Potencial
antiviral de medicamentos aprovados para uso humano
Em busca de novas armas para
combater a infecção pelo vírus Zika, um grupo que reúne pesquisadores do Brasil
e da França testou a eficácia de 725 medicamentos já aprovados para uso humano,
com variadas indicações.
Cinco
fármacos foram selecionados como os mais promissores – com destaque para o
antiemético palonosetron. Os resultados da pesquisa, apoiada pela FAPESP,
foram divulgados na plataforma on-line F1000Research.
“Este
é só um primeiro passo para o desenvolvimento de drogas contra o Zika. A partir
deste resultado, podemos usar ferramentas da química medicinal para modificar a
estrutura desses compostos e tornar a ação antiviral ainda mais potente. Por
outro lado, as moléculas recém-descobertas podem ser prontamente testadas em
modelos animais ou até mesmo em ensaios clínicos de eficácia contra Zika,
porque já são fármacos aprovados para uso em humanos. É uma forma de encurtar o
tempo e reduzir o custo da pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos”,
afirmou Lucio Freitas Junior, do Instituto Butantan.
Essa
estratégia conhecida como reposicionamento de fármacos já vem sendo empregada
há alguns anos pelo grupo de Freitas Junior – anteriormente pesquisador do Centro
Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) – na busca de terapias para
doenças tropicais negligenciadas.
O
trabalho mais recente foi desenvolvido durante o pós-doutorado de Bruno dos
Santos Pascoalino, bolsista da FAPESP, e contou com a colaboração de Gilles
Courtemanche, atualmente diretor do Bioaster Technology Research Institute e
ex-colaborador do laboratório francês Sanofi.
“Graças
à expertise de Courtemanche, que há mais de 20 anos trabalha
na indústria farmacêutica, conseguimos selecionar os fármacos com as
características mais adequadas em termos de distribuição e metabolização pelo
organismo. Entre os motivos pelos quais o palonosetron foi considerado o
composto mais promissor foi a alta biodisponibilidade e a sua capacidade de atravessar
a barreira hematoencefálica [estrutura que protege o sistema nervoso central de
substâncias potencialmente tóxicas presentes no sangue], o que é muito
importante no caso do Zika – um vírus com forte atração pelo tecido nervoso”,
comentou Freitas Junior.
Metodologia
O
grupo usou uma tecnologia conhecida como High Content Screening (HCS - Triagem
de Alto Conteúdo) para testar quais dos 725 medicamentos aprovados pelo Food
and Drud Administration (FDA, a agência que regula medicamentos nos Estados
Unidos) eram mais eficazes em barrar a infecção de células humanas pelo vírus
Zika. Nos testes, foi usada uma linhagem viral isolada em Recife (PE), durante
a epidemia de 2015.
Como
modelo foram usadas culturas de hepatócitos (células do fígado) humanos,
semelhantes às empregadas nos estudos voltados a encontrar novas drogas contra
hepatite C – doença causada por um vírus pertencente ao mesmo gênero do Zika, o
flavivírus
O
potencial antiviral dos fármacos foi comparado ao do interferon α 2A (IFNα2A),
proteína humana produzida por células do sistema imune que apresenta alta
atividade in vitro contra diversos vírus, inclusive o Zika.
“Por
meio de análise de imagens é possível determinar o porcentual de células
infectadas em cada caso. Desenvolvemos um software que seleciona automaticamente
as substâncias que apresentam o desempenho mais semelhante ao do controle
[IFNα2A]”, explicou Freitas Junior.
Ao
todo, de acordo com o pesquisador, 29 medicamentos apresentaram alguma
atividade anti-Zika. Mas o grupo priorizou aqueles com maior potencial para
serem usados no tratamento da infecção segundo os critérios usados na indústria
farmacêutica.
Entre
os selecionados estão a lovastatina, usada no tratamento de
hipercolesterolemia; o quimioterápico 5-Fluorouracil, adotado contra diversos
tipos de câncer; o 6-Azauridine, antimetabólito capaz de inibir a replicação do
RNA viral; a kitasamicina, um antibiótico da classe dos macrolídeos e que
possui amplo espectro de atividade antibacteriana; e o palonosetron, um
antagonista de receptor de serotonina usado no tratamento de náusea induzida
por quimioterapia.
Segundo
Freitas Junior, o palonosetron também já foi usado para tratar o enjoo
associado à gravidez, porém ainda não há estudos conclusivos para atestar sua
segurança durante a gestação.
“Como
se trata de fármacos que estão ou já estiveram no mercado, diversos aspectos da
farmacocinética e farmacodinâmica já são conhecidos. Com essas informações, é
mais fácil e rápido desenhar protocolos de dosagem e administração para testes
em modelos animais, ou até mesmo em humanos”, avaliou Freitas Junior.
Segundo
o pesquisador, o grupo já está trabalhando com colaboradores do Brasil e do
exterior para criar variações das moléculas selecionadas. “Podemos, dessa
forma, aumentar em 10 ou mais vezes a atividade antiviral. Alguns pesquisadores
brasileiros já possuem análogos do palonosetron e nos contataram para iniciar
os testes contra o Zika. Também pretendemos colaborar com as farmacêuticas que
já trabalharam com essa classe de moléculas”, adiantou.
Karina
Toledo | Agência FAPESP
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