Cuidar
da saúde não é guerra
Nosso
cérebro não é um palco de guerra, e as metáforas de embate prejudicam os
doentes, defende pesquisador
Falar
sobre um problema de saúde fazendo comparações com a guerra é muito comum
quando cientistas, médicos e pesquisadores tentam explicar seus esforços - e a
comparação é feita tanto quando eles falam aos meios de comunicação de massa,
quanto quando apresentam trabalhos em congressos para seus pares.
Embora
isso possa motivar esforços para lidar com a questão, esse tipo de linguagem e
as mensagens que ela passa também podem criar medo e estigma, transformar os
pacientes em vítimas e desviar recursos que seriam melhor aplicados na
prevenção, de um lado, ou em cuidados de importância crítica, de outro.
Essas
conclusões foram apresentadas pelo Dr. Daniel George, da Escola de Medicina da
Universidade da Pensilvânia (EUA).
"Se
aplicadas de maneira descuidada, metáforas de guerra podem iludir nosso senso
do que é possível terapeuticamente, e dar falsa esperança para as pessoas e
cuidadores que estão sofrendo", argumenta ele.
Metáforas
de resistência
George
e seus colegas argumentam que as metáforas e narrativas que tratam a doença
como algo a ser atacado pode ser socialmente prejudicial para as pessoas
afetadas.
Embora
seu uso até seja proveitoso quando se lida com doenças infecciosas causadas por
patógenos específicos, que causam surtos ou epidemias, essas metáforas
tornam-se problemáticas quando se tenta discutir diversas síndromes associadas
à idade, como Alzheimer ou Parkinson,
que podem não ser completamente curáveis.
Desta
forma, as metáforas de guerra na medicina podem levar a modos de pensar que
podem não ser em nada produtivos, nem cientificamente e menos ainda
socialmente.
A
sugestão de George e seus colegas é que cientistas, médicos e demais
profissionais de saúde avancem para diferentes tipos de metáforas - de um tipo
que encoraje o uso de palavras como "retardar" ou "adiar" a
progressão da doença, em vez de "prevenir" ou "curar", além
de enfatizar a construção de uma "resiliência" em relação aos
processos de envelhecimento no cérebro, em
vez de visar a "vitória absoluta" sobre uma doença.
Metáforas
de guerra podem iludir nosso senso do que é possível terapeuticamente e dar
falsa esperança para as pessoas e cuidadores que estão sofrendo .Dr. Daniel
George
Guerra
contra o inimigo errado
O
uso das metáforas de guerra é particularmente comum nas referências à doença de
Alzheimer, diz George, argumentando que elas devem ser substituídas por
mensagens de resiliência contra uma condição complexa, associada à idade, que
pode não ser completamente derrotável.
Apesar
de décadas de falhas no desenvolvimento de medicamentos contra o Alzheimer, a
atenção dos cientistas continua a se concentrar em drogas que
"atacam" um composto molecular chamado beta amiloide, com o objetivo
de curar a doença, quando os estudos mais recentes mostram que as
beta-amiloides podem nem mesmo ser "inimigas".
As
pesquisas, afirma George, mostram que o aparecimento das placas de amiloide não
se correlaciona com os sintomas clínicos do Alzheimer, além do que essas placas
têm sido repetidamente encontradas nos cérebros de um terço dos idosos normais,
que não desenvolvem a doença, o que sugere que as placas de amiloide podem ser,
no mínimo um sintoma, e não uma causa do dano neurológico.
Com
isto, um número crescente de pesquisadores acredita que declarar
"guerra" contra a doença de Alzheimer "atacando" as placas
de amiloides beta pode, em última instância, ser um exercício de autoagressão -
e que a insistência nessa linha de pesquisas está drenando recursos que
poderiam ser dirigidos para outras abordagens.
Redação
do Diário da Saúde, Imagem: Allan Ajifo/Wikimedia
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