Opinião
é de Ana Paula Martinez, sócia de Concorrência do Levy e Salomão, eleita
‘melhor advogada do mundo’
Ana
Paula Martinez, avalia que um dos desafios para o futuro do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica é “coordenar esforços com as autoridades
públicas que têm competência para atuar nos casos em que o Cade também atua,
ainda que com foco diverso”.
Ela
se refere à Controladoria-Geral da União (CGU), além de controladorias
estaduais, tribunais de contas, ministérios públicos e procuradorias de entes
públicos lesados por cartéis e o Poder Judiciário.
Segundo
Ana Paula, que em 2016 foi eleita a “melhor advogada do mundo” no setor
antitruste pela revista Global Competition Review (GCR), deve-se também
preservar a jurisprudência e a cultura do órgão “em um cenário em que quatro
dos seis conselheiros (sem contar o presidente) verão seu mandato expirar no
segundo semestre de 2019”. Os novos serão indicados pelo presidente a ser
eleito neste ano.
Leia
a entrevista na íntegra:
Como
avalia a possibilidade de a ProCade começar a ingressar com ações de reparação
de danos por cartel, conforme dito pelo Walter Agra na última edição de Por Dentro
do Antitruste?
O
grande cuidado aqui é preservar o Programa de Leniência. A promoção de ações de
reparação de danos por cartel, como política institucional do Cade, pode, sem
os cuidados adequados, criar desincentivos ao programa no médio e longo prazo.
Isso porque, nos termos da legislação vigente, há responsabilidade solidária
entre todos os co-partícipes de um ilícito.
Como
o signatário da leniência já confessou e naturalmente apresentou mais
informações sobre os danos causados, há maior probabilidade de que ele seja o
alvo preferencial dessas ações. Vide, por exemplo, o caso da Siemens em 2013 –
a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo ingressou apenas com ação de danos
contra o signatário da leniência. O pólo passivo foi posteriormente aditado,
mas é claro que há uma exposição muito grande. Há Projeto de Lei no Senado (PLS 283/2016) que afasta essa responsabilidade solidária e
preservaria os incentivos para o Programa de Leniência. Esse mesmo PLS prevê
ressarcimento em dobro no caso de danos causados por infração à ordem
econômica, não aplicável para aqueles signatários de acordo que apresentarem
documentos ao Cade que permitam a correta estimação dos danos.
Qual
tem sido o impacto dos casos da Lava Jato no Programa de Leniência do Cade?
Podemos
identificar dois impactos principais. O primeiro é o aumento no número de
acordos firmados: dos 85 acordos assinados de 2003 a 2018, 22 referem-se a
casos oriundos da Lava Jato, correspondendo a 25% do total em um intervalo de
tempo relativamente curto.
Outro
efeito foi a promoção da chamada “Leniência Plus”. Um partícipe de cartel que
não se qualificar para a celebração de um acordo de leniência em relação à
determinada conduta sob investigação (por ter sido o segundo a se candidatar,
por exemplo), mas que fornecer informações acerca de um outro cartel, e cumprir
com os demais requisitos do programa, receberá todos os benefícios da leniência
em relação à segunda infração e redução de um terço da pena que lhe seria
aplicável com relação à primeira infração.
O
primeiro desses acordos foi firmado em 2015, tendo sido apresentados outros 20
pedidos até agosto de 2018, impulsionados pela Lava Jato. Por fim, acredito que
o robusto Programa de Leniência do Cade serviu de parâmetro para os acordos de
leniência abarcando fatos anticorrupção firmados pelo Ministério Público e pela
CGU.
Como
tem sido a avaliação do Cade em atos de concentração, principalmente em
mercados concentrados, como foi o caso de operações recentes que acabaram
reprovadas? Nesse sentido, qual a dificuldade do advogado antitruste para
aprovar uma operação?
O
Cade tem sido cada vez mais restritivo na análise de atos de concentração,
desde a entrada em vigor do controle prévio em maio de 2012. Duas operações
foram impugnadas em 2012, comparadas com uma média de 10 operações impugnadas
por ano de 2014 a 2017. Isso não quer dizer que o órgão acerte sempre –
reprovar uma operação ou aprová-la com restrições sem necessidade pode trazer
mais prejuízos do que aprovar operações que deveriam estar sujeitas a
restrições.
A
autarquia tem investido consistentemente na capacitação do corpo técnico e é
comprometido em proferir decisões dentro de um prazo razoável e essas medidas
têm muito mérito. Além disso, parece estar atento para no curso da análise não
se deixar permear por interesses privados de terceiros que não estão orientados
à preservação da concorrência. Nesse contexto, o Cade acertou, por
exemplo, no AC Essilor/Luxottica, operação complexa aprovada sem restrições
pela Superintendência, com impugnação da decisão apresentada por um terceiro
que foi rejeitada pelo Tribunal.
O
uso do Cade de arbitragem como mecanismo de solução de controvérsias é
adequado?
O
Cade tem feito uso recorrente do mecanismo no contexto de ACCs e TCCs que lidam
com preocupações em mercados verticalmente relacionados. O desafio aqui é que a
arbitragem não pode dispor de temas de direito público, mas poderia apenas
tratar de temas de interesse privado entre as partes. Ainda que possa ser um
mecanismo útil nesse contexto privado, surge a questão da adequação do modelo
pelo Cade. Em outras palavras, se é tema de interesse público, de competência
do Cade, não caberia à arbitragem resolver. Se o tema é de interesse privado,
por que então o Cade deveria se envolver? Há outro potencial complicador – em
geral, nos casos de mercados verticalmente relacionados, há obrigação de não discriminação.
Como assegurar isso se uma mesma questão for apreciada por diferentes tribunais
arbitrais?
Quais
os desafios do Cade para o futuro?
Um
desafio é preservar a jurisprudência e a cultura do órgão em um cenário em que
quatro dos seis conselheiros (sem contar o presidente) verão seu mandato
expirar no segundo semestre de 2019. Há também necessidade de coordenar
esforços com as autoridades públicas que têm competência para atuar nos casos
em que o Cade também atua, ainda que com foco diverso (CGU e controladorias
estaduais, tribunais de contas, ministérios públicos, procuradorias de entes
públicos lesados por cartéis, Poder Judiciário, etc).
Sobre
questões mais de mérito, há o desafio de saber lidar com novas tecnologias e
seu impacto sobre a concorrência (atos de concentração envolvendo
empresas de tecnologia, novos padrões de análise de condutas em mercados
digitais e relevância da inovação na análise antitruste). Entender o que é
tendência e o que já é realidade é fundamental para uma análise correta de
operações e condutas.
GUILHERME
PIMENTA – Repórter em São Paulo, acompanha mercado de capitais,
concorrência e crimes financeiros. E-mail: guilherme.pimenta@jota.info
GUSTAVO GANTOIS – Editor em Brasília
GUSTAVO GANTOIS – Editor em Brasília
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