Os brasileiros andam
desesperançados. Os problemas do país se avolumam: corrupção, incompetência,
crise política, economia em ritmo lento, desemprego, indefinição eleitoral. Não
faltam obstáculos. E, no entanto, pode piorar. Até a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária, talvez a melhor agência reguladora do país, que construiu uma
reputação de excelência e seriedade, contribuindo para o desenvolvimento do
setor farmacêutico no Brasil, está se deixando contaminar pela “baixa
política”.
Um órgão que, de certa forma,
andava na contramão de Brasília. Conseguia, na maioria dos casos, manter o
interesse público acima de tudo – enfrentou e venceu batalhas memoráveis,
visando garantir a qualidade dos produtos farmacêuticos. Agora, a Anvisa parece
estar cedendo. E justamente em questões que são fundamentais em qualquer
atividade, mas que assumem contornos críticos quando se fala de medicamentos:
qualidade e segurança.
Recentemente, a Diretoria
Colegiada da Anvisa “flexibilizou” o sistema de controle de qualidade de medicamentos
existente no país, abrindo mão dos altos padrões de segurança que exigia de
todo o setor e em flagrante contradição com sua orientação histórica. Por três
votos a dois, decidiu permitir que os importadores de medicamentos transfiram o
controle de qualidade de seus produtos para empresas terceirizadas, sem nenhuma
supervisão do órgão regulador.
Aquilo que em 2007
representara um controle sanitário rígido – a determinação de que fabricantes e
importadores de medicamentos tivessem laboratórios próprios de controle de
qualidade – converteu-se, de repente, em letra morta, em benefício dos
importadores. Enquanto isso, todas as indústrias farmacêuticas que atuam no
Brasil continuam com seus laboratórios de controle de qualidade para os
produtos que fabricam.
O desenvolvimento do polo
industrial farmacêutico brasileiro dependeu e se baseou em investimentos
vultosos que foram realizados pelas empresas estabelecidas no país para atender
a essas e outras exigências. Bilhões de reais foram gastos em tecnologias,
equipamentos, profissionais bem treinados, instalações etc., para garantir a
oferta de medicamentos seguros e eficazes para a população.
Nos países em que a
terceirização do controle de qualidade é permitida, os órgãos de fiscalização
fazem um rígido controle dos medicamentos após sua venda ao consumidor, o
chamado "pós-mercado". Acontece que, no Brasil, essa fiscalização na
prática não é realizada pela Anvisa. Em nosso país, somente o controle prévio
das empresas pode atestar a qualidade dos produtos postos à disposição dos
consumidores.
Um dos diretores da Anvisa,
que defende a terceirização do controle de qualidade, argumentou que "a
Anvisa não é o órgão responsável pela política industrial do país” e
acrescentou que “um dia o Brasil terá um "pós-mercado" eficiente”.
O diretor cometeu um grande
equívoco. A medida recém-aprovada cria uma “antipolítica industrial”. Pois é
flagrante o nocivo desequilíbrio competitivo que a decisão acarreta às
indústrias aqui instaladas, que já investiram bilhões de reais, em favor dos
importadores, que não terão de arcar com esses custos para vender seus
produtos. Aliás, essa “antipolítica” desestimula o investimento internacional
no Brasil.
Cria-se, assim, uma situação
parecida com a dos anos de 1980, quando se deu o desmonte da indústria
Farmoquímica atuante no Brasil. Naquela oportunidade, a assimetria
concorrencial alijou as empresas instaladas no país, fazendo com que 95% das
matérias-primas usadas pela indústria farmacêutica local passassem a ser
importadas da Índia e China. Esperamos que, no futuro, não venhamos a lamentar
o fato de importarmos 95% dos medicamentos consumidos no país, com nossas
fábricas fechadas.
Resumindo: se queremos ter um
setor de saúde forte no Brasil, precisamos zelar pela qualidade dos produtos e
pela qualidade do ambiente econômico. Não chegaremos lá com medidas que
enfraquecem os padrões sanitários e prejudicam as empresas que acreditam e
investem no país.
(*) Nelson Mussolini é
presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no
Estado de São Paulo (Sindusfarma) e membro da Mesa Diretora do Conselho
Nacional de Saúde.
Nelson Mussolini*, Correio
Braziliense
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