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segunda-feira, 14 de setembro de 2020

A CORRIDA DESIGUAL PARA OBTER VACINAS CONTRA O COVID-19 - NO FINAL DE AGOSTO(27) AS ENCOMENDAS JÁ SUPERAVAM A CASA DOS 2 BILHÕES DE DOSES

Os países ricos fecharam acordos para comprar mais de dois bilhões de doses da vacina contra o coronavírus em uma corrida que pode comprometer os suprimentos de insumos, necessários à fabricação e envase, mas também seringas e agulhas, devido ao brusco crescimento da demanda simultânea em todo mundo, e, no Brasil a vacinação deverá ocorrer em paralelo com o calendário do Programa Nacional de Imunizações. 

Os Países com maior poder de compra, se adiantam e reservam vacinas para a imunização dos seus habitantes, enquanto isso, países de baixa e média renda estão disputando algum protagonismo para obter as vacinas.

 Especialistas são praticamente unanimes em não considerar vacinas disponíveis antes do início do próximo ano de 2021. Todos as vacinas estão em fase de ensaios clínicos: de fase III em grande escala para avaliar sua eficácia e segurança. (A Rússia aprovou uma vacina para uso limitado, mas não concluiu os testes de fase III.).

Mesmo sem terem concluído os estudos da fase III de qualquer vacina, os países com maior poder aquisitivo, já publicaram seus pré-pedidos. Estados Unidos, em meados de agosto, garantiram 800 milhões de doses de pelo menos 6 diferentes players de vacinas em desenvolvimento, com opção de compra para mais um bilhão doses. O Reino Unido se comprometeu a comprar o equivalente a 5 doses para cada cidadão, maior pré-comprador per capta do mundo, anunciou ter garantido 340 milhões de doses. Os países da União Européia estão pré-adquirindo vacinas em bloco. O Japão bloqueou centenas de milhões de doses de vacinas para uso interno.

AstraZenica, Sanofi-GSK, Novavax, Pfizer-BioNTech, Janssen Cilag, CureVac, Moderna, Sinovac, Valneva, Gamaleya, Sinopharm, CanSinoBio e Covaxx são as principais empresas que anunciaram seus projetos de desenvolvimento da vacina contra Covid-19, e, praticamente todas estão negociando com diferentes parceiros no Brasil.

Os gráficos, a seguir, foram preparado pela revisa “Nature”, a partir de dados compilados até 21 de agosto pela “Airfinity” que mostram as expectativas de capacidades e as pré-encomendas, publicadas.

A corrida e as reservas estratégicas com as pré-compras dos países com grande poder aquisitivo, preocupa especialistas em saúde pública, que defendem que as vacinas deveriam ser distribuídas de forma equitativa em todo o mundo. “Não vamos nos livrar da pandemia até nos livrarmos dela em todos os lugares”, disse Mark Feinberg, chefe da International AIDS Vaccine Initiative, NY parceiros de desenvolvimento de uma vacina contra COVID-19 com a Americana Merck (MSD).

 Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), disse em uma coletiva de imprensa em 18 de agosto “Precisamos prevenir o nacionalismo da vacina”.

A situação lembra o surto de gripe H1N1 de 2009, quando os países ricos garantiram a maior parte dos suprimentos de uma vacina, diz Richard Hatchett, chefe da Coalizão para Inovações de Preparação para Epidemias (CEPI), um fundo criado em Oslo para financiar e coordenar vacinas contra surtos, e que tem apoiado o desenvolvimento de nove vacinas para COVID-19.

A pandemia de 2009 foi muito mais branda do que a COVID-19, mas a corrida e a priorização nos países ricos comprometeu a distribuição das vacinas no mundo, proporcionalmente poucas habitantes dos países com menor poder de compra receberam a vacina a tempo de fazer a diferença. “Se as vacinas COVID-19 forem mal alocadas como H1N1 em 2009, a pandemia vai durar mais, mais pessoas morrerão e a interrupção será maior do que o necessário”, diz Hatchett.

Esforço internacional

COVAX, fundo financiador internacional liderado por Gavi (que tem como um dos principais financiadores a Bill e Melinda Gates) para garantir o fornecimentos de vacinas para países de baixa renda, sediado em Genebra, junto com o CEPI e a Organização Mundial da Saúde banca o principal esforço conjunto para garantir a disponibilidade de vacinas. 

COVAX tem como principal objetivo garantir a disponibilidade de 2 bilhões de doses de vacina, para os países membros. Um bilhão para 92 países de baixa e média renda (LMICS), que abrangem metade da população mundial. As vacinas custarão pouco ou nada a essas regiões. O outro bilhão será destinado aos 75 países mais ricos, que pagarão por suas próprias vacinas.

O COVAX, está longe de capitalizar os US $ 18 bilhões de dólares, estimados, para cumprir sua missão de contribuir com investimentos em fabricantes par aumentar a produção e com isso conseguir comprar e entregar os 2 bilhões de doses. COVAX já fez alguns pré-pedidos, como as 300 milhões de doses da vacina que está sendo desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e pela empresa farmacêutica britânica AstraZeneca que no Brasil tem a parceria com a Fiocruz – Biomanguinhos para produzir a vacina, localmente.

