Conclusão foi apresentada por
pesquisadores do Hospital de Amor na revista Cancers. Grupo analisou, em
diversos países latino-americanos, iniciativas e diretrizes de implementação da
testagem molecular para o vírus, que ainda não é padrão no Brasil
Além da cultura do sistema de saúde brasileiro, com médicos e pacientes habituados à realização do exame preventivo de Papanicolaou, o maior desafio visto para a implementação do teste de HPV seria financeiro
Entre os tumores mais
diagnosticados no Brasil, os de colo uterino ocupam a quarta posição no
ranking. São também a quarta causa de morte por câncer, embora possam ser
prevenidos por meio de vacinação e de um teste capaz de detectar o HPV –
particularmente os tipos 16 e 18 desse vírus, considerados de alto risco
oncogênico.
A forma de se obter a amostra
para o teste de HPV é semelhante à do exame de Papanicolaou: células do
colo do útero são coletadas, preferencialmente com uma escova específica para
esse fim. No laboratório, por meio de uma tecnologia conhecida como PCR (reação
em cadeia da polimerase), observa-se a presença ou não do DNA de diferentes
tipos do vírus no colo do útero.
No entanto, o rastreamento no
país ainda é feito primariamente por meio do exame citológico (Papanicolaou),
que apresenta baixa sensibilidade quando comparado ao teste molecular
específico para identificação do HPV. O maior impedimento para sua adoção
seriam os valores envolvidos na alteração do sistema atualmente adotado. Porém,
de acordo com uma pesquisa feita no Hospital de Amor (antigamente chamado
Hospital do Câncer de Barretos), o método já é realidade em países da América
Latina e poderia, sim, ser utilizado de maneira custo-efetiva no Brasil, o país
mais rico da região. A conclusão foi publicada na revista Cancers.
Com apoio da Fapesp (projetos
20/00445-6 e 18/22017-6), os pesquisadores fizeram uma revisão dos estudos já
publicados sobre o tema. Também levantaram informações oficiais sobre triagem
primária com teste de HPV em oito países. No caso do México, o exame é feito de
forma gratuita em todos os territórios. Já Argentina, Chile e Peru o adotaram
apenas em determinadas regiões. Em El Salvador e Guatemala, a triagem com
testes moleculares específicos é recomendada nacionalmente.
No Brasil foram realizados
dois estudos-pilotos (um na capital paulista e outro em Indaiatuba, interior do
Estado), cujos resultados corroboram a premissa de que a implementação dos
testes de HPV na triagem primária feita pelo sistema público de saúde é não
apenas viável, mas recomendável por seu potencial na redução da morbidade e
mortalidade por câncer de colo de útero.
“A ideia de nossa pesquisa é
pautar uma política pública para pensarmos se a implementação seria interessante
em nível nacional, considerando custo e efetividade”, explica Luani Rezende
Godoy, bacharel em biotecnologia e doutoranda do Grupo de HPV do Centro de
Pesquisa em Oncologia Molecular (CPOM) do Hospital de Amor.
“Os resultados nos
surpreenderam positivamente porque sabíamos que o exame era comumente realizado
em países europeus, mas desconhecíamos sua viabilidade efetiva em outro
contexto.”
Segundo os autores, observar a
população latino-americana foi importante por conta de sua heterogeneidade e
dos altos índices de carcinomas cervicais provocados por diferentes tipos de
HPVs, dependendo das regiões e dos cuidados a que as mulheres têm acesso.
“Identificar essas diferenças
de forma abrangente e robusta pode produzir dados que nos orientem a introduzir
estratégias de prevenção mais eficazes”, afirma Adhemar Longatto Filho,
professor convidado da Faculdade de Medicina da Universidade do Minho, em
Portugal, pesquisador científico visitante do Departamento de Patologia da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e coautor da
revisão.
Teste na idade correta
No Brasil, o Papanicolaou é
realizado a partir dos 25 anos de idade, fase de atividade sexual
presumivelmente mais frequente e, portanto, de maior contato com o vírus HPV.
Na maioria das vezes, o microrganismo não permanece no corpo por tempo
suficiente para causar as alterações que levam ao surgimento do câncer de colo
de útero. Desse modo, mulheres jovens abaixo dos 25 anos, muitas vezes, acabam
submetidas a um exame desnecessário para sua idade.
A realização do teste
específico de HPV, por sua vez, é indicada na Europa e nos Estados Unidos para
mulheres acima de 30 anos, quando já é possível reconhecer infecções
persistentes.
Outras vantagens do teste de
HPV são o maior intervalo entre exames (por conta do alto valor preditivo
negativo recomenda-se a cada cinco anos, em vez dos três indicados oficialmente
para o exame citológico). Além disso, a coleta do teste molecular pode ser
realizada pela própria mulher (autocoleta), sem afetar a sensibilidade do
método. Na avaliação dos pesquisadores, uma campanha de educação nesse sentido
poderá contribuir para otimizar os melhores índices de desempenho do teste
molecular e das estratégias de prevenção.
Uma vez coletada, a amostra
pode ser enviada para análise. “Isso facilitaria o acesso do exame às
populações de localidades rurais e remotas, ajudando a aumentar a cobertura de
rastreamento”, acredita Luani. Apenas em caso de resultado positivo para HPV
seriam recomendados exames complementares como colposcopia e, se necessário,
biópsia.
Um estudo Temático do qual
Luani participa envolve o desenvolvimento de um dispositivo para analisar
também o DNA no teste de HPV, indicando a presença de proteínas indicativas de
lesão, agregando ainda mais especificidade e potencialmente evitando
colposcopias desnecessárias.
Desafios e possibilidades
Além da cultura do sistema de
saúde brasileiro, com médicos e pacientes habituados à realização do exame
preventivo de Papanicolaou, o maior desafio visto para a implementação do teste
de HPV seria financeiro. No entanto, a redução de custo gerada pelo maior
intervalo de testagem e o menor número de colposcopias representariam uma
compensação. Isso sem mencionar que a maior demanda poderia, por si só, reduzir
os custos dos kits produzidos para esse fim.
Além disso, a ampla rede
presente na saúde pública em determinados países na América Latina, como o
Brasil, com estrutura e logística já bastante bem definidas,
pressupõe boas perspectivas de implementação. A sugestão dos autores é que
as pacientes sejam recrutadas de acordo com a idade, por meio de um banco de
dados digital e de campanhas ativas e constantes.
“Esperamos adicionar mais uma
de muitas contribuições relevantes à matéria, aumentando a capacidade de
identificação de detalhes da biologia dos HPVs de risco oncogênico, para
direcionarmos futuras intervenções preventivas e, muito
provavelmente, investigações que englobem não apenas a introdução de
testes de rastreio cada vez mais precisos, mas também direcionem a pesquisa de
novas gerações de vacinas”, afirma Longatto.
O artigo Implementation of HPV Tests in Latin America: What We Learned; What Should We Have Learned, and What Can We Do Better? pode ser lido aqui. Com informações da Fapesp
0 comentários:
Postar um comentário