A Quarta Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) decidiu que os planos de saúde devem pagar pelo uso off
label de medicamento registrado na Anvisa. A decisão unifica o
entendimento do tribunal sobre a questão, pois a Terceira Turma, que também
analisa processos de direito privado, já havia se manifestado no mesmo sentido de que a falta de
indicação específica na bula não é motivo para a negativa de cobertura do
tratamento.
No recurso especial, a operadora do
plano de saúde contestava acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)
que deu provimento ao pedido de uma beneficiária que precisava usar medicação
fora das hipóteses da bula em tratamento da doença trombocitemia essencial.
A paciente tinha a medicação custeada
pelo plano, mas, ao precisar trocar o remédio por causa da gravidez, teve o
pedido de cobertura negado. A médica prescreveu outro fármaco permitido durante
a gestação, mas cuja bula não o indicava para aquela doença. A operadora
invocou orientação da Agência Nacional de Saúde (ANS) no sentido da
inexistência de obrigação de cobertura para tratamento off label.
Segundo o relator do caso, ministro
Luis Felipe Salomão, o off label corresponde ao uso
“essencialmente correto de medicação aprovada em ensaios clínicos e produzida
sob controle estatal, apenas ainda não aprovado para determinada terapêutica”.
O ministro explicou que, embora o uso
de medicação fora das hipóteses da bula deva ter respaldo em evidências
científicas (clínicas), ele seria corriqueiro “e, sob pena de se tolher a
utilização, para uma infinidade de tratamentos, de medicamentos eficazes para a
terapêutica, não cabe, a meu juízo, ser genericamente vedada sua utilização”.
Em seu voto, Salomão disse que tal
forma de tratamento é respaldada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Citou
o Enunciado 31 da I Jornada de Direito da Saúde, que recomenda ao
juiz, nesses casos, a obtenção de informações do Núcleo de Apoio Técnico ou
Câmara Técnica e, na sua ausência, de outros serviços de atendimento
especializado, tais como instituições universitárias e associações
profissionais.
Tratamento experimental
Nas alegações do recurso, a operadora
argumentou que o artigo
10 da Lei 9.656/98 expressamente excluiria da relação contratual a
cobertura de tratamento clínico ou cirúrgico experimental, fornecimento de
medicamentos importados não nacionalizados e tratamentos não reconhecidos pelas
autoridades competentes.
No entanto, o ministro Salomão
explicou que há uma confusão entre os conceitos de uso off labele
tratamento experimental. Segundo ele, a lei que regula os planos de saúde deve
ser interpretada em harmonia com o artigo 7º da Lei 12.842/13, que estabelece entre
as competências do Conselho Federal de Medicina (CFM) – e não da Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – a edição de normas para definir o caráter
experimental de procedimentos em medicina, autorizando ou vedando sua prática
pelos médicos.
Assim, explicou o ministro, ainda que
não tenha uma definição uniforme, o CFM entendeu que o uso off label ocorreria
por indicação médica pontual e específica, sob o risco do profissional que o
indicou. Em seu voto, o relator informou que o CFM optou por não editar norma
geral para tratar do uso de remédios fora das hipóteses da bula, pois entendeu
que estaria disciplinando de forma genérica situações que são específicas e
casuísticas.
Segundo Salomão, há expressa vedação
legal ao fornecimento de medicamento sem registro na Anvisa e à cobertura de
tratamento experimental, “não havendo cogitar, nessas hipóteses, em existência
de legítima pretensão a ensejar o ajuizamento de ação vindicando o fornecimento
de remédio, pela operadora de plano privado de saúde, em flagrante desacordo
com a legislação sanitária e de regência dos planos e seguros de saúde”.
O relator ressaltou que o Instituto
de Defesa do Consumidor (IDEC) apresentou entendimento sobre o conceito de
tratamento experimental, quando convidado, como amicus curie, a
trazer subsídios no julgamento do REsp 1.628.854. Para o IDEC, o tratamento experimental
teria o intuito de pesquisa clínica e não propriamente de tratamento. O
objetivo seria o de alcançar resultado eficaz e apto ao avanço das técnicas
terapêuticas empregadas, ocorrendo em benefício do pesquisador e do
patrocinador da pesquisa.
Por entenderem que o uso de
medicamento off label não corresponde a uso incomum e não traz
risco à saúde da autora, os ministros confirmaram a decisão das instâncias
ordinárias e negaram provimento ao recurso especial da operadora.
Esta notícia refere-se
ao(s) processo(s):REsp 1729566
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