Alguns países mais ricos, como o Reino Unido, manifestaram interesse em ingressar na COVAX, mas poucos se comprometeram com os investimentos e com a política de distribuição mundial das vacinas obtidas, favorecendo a preços simbólicos para os Países de baixa renda e tendo que adquirir por preço regular sua própria demanda.

“A experiência de tentar convencer os países ricos a investir e a aderir ao projeto teve menores adesões do que o esperado”, diz Brook Baker, que estuda acesso a medicamentos na Northeastern University em Boston, Massachusetts.

Alguns países de baixa e média renda fecharam acordos diretos com fabricantes para compra antecipada de vacinas. Brasil e Indonésia, por exemplo, têm acordos para comprar milhões de doses de vacinas que estão ainda sendo testadas na fase III, em seus países. 

O Serum Institute of India (SII), fabricante líder de vacinas, assinou uma licença com a Universidade de Oxford para produzir um bilhão de doses de sua vacina por ano. As doses são destinadas a LMICS - incluindo doses comprometidas com COVAX - embora SII tenha declarado que metade das doses irá para a Índia. Alguns observadores dizem que é reduzida a segurança para impeça o governo do país de exigir maiores quantidades.

Especialistas e Políticos de alguns países citam o trabalho da COVAX como sendo um negociador, financiador das indústrias e distribuidor vacinas, inclusive para países participantes que assinaram acordos diretos com os fabricantes, como o caso do Brasil que participa do COVAX, mas assinou um acordo para fabricar localmente a vacina. Autoridades de saúde esperam transparência do Países que contrataram diretamente e participam do consórcio, a preocupação é que a duplicidade de esforços não funcione para reduzir, inibir o acesso de países menos favorecidos.

 A distribuição equânime deveria nortear as ações dos governos, neste primeiro momento, dizem as autoridades sanitárias, mas a intenções de proporcionar o acesso equitativo não são perceptíveis nas declarações de muitos países ricos. Quando o Reino Unido anunciou a compra de 90 milhões de doses de 2 fabricantes em 14 de agosto, o governo disse que o acordo iria “garantir o acesso justo e equitativo a uma vacina em todo o mundo”, sem explicar como. “Se um País compra toda produção, é simplesmente falso o discurso sobre distribuição igualitária, poderá disponibilizar apenas o que sobrou para o resto do mundo, em contradição ao discurso da equitatividade”.

Alguns acadêmicos e ativistas sugeriram que os governos poderiam forçar os desenvolvedores a licenciar suas vacinas para fabricantes nacionais - permitindo que os países façam suas próprias versões de vacinas com sucesso. 

De acordo com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), tais 'licenças compulsórias' são permitidas; e já foram utilizadas ​​para fazer formas genéricas de medicamentos antirretrovirais contra o HIV (no Brasil o caso do Efavirenz da MSD é o único processo efetivado). Mas essas regras cobrem apenas patentes, não outras propriedades intelectuais e patentearias que envolvem o desenvolvimento, produção, estudos e validações de uma vacina. Vacinas dependem de tecnologia e infraestruturas pouco disponíveis em países de baixa e média renda, com raras exceções. Países como a China, Coréia, Índia, Rússia e, especialmente o Brasil, que detém um Complexo Industrial da Saúde, estruturado, robusto, qualificado e certificado, que domina tecnologias complexas e responde à um dos maiores programas de imunização do Mundo. Com três ou quatro grandes plantas no país, produz e disponibiliza dezenas de vacinas, pode, como está fazendo, se atualizar e adequar suas infraestruturas para produzir internamente a vacina para a imunização do Covid-19.

Possivelmente o maior esforço internacional, além do desenvolvimento, produção e testes clínicos será o planejamento estratégico e ações que assegurem os direitos de propriedade, sem comprometer a competitividade, que permitam aos países o acesso equitativo a preços acessíveis. Articulação que dependerá e muito da colaboração e mediação das autoridades sanitárias com os governos e estes com os detentores do produto.

Estimativas de capacidade

Se todas as vacinas avançadas forem aprovadas, o mundo poderá ter mais de 10 bilhões de doses disponíveis até o final de 2021, de acordo com as capacidades produtivas publicadas pelas empresas. A maioria das vacinas será produzida nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. 

Importante destacar que as capacidades de produção divulgadas pelas empresas, são estimativas e segundo especialistas algumas “excessivamente otimistas”. Muitas vacinas são baseadas em tecnologias que nunca foram estratificadas para fabricação em grandes escalas, diz Jeffrey Almond, um vacinologista e pesquisador visitante da Universidade de Oxford, que anteriormente liderou os esforços de desenvolvimento de vacinas da empresa farmacêutica francesa Sanofi Pasteur. 

