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sábado, 12 de setembro de 2020

Pesquisador defende estratégias locais contra à Covid-19 no Brasil

Fonte:Icict/Fiocruz

Mesmo indicando que o pico já passou, os dados no Brasil refletem uma tendência de prolongamento da pandemia, principalmente levando em conta as medidas de relaxamento do convívio social em diversas cidades. Essa foi a principal conclusão do webinar Os cenários epidemiológicos no Brasil: tendências e impactos na sociedade, promovido pelo Observatório Covid-19 da Fiocruz na última quarta-feira (9/9). O evento teve a participação de Thomas Mellan, pesquisador associado da escola de medicina Public Health Imperial College London, e foi transmitido em inglês e português, com tradução simultânea. A atividade faz parte do projeto O Brasil após seis meses de pandemia da Covid 19 – 1º Ciclo de Debates do Observatório Covid-19, que vai reunir pesquisadores nacionais e internacionais. Serão realizados quatro debates ao longo do mês, com o objetivo de analisar os impactos no Sistema Único de Saúde (SUS), na sociedade e na produção de desigualdades no Brasil. 


A melhor forma de enfrentar a pandemia é a visão integrada da ciência e da saúde, afirmou a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, que fez parte da abertura do webinar. “Sem essa visão integrada não é possível enfrentarmos um fenômeno que é, a um só tempo, biomédico, social e ambiental. A Fiocruz cobre um amplo espectro de ações frente à pandemia, mas entendemos que há dois pilares centrais para esse enfrentamento: de um lado, a ciência, tecnologia e inovação; e, de outro, o SUS, maior sistema universal do mundo”, defendeu. Para Nísia, “um legado dessa experiência tão dramática pode ser o fortalecimento do SUS como grande inovação e base para enfrentarmos a situação atual”. 

Mas fazer um balanço dos seis meses de pandemia e tentar entender as possíveis repercussões do que já se passou e para o futuro próximo não é uma tarefa fácil, ressaltou o pesquisador Christovam Barcellos, vice-diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz), que coordenou o evento. “Os dados da doença, o sistema de saúde, a estrutura política e social brasileira, todos esses fatores complicam bastante a pandemia no Brasil. Mas a incerteza exige pragmatismo, ao contrário de inação. A complexidade não pode gerar simplesmente perplexidade e a inação das políticas de saúde”, afirmou Barcellos, destacando a tradição brasileira na divulgação e análise de dados e modelos na área de saúde.

Estratégias locais de controle

Especialista no estudo dos impactos das medidas de isolamento no controle da pandemia, Tomas Mellan fez um balanço da situação global, apontando algumas semelhanças entre Brasil e Reino Unido, a começar pelo número bastante alto de óbitos por milhão de habitantes. “Aqui no Brasil, os dados indicam que a epidemia não estava sob controle, e mesmo após algumas medidas do poder público, a doença continuou a se disseminar ao longo dos meses. Já temos uma segunda onda na Europa, os casos voltam a subir e aqui no Brasil ainda nem acabou a primeira onda. Os dados mostram que o primeiro pico já passou, mas é preciso manter a vigilância”, alertou.

Para o pesquisador britânico, medidas não farmacêuticas – como o isolamento social e o uso de máscaras – são cruciais na atualidade, e nesse sentido o Brasil precisaria planejar ações levando em conta o tamanho do seu território e o grande número de municípios. “Analisar os óbitos em nível municipal vai ser chave para o enfrentamento da doença aqui. Nos próximos meses provavelmente teremos uma vacina, mas as intervenções não farmacêuticas continuarão sendo muito importantes. Paralisações nacionais são difíceis, ou seja, fazer testes e programas locais de vigilância sanitária pode ser mais fácil”, sugeriu, recomendando cuidado especial nesse momento com medidas como a reabertura de escolas, que podem levar a uma segunda onda, como ocorre agora na Europa, e a um aumento do número de casos e óbitos.

Prolongamento da pandemia

A estabilidade da curva, porém com alto número de casos e de ocupação de leitos, foi uma das preocupações levantadas por Daniel Villela, pesquisador da Fiocruz e coordenador do Programa de Computação Científica (Procc/Fiocruz). Ele elencou também alguns grupos em situação de mais vulnerabilidade diante da pandemia. “Temos que considerar os problemas nos números para fazer essa análise, mas verificamos que existe uma incidência 50% maior de casos em bairros em que há muitas favelas”, exemplificou. Já Guilherme Werneck, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde (Abrasco), reforçou as críticas de todos os palestrantes à falta de coordenação das ações no Brasil entre as esferas municipal, estadual e federal, e analisou o que considerou equívocos no enfrentamento da pandemia no país.

“De modo geral, houve uma ênfase na atenção hospitalar e na necessidade de testagem, que durante uma epidemia é importante, obviamente, mas não é o aspecto essencial. A identificação de casos e monitoramento de contatos tem que ser feita por outros meios, como a vigilância sindrômica”, apontou, defendendo o controle sanitário como estratégia mais eficaz. Ele ponderou que as recentes previsões de queda nos números estão, erradamente, baseadas na ideia da manutenção das condições de intervenção. “Elas não estão mantidas, a tendência que temos visto é um relaxamento geral. O aumento da mobilidade pode levar a uma propagação maior, e aumentar o tempo dessa pandemia”, preveniu Werneck, que abordou, ainda, os aspectos socioeconômicos do cenário atual que podem impactar a vida da população brasileira.

Maurício Barreto, pesquisador da Fiocruz Bahia e coordenador do Centro de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz (Cidacs), e que encerrou o evento, corroborou a importância de “organização dos registros para entender melhor a situação e planejar soluções coordenadas” para combater a pandemia. Ele argumenta que a ciência vem tendo um papel extremamente importante atualmente. “Comparado a outras epidemias na história, a capacidade cientifica aumentou bastante. Na área dos modelos matemáticos, por exemplo, se multiplicaram e se potencializaram os modelos matemáticos, que são usados há mais de 200 anos em diversos processos no campo da saúde. Mas o avanço recente nos modelos foi imenso, isso facilita muito o entendimento da dinâmica da pandemia”, observou.

Os próximos debates do ciclo terão como temas Covid-19: desafios para a segurança do paciente (17/9), Covid-19 e repercussões sociais: narrativas e evidências sobre desigualdades e vulnerabilidades no Brasil (23/9) e A pandemia de Covid-19: interfaces entre as populações, os sistemas de saúde e as desigualdades sociais (30/9).

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