Descoberto nas fezes de uma
criança acometida por gastroenterite, o vírus já foi sequenciado. Mas o estudo
não permite concluir que tenha sido trazido da China para o Brasil nem que seja
o agente causador da doença (foto: Wikipedia)
José Tadeu Arantes
| Agência FAPESP – Um vírus que infecta o verme Ascaris
suum no intestino de porcos na China foi encontrado no Brasil. O vírus
foi descoberto nas fezes de uma criança acometida de gastroenterite e descrito
por pesquisadores de várias instituições brasileiras e dos Estados Unidos.
Artigo a respeito foi publicado na revista Virus Genes.
O trabalho não permite
concluir que o vírus em questão – denominado WLPRV/human/BRA/TO-34/201 – tenha
sido trazido da China para o Brasil por alguém que comeu carne de porco
infectada. Ou que esse vírus tenha sido o causador da gastroenterite.
“Analisamos amostra de fezes
de uma criança com diarreia cujo agente patogênico não tinha sido identificado
e descobrimos um vírus que só havia sido sequenciado anteriormente uma única
vez, na China. Porém é muito cedo para afirmar que o vírus tenha sido trazido
da China para o Brasil. Como ele acabou de ser descrito por nós, pode ser – e é
bem provável – que, com o tempo, seja encontrado também em outros lugares. E
que isso permita estabelecer uma sequência da propagação. Mas, por enquanto,
não sabemos se o vírus veio da China. Tudo o que temos são duas sequências
genômicas semelhantes”, disse à Agência FAPESP a coordenadora
do estudo, Ester Cerdeira Sabino, diretora do Instituto de
Medicina Tropical de São Paulo (IMT) e professora no Departamento de Moléstias
Infecciosas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
A pesquisa foi apoiada pela
FAPESP por meio dos projetos “Investigando a
evolução de cepas animais de rotavírus infectando humanos” e “Metagenômica
viral de dengue, Chikungunya e Zika vírus: acompanhar, explicar e prever a
transmissão e distribuição espaço-temporal no Brasil”.
Segundo Antonio Charlys da Costa, pós-doutorando do estudo, há
uma enorme quantidade de vírus ativos no mundo que ainda não foram
descritos.
“Tendo em vista o número de
seres eucariontes presentes na Terra, estima-se que existam aproximadamente 87
milhões de vírus para serem descritos. Atualmente, o Comitê Internacional de
Taxonomia Viral (ICTV) reconhece 4.404 espécies de vírus em eucariotos – o que
significa que mais de 99,99% dos vírus permanecem desconhecidos ou não
classificados. Apesar de ser uma estimativa, acreditamos neste número devido à
grande diversidade viral que encontramos em amostras sequenciadas até o
momento”, disse Costa, bolsista de pós-doutorado no IMT com bolsa da FAPESP.
Um dos focos da pesquisa que
Costa desenvolve é identificar e sequenciar vírus ainda não descritos. O estudo
epidemiológico – contemplando a distribuição dos vírus, a frequência de
ocorrência na população, as enfermidades associadas etc. – é algo posterior.
“O que fizemos foi investigar
amostras de fezes humanas, colhidas durante a ocorrência de gastroenterites,
cujos agentes patogênicos não tinham sido identificados. Encontramos inúmeros
agentes presentes e agora estamos descrevendo esses achados. A metodologia
utilizada é a metagenômica viral, que permite identificar qualquer agente
infeccioso. Isso não quer dizer que os agentes encontrados sejam responsáveis
pela gastroenterite. Mas esse levantamento permite iniciar uma correlação para
estudos futuros”, explicou Sabino.
Como os vírus são o objeto do
estudo, várias etapas precisam ser cumpridas durante a pesquisa. O primeiro
passo é filtrar a amostra em escala micrométrica, de modo a bloquear e
descartar células, parasitas, fungos e bactérias.
Mesmo assim, pedaços de DNA e
RNA livres conseguem passar pelo filtro. E precisam ser eliminados. Para isso,
são utilizadas nucleases – enzimas que digerem DNA e RNA. O ácido nucleico do
vírus (DNA ou RNA) não é digerido, pois se encontra protegido no interior do
capsídeo viral. Mas o ácido nucleico livre, sim. Depois de tudo isso, a
partícula viral passa pelo processo de lise celular, destruição ou dissolução
da célula causada pela rotura da membrana plasmática. Por fim, o material
genético é liberado e sequenciado.
“Isso produz bilhões de
sequências pequenas, que precisam ser alinhadas na tentativa de reconstruir os
genomas virais. Uma vez obtidas as sequências maiores, o passo seguinte é
buscar, por meio de bioinformática, algo semelhante no banco de dados – o que,
em geral, demanda muito tempo de processamento e poder computacional.
Sequenciamos todos os vírus possíveis nas amostras. E, depois, procuramos ver
se as sequências obtidas coincidem com as de vírus conhecidos”, disse
Sabino.
Novos agentes virais
Segundo os autores da
pesquisa, o principal agente viral de diarreias no Brasil costumava ser o
rotavírus. Mas, à medida que as rotaviroses passaram a ser prevenidas por meio
da vacinação, é possível que outros agentes virais possam estar causando as gastroenterites.
Sabino conta que pode ocorrer,
por exemplo, de dois vírus não patogênicos produzirem um vírus patogênico por
recombinação. Na recombinação, um pedaço de um vírus se junta a um pedaço de
outro para formar um terceiro.
“Desconhecemos a etiologia de
muitas doenças humanas. Para diarreias, por exemplo, em mais de 50% dos casos a
causa é ignorada. Então, há muitos agentes a serem descobertos. Antes, não
conseguíamos ir atrás desses agentes, porque era muito difícil e caro
sequenciar. Com os sequenciadores de nova geração, ficou fácil. Mas há uma
grande distância entre achar um agente e provar que ele é o causador da
doença”, afirmou a pesquisadora.
Também participaram do
artigo Adriana Luchs, Elcio de Souza Leal, Shirley Vasconcelos Komninakis, Flavio Augusto de Padua Milagres, Rafael Brustulin,
Maria da Aparecida Rodrigues Teles, Danielle Elise Gill, Xutao Deng e Eric
Delwart.
O artigo Wuhan large pig roundworm virus
identified in human feces in Brazil (doi:
https://doi.org/10.1007/s11262-018-1557-0) pode ser lido em: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs11262-018-1557-0.
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