Há duas semanas, concluindo um
trabalho que reuniu mais de 20 ministérios e agências públicas, Bruno
Caligaris, diretor de Projetos Estratégicos na Secretaria de Assuntos
Estratégicos (SAE) da Presidência da República (PR) entregou um relatório que
propõe sugestões para a governança da geoinformação no país – um tema
fundamental e por diversas vezes tratado aqui no Geocracia.
Entregue ao Comitê de
Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, subordinado ao Gabinete de
Segurança Institucional da PR, o documento apresenta soluções a “um setor que
deve ser encarado como infraestrutura essencial para o futuro do país”, nas
palavras do próprio Caligaris, que é ex-subsecretário de Planejamento e
Orçamento do Ministério da Segurança Pública e ex-secretário Especial de
Relações Institucionais da Secretaria de Governo da Presidência da República.
Em entrevista exclusiva ao
Geocracia, Caligaris diz que a sugestão do grupo foi além da recriação da
Comissão Nacional de Cartografia, extinta em 2019: “[A Concar] produziu bons
resultados, mas lhe faltava poder político. Por isso, a sugestão do grupo foi
criar um colegiado de alto nível, o Conselho Nacional de Geoinformação”,
revela, explicando que o novo órgão, que ficaria responsável pela zeladoria da
geoinformação nacional, seria composto por câmaras técnicas e comitês temáticos
identificados a partir dos principais macroprocessos relacionados ao tema e
teria status de secretaria executiva, podendo fazer a articulação técnica e
política com diversas entidades que produzem e consomem
geoinformação.
Acompanhe, a seguir, a
entrevista na íntegra.
No final de maio foi entregue
o relatório, acompanhado de minuta de Decreto, propondo uma governança para a
Geoinformação Nacional. Como foi este processo?
Foram dois processos distintos
que se juntaram. Por um lado, o Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial
Brasileiro percebeu que a carência de uma governança para a geoinformação afeta
o desenvolvimento do Programa, uma vez que a demanda por geoinformação é um
fator que interfere na consolidação do setor.
Por outro lado, a Secretaria
de Assuntos Estratégicos se debruçou sobre o prejuízo que a falta de
coordenação em ações relacionadas à geoinformação vem acarretando às políticas
públicas de maneira geral e, também, a algumas iniciativas privadas. Começamos,
então, um movimento de articulação transversal e encontramos o Programa
Espacial a ponto de instalar um grupo de trabalho com finalidade convergente.
Juntamos, então, os esforços para discutir e propor uma governança para
geoinformação nacional.
O que seria “uma trilha de
governança a ser seguida a partir de um colegiado que zele pelo planejamento
estratégico em alto nível e convirja para as ações técnicas”, como afirmou no
LinkedIn, assim que o relatório foi entregue? Teremos a volta da Concar ou foi
possível pensar além?
Excelente pergunta. Muitas
vezes, quando pensamos na solução de um problema, tendemos a vislumbrar a forma
ideal de sua solução. Entretanto, é comum que a forma ideal não seja possível,
viável de implementação ou que para se chegar na forma ideal seja preciso
passar por etapas anteriores, inclusive de amadurecimento. Foi pensando dessa
forma que traçamos uma trilha de governança. Existem várias formas de se fazer
governança e, no caso da geoinformação, por existirem vários atores produzindo
e/ou consumindo dados, a complexidade aumenta.
Então, para não ficarmos
presos na discussão do ideal, optamos, enquanto grupo, por vislumbrar um
processo de governança ideal, a ser amadurecido ao longo do tempo, de maneira a
se atingir o ideal no futuro. Evidentemente, demos destaque para os parâmetros
de governança a serem desencadeados mais no curto prazo, entendendo que, se bem
trabalhados, o amadurecimento das instituições que compõem o ambiente de
geoinformação levará com mais naturalidade às próximas fases da trilha de
governança.
Em relação à volta da Concar,
fomos além. Entendemos que, enquanto colegiado técnico, ela produziu bons
resultados, mas lhe faltava, naturalmente, poder político. Por isso, a sugestão
do grupo foi em três sentidos complementares. Primeiro, criando um colegiado de
alto nível que zele pela condução estratégica da geoinformação nacional, o
Conselho Nacional de Geoinformação. Segundo, pelas câmaras técnicas/comitês
temáticos que compõem esse Conselho, identificados a partir dos principais
macroprocessos relacionados à geoinformação. Por fim, a importância de uma
secretaria executiva capaz de fazer a articulação técnica e política entre
esses diversos atores. Sugerimos que essa secretaria executiva seja feita por
um órgão do Centro de Governo, capaz de articular com maior naturalidade os
diversos órgãos que produzem e consomem geoinformação.
Leia também:
- Cárita Sampaio: “É urgente uma instância federal para
regular geoinformação”
- José Damico: “Falta de agência de dados permite
‘pseudoautonomia’ a órgãos públicos”
- Regis Bueno: “Precisamos de um ‘maestro’ federal na gestão
de terras”
Com a Geoinformação tendo se
transformado em uma infraestrutura essencial para o futuro do país, existe a
percepção de que o Brasil precisa regular mapas e torná-los oficiais ou ainda
adotaremos a premissa de que os mapas são uma commodity e qualquer cartograma
basta para resolver qualquer tipo de necessidade pública? E com relação aos
debates acalorados entre cartografia militar e civil? Como o relatório
enfrentou este tema e buscou harmonizá-lo?
Esses e outros temas
importantes serão discutidos e encaminhados no âmbito das câmaras técnicas do
Conselho Nacional de Geoinformação. Em que pese haver diversos temas
importantes a serem debatidos e solucionados, o grupo optou, de maneira
acertada a meu ver, por não entrar nesses temas, sob pena interditar o debate e
nem resolver os problemas nem propor uma governança para a geoinformação.
Um dos principais usuários
deste sistema é o setor Agro. O presidente da Indonésia lançou o One Map Policy(Política Pública do Mapa Único, em
tradução livre), em 2018, e, por conta de passar a poder comprovar a
procedência de seus produtos, conseguiu valorizar as commodities nacionais em
mais de 100%. É possível pensar que o setor Agro será um aliado nesta
construção setorial?
Enquanto ator de
geoinformação, o setor agro já é um aliado importante. A imensa maioria dos
agricultores nacionais produz em áreas próprias para o cultivo, mantém o
percentual adequado da sua área para preservação ambiental e não desmata
ilegalmente. Para essa imensa maioria dos empresários agrícolas, ter à
disposição ferramentas tecnológicas que os ajudem a comprovar tudo que já
fazem, será evidentemente positivo.
Do ponto de vista público, o Ministério da Agricultura tem sido nosso parceiro em outras iniciativas inovadoras, como o Plano Nacional de Fertilizantes e a Rede Nacional de Meteorologia. O Ministro fomenta inciativas que possam permitir o avanço da produtividade da agricultura. Sem dúvida a utilização da geoinfomação pelo setor vai nesse sentido. Então, é natural supor que o setor como um todo será um grande aliado.
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