André Julião | Agência FAPESP– Um grupo que reúne pesquisadores do Brasil e de Portugal desvendou as
alterações moleculares que indicam a resistência de tumores de cabeça e pescoço
ao cetuximab, uma das poucas terapias aprovadas para esse tipo de câncer. Cerca
de 60% dos pacientes não respondem bem ao tratamento.
Com os resultados, publicados
na revista Cells, espera-se que os médicos possam em breve prever quais
pacientes responderão ou não ao tratamento, considerado de alto custo. Baseados
nos resultados, os pesquisadores sugerem ainda testar combinações do cetuximab
com outros fármacos, a fim de reverter a resistência ao agente.
“O tratamento para os tumores
de cabeça e pescoço tem evoluído relativamente pouco e evolve ainda basicamente
cirurgia, radioterapia e quimioterapia. O cetuximab é revolucionário, por ser
uma terapia específica para um receptor celular bastante alterado nesses
tumores, conhecido pela sigla EGFR”, explica Rui Manuel Reis, pesquisador do
Hospital de Amor – anteriormente conhecido como Hospital do Câncer de Barretos
– e da Universidade do Minho, em Portugal.
Até então, não se sabia o que
causava a resistência ao medicamento em uma parcela dos pacientes com tumores
de cabeça e pescoço. Esse é um fator decisivo na decisão sobre como tratá-los.
Além disso, a incapacidade de prever o sucesso do tratamento de alto custo faz
com que ele não seja incluído no rol de medicamentos cobertos pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) para esse tipo de câncer.
O cetuximab, porém, é
utilizado de forma personalizada para tratar o câncer colorretal metastático,
uma vez que existem testes genéticos para as mutações nos genes KRAS, NRAS e
BRAF que predizem a resistência ao medicamento. A droga somente é administrada
aos pacientes com potencial de responder de forma positiva.
O estudo publicado agora abre
caminho para o desenvolvimento de abordagens personalizadas também para tumores
de cabeça e pescoço.
“Analisamos linhagens
resistentes – em nível de DNA, RNA e proteínas – e encontramos alguns
biomarcadores que foram bastante expressos, como a proteína mTOR. Nossa
proposta é também usar regimes de combinação do cetuximab com fármacos que
inibam essas proteínas expressas, revertendo esse fenótipo de resistência”,
conta Izabela Faria Gomes, que realizou o trabalho durante doutorado no
Hospital de Amor com bolsa da FAPESP.
Atualmente, existem inibidores
específicos da proteína e da via mTOR disponíveis no mercado. Dessa forma, a
proteína que é expressa na linhagem resistente poderia ser inibida em regimes
de combinação com outros fármacos que atuam sobre outras proteínas da mesma via
de sinalização celular.
Linhagens resistentes
Para descobrir os mecanismos
de resposta ao fármaco que podem estar ocorrendo, o grupo de Barretos
desenvolveu um modelo in vitro para mimetizar a resistência que ocorre nos
tumores dos pacientes.
Uma linhagem de tumor de
cabeça e pescoço inicialmente sensível ao medicamento foi cultivada em
laboratório e “bombardeada” por um ano com o cetuximab. As células que
sobreviveram, ou seja, que desenvolveram resistência, foram então analisadas
pelos pesquisadores por meio de diversas ferramentas moleculares para que se
pudesse entender o que as tornava diferentes.
“Fizemos uma pressão seletiva
nessa linhagem de tumor. À medida que ficava mais tempo exposta ao medicamento,
ela se tornava mais resistente. Todas as alterações moleculares foram ficando
mais visíveis”, relata Renato da Silva Oliveira, pesquisador que desenvolveu o
método durante seu doutorado no Centro de Pesquisa em Oncologia Molecular do
Hospital de Amor, sob orientação de Reis.
O modelo de resistência criado
pelos pesquisadores está no momento sendo aperfeiçoado em parceria com o
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e com a Universidade do
Alabama, nos Estados Unidos.
Futuramente, pode dar origem a
um teste específico para detectar a resistência dos tumores de cabeça e pescoço
à droga. Caso evolua para essa fase, o estudo poderá ser realizado em parceria
com o A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, onde alguns pacientes são tratados
com o cetuximab.
O próximo passo da pesquisa é
validar os achados em modelos animais e em pacientes refratários à terapia com
cetuximab. Além disso, em estudos futuros, poderão ser testados regimes de
combinações entre cetuximab e outros agentes terapêuticos.
O artigo Comprehensive
Molecular Landscape of Cetuximab Resistance in Head and Neck Cancer Cell Lines
pode ser lido em:
https://www.mdpi.com/2073-4409/11/1/154/htm#B14-cells-11-00154
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