Airfinity é uma empresa Londrina que analisou o mercado de ciências biológicas, compilando um estudo, ajustando as capacidades declaradas de cada projeto e seus históricos de fabricação dentro das mesmas plataformas tecnológicas onde se desenvolvem a vacina contra o Covid-19, e, projeta a disponibilidade de apenas um bilhão de doses até o quarto trimestre de 2021,

De maio a junho de 2020, o CEPI pesquisou anonimamente 113 fabricantes que produzem insumos das vacinas e concluiu que a capacidade de produção, estimada, será de 2 bilhões a 4 bilhões de doses até o final de 2021, presumindo-se que os testes clínicos serão positivos. 

O número de pessoas que poderão ser vacinadas dependerá, também, do número de doses administradas. Muitas das vacinas pioneiras, incluindo as da Moderna, Pfizer e Novavax, devem ser administradas em duas doses. A Johnson & Johnson pretende testar uma vacina de dose única, e a equipe da AstraZeneca-Oxford está analisando regimes de uma e duas doses.

As empresas e Países mantem sigilo sobre as negociações financeiras de cada projeto, de cada pré-compra. A CEPI, o Reino Unido e os Estados Unidos pagarão pelas vacinas e estão financiando a pesquisa para desenvolvê-las. Pouco se sabe sobre os termos associados a esse financiamento, diz Duncan Matthews, especialista em patentes e acesso a medicamentos da Queen Mary University of London.

Os custos da vacina variam: os Estados Unidos, segundo seus acordos de compra publicados, estima-se que pagarão menos de US $ 4, por dose da vacina AstraZeneca, mas US $ 25 por cada dose da vacina Moderna, por exemplo. 

Igualmente não se conhece os termos das confirmações das pré-aquisições, quais parâmetros de eficácia estão sendo utilizados para que cada País aceite a vacina contra Covid-19, ou ainda quais são as condições para ampliação de volumes.

No Brasil a parceria AstraZenica, Universidade Oxford com a Fiocruz-Biomanguinhos que lidera a corrida a partir do compromisso de pré-compra de 100 milhões de doses recebeu uma grande revés com a suspensão dos testes por conta da notificação de um paciente com sérias reações adversas. Apesar dos testes possivelmente poderem ser retomados imediatamente, no início desta semana, o mundo recebeu a suspenção com apreensão evidenciando que os estudos não estão conclusos e que vacinas podem se mostar ineficazes.

Já a parceria do Butantan com a Sinovac - que no país de origem tem capacidade de produzir 350 milhões de doses - é uma das principais negociações de pré-compra com China, que deverá transferir tecnologia para produção das vacinas no Brasil, para abastecer prioritariamente São Paulo, mas que, também, poderá ser vendida em países da América do Sul.

Os Russos Gamaleya firmaram contrato de pré-compra com o Governo da Bahia – que anunciou a intenção de adquirir 50 milhões de doses, mas eles negociam também com o Paraná.

Na última semana a DASA anunciou uma parceria com a Covaxx – divisão da United Biomedical – USA, para realizar os testes da vacina feita de peptídeos sintéticos de precisão, a partir do RNA do coronavírus, tecnologia que não utiliza vírus ou agentes biológicos, e que têm escalabilidade industrial e pretende produzir 100 milhões de doses no primeiro quadrimestre do ano 2021 e chegar a 500 milhões no final do próximo ano. Tecnologia consagrada utilizada há anos na produção de aplicações veterinárias, com excelente resultados em humanos, diz Mei Mei Hu, coCEO da empresa, O acordo prevê 10 milhões de doses para o segmento privado e 15 milhões para a rede pública de saúde.  

Existem vários outros projetos que não foram considerados nos estudos da “AirFinity”, como as chinesas Sinopharm e a CanSinoBio, que também estão desenvolvendo as vacinas contra Covid 19. Ao todo são 321 projetos com 35 imunizantes tidos como potencialmente promissores. Nove vacinas estão em estudos de fase III inclusive no Brasil.

O Brasil, ainda não se posicionou publicamente sobre os quantitativos que pretende adquirir e de quem o fará. Uma primeira informação deu conta que seriam compradas 30 ou 40 milhões de doses via OPAS e 80 milhões de doses, internamente. O governo até o presente momento concentra suas apostas na parceria capitaneada pela Fiocruz-Biomanguinhos para vacina Oxford. Mesmo mencionado o projeto do Butantan e do Tecpar, ainda não existem compromissos firmados pelo Ministério da Saúde e os laboratórios públicos.

Insumos como seringas e agulhas, também, estão entrando na pauta, mas ainda sem definições públicas sobre os modelo, quantidades e distribuição. O segmento aguarda a publicação dos resultados da audiência pública realizada pelo PNI e DELOG para avaliara as especificações e possível capacidade de atendimento a demanda, dentro dos prazos previstos, sem comprometer as campanhas regulares de vacinação.

Com informações do artigo de Ewen Callaway – na revista Nature 584 , 506-507 (2020)

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