que hoje têm poder de veto, passem a exercer apenas um mero papel consultivo”, completa a pesquisadora.

As críticas de Aline à proposta vão além da restrição do poder de veto da Anvisa e Ibama. A começar da sugestão de tratar agrotóxicos por defensivos fitossanitários. “Isso provocaria a ocultação do risco. O agrotóxico tem toxicidade. E isso precisa ficar claro para população. O termo precisa ser mantido.”

A pesquisadora é contrária também à regra que facilitaria o registro provisório de agrotóxicos. “Feitos para algumas moléculas, esses registros baseiam-se em informações que constam em processos de registro do produto em outros países, sem que haja a devida análise dos órgãos ambientais e de saúde.”

Aline rebate ainda a justificativa apresentada pelo projeto, de que regras atuais acabam levando a um processo moroso de avaliação de aprovação de novos agrotóxicos para culturas brasileiras. “A análise não pode ser simplista, movida por motivos econômicos. Estamos falando de saúde, de preservação do meio ambiente.”

Ideologia e preconceito. O Ministério da Agricultura reagiu duramente às críticas. Em resposta encaminhada ao ‘Estado’, o Mapa afirmou que, dos órgãos envolvidos na regulação de agrotóxicos no Brasil, é a Pasta, por meio da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA), que de fato executa as fiscalizações federais de agrotóxicos. “São feitas mais de 1.500 ações fiscais no Brasil por ano, com atingimento de mais de 99,9% de conformidade nos produtos fiscalizados”, declarou. “Portanto, fiscalização é uma atividade realizada eminentemente pelos órgãos de agricultura no Brasil, considerando a área de agrotóxicos.”

Sobre o texto do projeto de lei e o relatório final do deputado Luiz Nishimori, o Mapa afirmou que a proposta “congrega uma série histórica de diversas demandas negligenciadas pelos órgãos federais nos últimos 20 anos”. A Pasta admitiu que “alguns pontos devem ser discutidos em função de seu contexto e origem”, mas sustenta que o relatório representa “uma iniciativa do legislativo de ajustar o marco legal e permitir a modernização da legislação nacional”.

A respeito do termo “agrotóxico”, o ministério declarou que se trata de um “neologismo brasileiro, único no planeta” e que este “reflete a intenção do legislador de comunicar o risco para produtos que possuem, naturalmente, um perigo intrínseco”. Quanto à acusação do Ibama e Anvisa de que estes perderiam funções de fiscalizar o setor, o Mapa declarou que, “no que tange ao registro e às prioridades para produtos que serão usados fundamentalmente para controle de pragas nas lavouras brasileiras, é missão indissociável do órgão federal de agricultura”.

Questionado sobre o risco de entrada de substâncias proibidas no País, o Mapa afirmou que o “alinhamento da legislação é fundamental para trazer serenidade na regulação de agrotóxicos no Brasil, diminuindo ruídos ideológicos e baseando a regulação unicamente em ciência”.

“O Mapa repudia ideias de exclusão dos entes de saúde e meio ambiente do meio regulatório, mas entende que é necessário incrementar com recursos o corpo técnico, as ferramentas de informática e os conceitos pétreos científicos para que mantenhamos a excelência e o reconhecimento internacional de produção agropecuária”, conclui o Ministério.

O relator do texto substitutivo, deputado Luiz Nishimori, respondeu por meio da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA). Em nota, a  frente esclareceu que, apesar do texto ser apensado ao PL de autoria de Blairo Maggi, a proposta base foi criada a partir do PL 3200/15, de autoria do deputado Covatti Filho (PP-RS).

Segundo a FPA, a atual avaliação de risco do agrotóxicos é “restritiva porque não leva em consideração que, sempre que usados em respeito às boas práticas agrícolas, os defensivos não oferecem riscos à saúde do agricultor, dos animais, das plantas, dos consumidores ou ao meio ambiente”.

A frente ruralista afirmou que “todos os parâmetros internacionais de avaliação de riscos aceitáveis para a saúde humana, animal e para o meio ambiente estão mantidos” e criticou a demora na emissão de registros de produtos.

“Hoje, demora-se de 8 a 10 anos para aprovar o registro de um novo produto. Muitas vezes, quando o produto é autorizado, já está defasado. Em países como EUA e Austrália, por exemplo, o prazo médio de registro é de três anos. A demora no registro de novos defensivos agrícolas no Brasil é um dos principais gargalos da legislação”, declarou.

Ideia antiga. A proposta de afrouxar as regras para agrotóxicos no País não é nova. No ano passado, o governo preparou uma Medida Provisória que facilitava o registro de agrotóxicos no País. Redigido pelo Ministério da Agricultura com a colaboração do setor produtivo, o texto criava uma brecha para o uso de defensivos que atualmente são classificados como cancerígenos, com risco de provocar má-formação nos fetos ou capacidade de provocar mutações celulares. Pelas regras atuais, qualquer produto que se encaixe nessas características é proibido de ser lançado no Brasil. No texto proposto na MP, esses empecilhos cairiam por terra. Bastaria que algumas condições fossem atendidas para reduzir os riscos desses efeitos.

Risco. A proposta em tramitação no Congresso para mudar as normas de registro de agrotóxicos colocaria em risco a saúde dos trabalhadores do campo, reduziria a segurança dos brasileiros em geral e, ainda, poderia provocar danos para a imagem de produtos brasileiros no mercado externo, afirma o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Jarbas Barbosa. “Seria muito prejudicial. Torço para não ser aprovada.”

Em entrevista ao Estado, Barbosa afirma que seria um erro retirar a Anvisa e o Ibama da análise dos pedidos de registro de agrotóxicos, como propõe o projeto. A atribuição ficaria a cargo do Ministério da Agricultura. “Mas quem vai fazer a avaliação do impacto à saúde ou ao meio ambiente? O Ministério da Agricultura não tem experiência acumulada para fazer avaliação toxicológica. Seria um retrocesso imenso.” Teoricamente, Ibama e Anvisa atuariam numa comissão criada para fazer a avaliação, mas sem poder de veto. “O Brasil vai passar a dar registro só levando em conta as necessidades da indústria agrícola?”, questiona.

Para o setor produtivo, o sistema atual é muito burocrático e lento, o que acabaria reduzindo as chances de entrada no mercado de novos produtos, mais baratos, eficientes e portanto essenciais para tornar a produção brasileira mais competitiva no mercado internacional

O presidente da Anvisa, no entanto, tem uma avaliação diferente. Ele alerta que uma mudança de regras tem impacto negativo também no mercado externo. “A ideia será a de que o País abriu mão de uma regulação mais séria”, ponderou. O impacto no mercado interno também seria significativo

André Borges e Lígia Formenti, O Estado de S.Paulo


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