Estudos mostram que pessoas
propensas a problemas mentais geralmente são mais atraídas por entorpecentes
Um estudo conduzido pela
pesquisadora Patricia Conrod, professora de psiquiatria da Universidade de
Montreal, no Canadá, chegou a uma conclusão preocupante: o uso de maconha por
adolescentes aumenta diretamente o risco de desenvolvimento de psicose. O
estudo foi publicado no início do mês de junho, pelo respeitado jornal JAMA Psychiatry.
O levantamento contou com a
participação de 3.720 adolescentes da área metropolitana de Montreal que, por 4
anos, responderam a uma pesquisa anual e sigilosa via internet, na qual
relatavam o uso ou não de cannabis e sintomas de psicose. O número representa
76% dos alunos da 7ª série que frequentam 31 escolas secundárias na região. A
pesquisa foi dividida em quatro períodos, com intervalo de 12 meses entre eles.
No primeiro, os participantes tinham uma média de idade de 12,8 anos.
O resultado? Em todos os
períodos foram identificadas, em níveis estatísticos relevantes, associações
positivas entre o uso de maconha e sintomas de psicose, relatados um ano após o
consumo da droga. Além disso, 86,7% dos participantes tiveram, no mínimo, dois
períodos com relatos de sintomas de psicose. Já 94,4% dos adolescentes também
relataram ao menos dois períodos de uso de cannabis. Tal situação demonstra-se
preocupante no país, pois, segundo Conrod, pesquisas indicam que
aproximadamente 30% dos estudantes mais velhos do ensino médio na província
canadense de Ontário usam maconha.
A busca pela causalidade
O principal objetivo deste
estudo era identificar ou descartar se o consumo de maconha estava diretamente
relacionado ao surgimento posterior de sintomas da doença, em um cenário com
alguns desafios. O primeiro? É durante a adolescência que geralmente começam
tanto a psicose, quanto o uso de cannabis. O segundo: as informações sobre
causalidade ainda são escassas. Grande parte desta situação se deve à forma
como a maior parte das pesquisas sobre o tema tem sido feita até então,
utilizando metodologias que promovem resultados sujeitos a questionamentos.
Para superar tais desafios, os
pesquisadores usaram uma técnica complexa chamada Random Intercept Cross-Lagged
Panel Model (RI-CLPM), que promove a coleta, análise e cruzamento de dados em
diversos níveis.
As informações coletadas foram
avaliadas em um teste de sintomas similares aos psicóticos em adolescentes, e
em uma escala de seis pontos de frequência de uso de maconha. Dentre outras
medidas, a técnica permitiu a análise individual das respostas dos
participantes, por período e de forma geral, a comparação com o grupo e também
dos perfis dos adolescentes.
Com os resultados finais em
mãos, os pesquisadores puderam identificar de forma segura e individual se o
aumento no consumo de maconha precede o aumento dos sintomas de psicose, e
vice-versa. Foi possível inclusive diferenciar causalidade direta e associações
temporais entre a droga e a doença.
É importante ressaltar que a
pesquisa baseia-se em relatos dos adolescentes. Porém, os pesquisadores levaram
isso em consideração, tendo estudado trabalhos anteriores, que indicam que a
taxa de acerto em tais relatos varia de 80% a 100%. Além disso, a mecânica da
pesquisa, totalmente confidencial e sem oferecer consequências aos jovens,
proporcionou garantias aos adolescentes, que se sentiam mais à vontade para
responder os questionamentos.
A importância dos resultados
Este estudo é hoje o teste
mais rigoroso que se tem conhecimento sobre o assunto. A literatura médica
mostra que pessoas propensas a problemas mentais geralmente são mais atraídas
por entorpecentes, mas o levantamento mostra o caminho contrário - no caso da
maconha, pessoas sadias que consomem a droga, mesmo sem histórico familiar de
doença mental ou maior suscetibilidade aos efeitos da substância, têm um risco
maior de desenvolvimento de psicose do que quem não é usuário.
A novidade chega em um momento
muito importante para o Canadá, que aprovou o consumo e cultivo da droga para
maiores de 18 anos a partir de outubro. Muito se fala a respeito da diminuição
da criminalidade e também do valor bilionário que pode ser arrecadado em
impostos com a legalização e venda de maconha. Mas estas alegações precisam ser
debatidas.
No primeiro caso, creio que se
trata de uma conjectura, pois não existem dados conclusivos que demonstrem que
a descriminalização acabe com o tráfico. Se atualmente ele já promove um
mercado paralelo de cigarro e bebidas alcoólicas
(contrabandeados ou falsificados), o que o impedirá de fazer o mesmo com a
maconha? O European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction indica que
em Portugal, que descriminalizou o consumo de drogas, o tráfico até aumentou.
Já com relação aos impostos
arrecadados, fico me questionando se tal valor compensa o impacto que
certamente será provocado à saúde dos usuários e, consequentemente, à rede
pública de saúde. A entidade governamental norte-americana Centers for Disease
Control and Prevention (CDC) estimou em 2016 que o abuso de álcool, uma droga
legal, custava aos contribuintes, setor industrial e cofres públicos dos
Estados Unidos 249 bilhões de dólares por ano (mais de 921 bilhões de reais).
Você não leu errado, as cifras são impressionantes e seguem a linha de outros
levantamentos que também apontam impactos bilionários.
Com isso em mente, afirmo:
medidas como essa não podem ser tomadas baseando-se em debates filosóficos. Se
cercar das melhores informações, para tomar decisões abalizadas em fatos é
crucial. Porém, enquanto as evidências científicas confiáveis apontam para um
lado, as políticas públicas (muito afetadas por lobby político ou financeiro)
seguem para outro. Não se pode brincar com a vida das pessoas, mas,
infelizmente, é isso que está acontecendo.
Quem faz Letra de Médico
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Adriana Vilarinho,
dermatologista
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Antônio Frasson, mastologista
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endocrinologista
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endocrinologista
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Roberto Kalil, cardiologista
Ronaldo Laranjeira, psiquiatra
Salmo Raskin, geneticista
Sergio Podgaec, ginecologista
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