TV
Estadão conta o dilema de pais e pacientes que assumem o risco de prisão por
cultivar ilegalmente maconha para produzir o seu próprio remédio
A
maconha como remédio
Atrás
de um muro branco na zona oeste do Rio de Janeiro, Carlos (nome fictício)
assume o risco de ser preso a qualquer momento ao produzir um remédio usado
pela filha de 3 anos. O tratamento da menina, que sofre com microcefalia,
consiste exclusivamente em um óleo à base de maconha, que é plantada
clandestinamente em uma estufa no imóvel.
De
acordo com a Lei de Drogas n.º 11.343, caso o cultivo não seja considerado
individual, o réu pode ser punido com pena de 5 a 15 anos de prisão por
tráfico. Carlos possui oito pés em seu quintal, o que poderia ou não ser
considerado cultivo individual, já que a lei não determina uma quantidade
específica, possibilitando diferentes interpretações.
Uma
questão de saúde e qualidade de vida
Os
meios legais de adquirir o extrato de maconha, mais conhecido como canabidiol,
é por meio da importação mediante prescrição médica e autorização da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que ocorre desde
2015. Atualmente, o órgão autoriza a importação de 42 produtos diferentes.
Contudo,
além de demorado e burocrático, o procedimento é de alto custo. A importadora
HempMeds Brasil, por exemplo, vende algumas variedades que vão de U$ 139 (cerca
de R$ 525) até U$ 329 (cerca de R$ 1.245) por seringa contendo de 10 a 15 ml do
óleo.
"Eu
tenho a prescrição médica e a autorização da Anvisa para
importar, o que eu não tenho é dinheiro", afirma Carlos, que trabalha como
especialista em marcas e patentes e possui renda mensal de R$ 2,9 mil.
Nas
farmácias brasileiras, por enquanto, a oferta é limitada - e cara. Em 2017,
a Anvisa autorizou a venda do Metavyl, medicamento de produção
estrangeira indicado para quem sofre de espasticidade por causa da esclerose
múltipla. A opção disponível nas prateleiras brasileiras não é mais acessível
do que as ofertas dos concorrentes. Com preço de, em média, R$ 2,5 mil, o
remédio custa 2,6 vezes o valor do salário mínimo atual.
A
vida não espera por habeas corpus
Para
aqueles que, assim como Carlos, dependem do medicamento, mas não possuem
condições de comprá-lo, há uma alternativa: pedir uma habeas corpus preventivo,
condição em que o sujeito assume às autoridades que já está cometendo um crime
em prol da sua saúde individual.
É o
que fez a advogada Margarete Brito, primeira pessoa a conseguir o documento no
País, para tratar com o óleo artesanal sua filha Sofia, de 11 anos,
diagnosticada com a síndrome CDKL5, doença rara que causa epilepsia reversa,
mais resistente a medicamentos comuns.
Em
2013, ela e o marido souberam de uma criança americana que usava um óleo rico
em CBD (canabidiol) para aliviar sintomas dessa síndrome. Escreveram para os
pais para saber do remédio. Na época, a vigilância sanitária ainda
não permitia a importação da substância para o Brasil, então o casal recorreu à
importação ilegal. "Ou tráfico internacional de drogas. Algo que é vendido
nos Estados Unidos como suplemento alimentar", diz a advogada.
Ainda
assim, a família ficou refém do cultivo clandestino por anos até que a Justiça
liberasse o habeas corpus em novembro de 2016. "Eu sempre tive uma
intuição de que eu estava no caminho certo, e o que eu estava fazendo não era
crime. Eu achava um absurdo as pessoas acharem que aquilo era crime",
comenta Brito.
Pai
mostra como produz óleo de maconha em casa
"A
doença não espera", afirma Carlos, que há um ano aguarda o parecer da
Justiça. E ele não é o único a se sentir assim. De acordo com os dados da Rede
Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, até setembro de 2018, apenas 25
brasileiros possuíam o direito de cultivar maconha para fins medicinais. Até o
momento, as autorizações dizem respeito a pacientes com diagnóstico de dor
neuropática, epilepsia, Parkinson, esclerose, artrose e câncer.
Para
o médico Ricardo Ferreira, especialista em coluna e tratamento de dor, é
necessário que a Anvisa se mobilize o quanto antes para
regulamentar o cultivo de maconha medicinal. "E eu acho que ninguém
deveria ter o poder de inibir uma pessoa de buscar a melhoria da sua qualidade
de vida, nenhuma lei, nenhuma regulamentação e muito menos uma agência regulamentadora
como a Anvisa, que deveria prezar pela vida."
Terra
- notícias
0 comentários:
Postar um comentário