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sexta-feira, 17 de junho de 2022

Lei que poderia validar o uso do Kit Covid afeta tratamento de pacientes do SUS

A nova legislação valida o uso off-label de medicamentos oftalmológicos; pacientes começam a ser impactados

SILVIA SFEIR


Crédito: Unsplash

CONTEÚDO PATROCINADO

Este texto foi elaborado e/ou editado pelo patrocinador

Desde março deste ano está em vigor a lei 14.313/221, que altera a lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde), para dispor sobre os processos de incorporação de tecnologias ao Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre a utilização, pelo SUS, de medicamentos cuja indicação de uso seja distinta daquela aprovada no registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), também chamados de off label.

A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) agora pode recomendar a incorporação de medicamentos que não tenham aprovação sanitária da Anvisa. Na prática, os médicos estariam autorizados a prescreverem medicamentos para pacientes do SUS com indicação de uso diferente ou não aprovado pela Anvisa.

A vigência dessa lei está dando o que falar no setor de saúde e diversas frentes estão se pronunciando. A Sindusfarma2, por exemplo, divulgou uma nota na qual afirma que “manifesta extrema preocupação quanto aos riscos aos pacientes”. Vale lembrar, inclusive, que a lei não está regulamentada e que o seu processo de aprovação não seguiu a legislação, burlando os rituais da Conitec e violando diversos tópicos como, por exemplo, a ausência de uma consulta pública.

Os efeitos práticos da aprovação dessa lei já começam a ser vistos. Em maio, a Conitec aprovou o uso no SUS do bevacizumabe para tratamento de Degeneração Macular Relacionada a Idade (DMRI), doença degenerativa na retina que causa, gradualmente, a perda da visão em pessoas idosas. A autorização aconteceu apesar do próprio SUS já contar com outros dois produtos para o tratamento desta doença, ambos com aprovação da Anvisa para tal. Além disso, o rito de incorporação da própria CONITEC não foi seguido, como: apresentação de dados clínicos comprovando a eficácia e segurança do medicamento, votação dos integrantes da plenária, consulta pública de 20 dias para envolver diversos interessados no assunto, retorno desta consulta e nova votação.

Vale ressaltar que o uso off label oftalmológico do bevacizumabe consiste em uma injeção ocular e está associado a um fracionamento da ampola em múltiplas doses, e tanto a recomendação quanto o uso não são indicados pelo fabricante. As perguntas que faço são: por que incluir um produto sem aprovação para tratar DMRI sendo que já existem medicamentos disponíveis no SUS e devidamente autorizados pela Anvisa para este fim? Por que a responsabilidade deve ser compartilhada com o paciente caso qualquer evento venha a ocorrer, uma vez que, mesmo não tendo conhecimento técnico, ele é obrigado a assinar um Termo de Esclarecimento e Responsabilidade? A justificativa do preço aparentemente não é um caminho. Afinal, os três medicamentos estariam incluídos no mesmo procedimento (Autorização de Procedimentos Ambulatoriais – APAC) sem distinção de qual droga seria utilizada.

A Anvisa3 também se manifestou a respeito da segurança do paciente: “A autorização e incorporação de uso não previsto em bula, sem o respaldo técnico científico e a adequada farmacovigilância, obtido no processo regular de aprovação de registro de medicamento no Brasil, pode resultar em ônus ao sistema de saúde público e até mesmo às operadoras de planos de saúde, afetando o mercado sanitário nacional”.

O fato é que a Anvisa é o único órgão regulador atual no Brasil que dispõe de tecnologias necessárias e profissionais capacitados para avaliar se o medicamento deve ou não estar disponível no país. É fácil lembrar que, no auge da pandemia, a agência foi contra a aprovação do kit COVID, por exemplo. E, caso a lei fosse aprovada antes, o kit COVID poderia ter sido prescrito e utilizado pela população usuária do SUS – o que corresponde a cerca de 75% dos brasileiros.

Em caso de uma contaminação, má qualidade do produto fracionado ou se o paciente vier a apresentar efeitos adversos não mapeados ou uma piora em seu quadro por ter usado um medicamento sem a devida aprovação da Anvisa, quem será o responsável em responder e coletar os dados de farmacovigilância destes medicamentos off label se mesmo o fabricante é contrário a seu uso fora da indicação da bula? Quem é responsável pelos efeitos adversos e pela não melhora do estado do paciente? Médicos, Sociedades Médicas ou o Ministério da Saúde? Além disso, ainda há a transferência de responsabilidade para o paciente, que é leigo e não deveria ter que tomar decisões extremamente técnicas como esta.

1 Fonte: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2022/lei-14313-21-marco-2022-792405-norma-pl.html

2 Fonte: https://sindusfarma.org.br/noticias/indice/exibir/17260-nota-posicionamento-da-industria-farmaceutica-sobre-a-publicacao-da-lei-no-143132022

3 Fonte: https://static.poder360.com.br/2022/03/nota-avisa-lei-14313-22mar2022.pdf

SILVIA SFEIR – Diretora de Negócios Institucionais & Acesso ao Mercado da Divisão Farmacêutica da Bayer

https://www.jota.info/

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