Um grupo de pesquisadores do
Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes
Figueira (IFF/Fiocruz – Ministério da Saúde), liderado pela médica Lucia
Monteiro, do Ambulatório de Urodinâmica Pediátrica, publicou artigo no
periódico internacional Plos One com resultados inéditos que
confirmam a presença de alterações que interferem no funcionamento normal da
bexiga em bebês filhos de gestantes infectadas pelo vírus zika durante a gravidez.
Equipe responsável por
assistir os pacientes urológicos com Síndrome de Zika Congênita no IFF
As descobertas são fruto do
projeto Avaliação de sequelas no sistema urinário geradas em crianças expostas
à infecção fetal por zika vírus e portadoras de lesões neurológicas, aprovado
pelo edital publicado em 2016 pelo CNPq, Ministério da Saúde e Capes com a
temática de Prevenção e Combate ao vírus Zika. Trata-se do primeiro relato, em
todo o mundo, de sequela urológica associada à condição de bebês com Síndrome
da Zika Congênita. Até a publicação não se suspeitava de infecção urinária como
causa de febre e de internação nesses pacientes.
Na fase inicial do estudo, da
qual resultou o artigo, foram incluídos pacientes com microcefalia e
diagnóstico confirmado de Síndrome da Zika Congênita acompanhados no
IFF/Fiocruz entre junho de 2016 e maio de 2017. Dos 22 pacientes encaminhados
para avaliação urológica, todos apresentaram uma disfunção conhecida como
bexiga neurogênica, que pode gerar infecção urinária, incontinência urinária e
até lesão nos rins se não tratada adequadamente. Atualmente, dentre os
pacientes com microcefalia da Coorte Institucional da Síndrome de Zika
Congênita do IFF, 67 já tiveram o sistema urinário avaliado e, destes, apenas
dois apresentaram avaliação urodinâmica próxima do normal, embora não
esvaziassem completamente a bexiga durante a micção.
A descoberta partiu da
identificação, por meio do exame de ressonância magnética cerebral em bebês
diagnosticados com Síndrome da Zika Congênita e microcefalia, de áreas
comprometidas do cérebro que também seriam responsáveis pelo controle da
micção. Os pacientes observados na pesquisa apresentaram, durante a avaliação
urodinâmica inicial, pressões intravesicais bastante altas, que podem impedir o
bom funcionamento dos rins, além de esvaziamento vesical incompleto, com
retenção de urina, facilitando o surgimento de infecções urinárias.
A boa notícia trazida pela
pesquisa é que o tratamento precoce dos bebês com bexiga neurogênica tem
apresentado resultados eficazes, inclusive com a possibilidade de normalização
do funcionamento do órgão. A partir da avaliação urológica é possível realizar
o diagnóstico e tratamento das alterações de alto risco para o sistema
urinário. O importante, de acordo com a coordenadora do estudo, é que a
investigação do problema seja feita o mais rápido possível. “A resposta ao
tratamento tende a ser melhor quando este é feito preventivamente,
preferencialmente ainda no primeiro ano de vida da criança”, alerta Lucia Monteiro.
Além de mundialmente
inovadores, tais resultados permitem avançar no conhecimento da bexiga
neurogênica e na melhoria da qualidade de vida das crianças acometidas pela
doença. Com a publicação, o grupo de pesquisadores pretende sensibilizar
profissionais de saúde no sentido de incluir a avaliação urológica no protocolo
de atendimento a pacientes com microcefalia, promovendo o diagnóstico precoce
da doença e prevenindo a insuficiência renal.
Bexiga neurogênica
A bexiga neurogênica consiste
numa alteração do funcionamento do órgão causada por disfunção neurológica que
interfere nos mecanismos de enchimento e/ou esvaziamento de urina, gerando
riscos para o paciente. Em geral, essas alterações são progressivas, podendo
resultar em lesão do sistema urinário causada por processo infeccioso (infecção
urinária) ou mecânico (aumento da pressão dentro do sistema e retenção
urinária). Mas, principalmente em bebês, trata-se de uma doença silenciosa.
Seus sintomas mais frequentes – febre e incontinência urinária – podem
facilmente passar despercebidos pelos pais, uma vez que outras causas de febre
e o uso de fraldas descartáveis são comuns nesta faixa etária.
O padrão ouro para o
diagnóstico da bexiga neurogênica é a avaliação urodinâmica. Ele avalia o
funcionamento da bexiga e o processo de micção, permitindo evidenciar situações
de risco. O diagnóstico e tratamento precoce da doença podem reduzir em até
três vezes a chance de o paciente desenvolver insuficiência
renal.
A médica Lucia Monteiro
ressalta, no entanto, que são poucos os serviços públicos, no Brasil, com
experiência no diagnóstico e tratamento de bexiga neurogênica. Outro desafio
apontado pela coordenadora do estudo é o fato de alguns exames que fazem parte
do protocolo, como a cintilografia renal, não estarem amplamente disponíveis no
Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse sentido, o IFF vem atuando na capacitação e
ampliação do número de profissionais habilitados a realizar o exame nas regiões
do país que mais necessitam desse serviço. “Como Instituto Nacional temos a
responsabilidade de sensibilizar gestores do Ministério da Saúde para a criação
de parcerias e sistemas de referência que priorizem os pacientes com maior
risco”, conclui a pesquisadora.
Atendimento no IFF
O Ambulatório de Urodinâmica
do IFF/Fiocruz é o único serviço público, no Rio de Janeiro, que oferece o
exame de avaliação urodinâmica de maneira contínua para bebês há mais de 25
anos. Além disso, desde 2015, o Instituto tornou-se referência na atenção a crianças
expostas ao zika durante o período de gestação. Todas as crianças encaminhadas
com diagnóstico de Síndrome da Zika Congênita são acompanhadas por um grupo de
especialistas nas coortes institucionais e aqueles que também apresentam
microcefalia são atendidos no Ambulatório de Urodinâmica Pediátrica do
Instituto, com o objetivo de avaliar a possibilidade do desenvolvimento de
bexiga neurogênica como sequela.
O protocolo inicial de
avaliação está publicado e inclui urocultura, ultrassonografia
renal e das vias urinárias e avaliação urodinâmica. Em caso de resultado
positivo, a família do paciente é orientada a iniciar o tratamento imediatamente,
sendo realizadas consultas a cada dois meses para acompanhar a evolução do
paciente e uma reavaliação do exame a cada seis meses.
O artigo dos pesquisadores do
IFF publicado no periódico Plos One pode ser acessado no
link: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0193514
(Foto: Ascom/IFF), Irene Kalil
(IFF Fiocruz)
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