Vetores
reconhecidos da doença de Chagas, insetos triatomíneos da espécie Triatoma
maculata foram identificados, pela primeira vez, colonizando um ambiente
domiciliar no Brasil. O achado inédito é relatado na edição de novembro da
revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. No artigo, os cientistas do
Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), da Universidade Federal de Roraima, da
Secretaria estadual de Saúde de Roraima e do Núcleo de Entomologia do Distrito
Sanitário Especial Indígena Yanomami contam que 127 triatomíneos, popularmente
conhecidos como barbeiros, foram encontrados no interior de um tijolo em um
nicho de ar condicionado em um condomínio residencial em Boa Vista, Roraima.
Segundo os autores, a descoberta inesperada aponta para um possível aumento do
risco de transmissão do agravo no ambiente urbano. Além disso, considerando a
associação do T. maculata com pombos, o estudo reforça a importância de manejo
adequado desses animais.
Entre
os dez artigos publicados na edição, destaca-se ainda uma pesquisa que traça um
panorama internacional da oferta de cursos na área da biologia de vetores.
Liderado pelo Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças
Tropicais (TDR, na sigla em inglês), ligado à Organização Mundial da Saúde
(OMS), e pela Universidade de Tours, na França, o trabalho revela desafios,
como a concentração regional e o baixo uso de tecnologias de ensino à
distância. O estudo também sugere soluções para o problema, incluindo a criação
de um portal mundial com informações para orientar os estudantes, que deve ser
apoiado pelo TDR. Todos os artigos publicados no periódico Memórias do
Instituto Oswaldo Cruz podem ser acessados gratuitamente online. A seguir,
confira mais sobre as pesquisas em destaque.
Infestação
em condomínio residencial
A
identificação de 127 insetos triatomíneos em um edifício residencial em Boa
Vista, Roraima, é o primeiro relato de colonização domiciliar por insetos da
espécie T. maculata no Brasil. O achado foi realizado durante uma aula prática
de entomologia, em setembro de 2015. O condomínio foi escolhido como local para
coleta devido a relatos de moradores sobre a presença de barbeiros. No entanto,
a descoberta da infestação massiva em um imóvel com boas condições de
construção surpreendeu os pesquisadores. “O fato de que barbeiros T. maculata
podem viver em nichos externos em paredes bem rebocadas da habitação humana é
um fato novo na epidemiologia da doença de Chagas nas Américas que não deve ser
negligenciado”, ressaltam os autores no artigo.
Vetores
reconhecidos do parasito Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, os
barbeiros T. maculata estão presentes na Colômbia, Guiana, Suriname e
Venezuela, além de Roraima, no Brasil. Geralmente, os insetos são detectados no
entorno dos domicílios; em ninhos de pássaros, principalmente pombos;
galinheiros; chiqueiros e currais. No caso relatado no estudo, os insetos foram
encontrados em um condomínio de uma área residencial urbanizada, limitada por
uma floresta secundária. Os 127 barbeiros estavam dentro de um tijolo em um
nicho de ar condicionado de concreto, no qual também havia presença de pombos.
A identificação de insetos em diferentes fases de desenvolvimento, desde ovos
até adultos, mostra que a colônia estava estabelecida.
Embora
os barbeiros tenham sido encontrados na fachada externa do edifício, os
pesquisadores observaram que muitos nichos de ar condicionado eram separados do
interior dos apartamentos apenas por papelões e moradores relataram já terem
avistado triatomíneos dentro dos imóveis. Considerando a proximidade frequente
entre ninhos de pombos e residências, os cientistas avaliam que a capacidade do
T. maculata para colonizar imóveis pode aumentar o risco de transmissão da
doença de Chagas no ambiente urbano. “A possibilidade de expansão da
distribuição geográfica de T. maculata por meio de transporte passivo por
pombos, a possibilidade de encontrar animais infectados pelo T. cruzi e a
colonização da habitação humana são importantes fatores de risco para a
transmissão vetorial urbana de T. cruzi que devem ser abordados com o devido
cuidado e urgência”, destacam.
A
Secretaria estadual de Saúde se responsabilizou pelos procedimentos de
desinfestação. Os triatomíneos coletados na pesquisa ainda serão analisados
para verificar a possibilidade de infecção pelo T. cruzi. Acesse o estudo.
Caminhos
para aprimorar formação
Considerando
a carência de especialistas em biologia de vetores e a importância desses
profissionais para o enfrentamento de doenças como malária, zika, dengue e
chikungunya, pesquisadores realizaram um mapeamento internacional dos cursos
disponíveis na área. O trabalho contemplou formações em diferentes níveis, como
técnico, mestrado e doutorado, oferecidas em seis idiomas: inglês, espanhol,
francês, português, alemão e italiano. Por meio da pesquisa em sites de busca e
nas páginas de universidades, foram identificados cerca de 140 cursos.
Ainda
que deixe de fora países como Rússia, China e Japão, a pesquisa permite traçar
um panorama amplo da área. A distribuição dos cursos revela concentração na
região das Américas e representação reduzida da África ocidental. Além disso,
quase 90% dos treinamentos são presenciais, enquanto pouco mais de meia dúzia
são oferecidos a distância e dois de forma mista. “Os cursos online permanecem
uma raridade e poucos parecem estar surfando na onda recente de cursos online
abertos e massivos [conhecidos como MOOC, na sigla em inglês]”, comentam os
autores no artigo.
A
partir do levantamento, os pesquisadores chegam a três conclusões. Em primeiro
lugar, é difícil avaliar o conteúdo dos cursos através das páginas na internet
e identificar aqueles adequados às necessidades de cada estudante. Em segundo
lugar, existe um descompasso entre a oferta de cursos e a demanda educacional
para enfrentar problemas urgentes. Por fim, um esforço global em educação
precisará recorrer à combinação de cursos tradicionais com inovações, como é o
caso dos MOOCs.
Tendo
em vista este cenário, os autores consideram que o campo da biologia de vetores
precisa urgentemente de ações para harmonização, consolidação e modernização,
com adoção de material didático de última geração e oferta de cursos voltados
para grupos de organismos e questões epidemiológicas específicas. Além disso, a
criação de um portal único a nível mundial para orientar os estudantes,
especialmente aqueles que vivem em locais remotos, é apontada como uma medida
necessária, que deve ser apoiada pelo TDR.
Leia o artigo.
Maíra
Menezes (IOC/Fiocruz)
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