Os principais atores do
mercado de startups no Brasil estão satisfeitos com o crescimento do setor, mas
ainda se queixam da falta de políticas públicas que favoreçam o ambiente
brasileiro de negócios e empreendedorismo no país. Apesar de ter subido algumas
posições no ranking mundial de inovação, o Brasil ainda figura nas piores
posições quando se considera o ambiente para fazer negócios e atrair
investimentos.
“Se pegarmos o Doing Business
[Fazendo Negócios, publicação] do Banco Mundial, entre 170 países, o Brasil
está lá pelo 120º [lugar], está muito mal. Está entre os países onde mais se
gasta tempo para recolher, calcular e pagar impostos e para abrir empresas. O
tempo é muito longo”, diz Felipe Matos, que integra o Dínamo, movimento de
articulação por políticas públicas para startups no Brasil. Segundo Matos, a
legislação brasileira dificulta o recebimento de investimentos por startups.
Isso vale tanto para investidores anjos e investidores privados, ressalta.
Matos, que já atuou na
coordenação do programa federal Startup Brasil, destaca ainda que a legislação
trabalhista e fiscal do país apresenta risco jurídico que desestimula a atração
de potenciais investidores em negócios de inovação e tecnologia.
“O que se vê na maior parte
dos países é o contrário: ter incentivos para investimento em startups,
inclusive com descontos no Imposto de Renda para investidores e uma série de
apoios. Aqui, não temos apoio, mas existe, em contrapartida, uma visão muito
ruim do sócio pela legislação. Quando se vai, por exemplo, fechar uma empresa,
a legislação brasileira trata o empreendedor como um fraudador em potencial”,
completa.
“Vale da morte”
Segundo Matos, devido ao alto
risco inerente a este tipo de negócio, a taxa de mortalidade das startups ainda
é muito alta, em torno de 80%, o que torna comum o fenômeno de fechamento de
várias empresas que caem no chamado “Vale da morte”. Para facilitar e agilizar
o processo de abertura e fechamento de empresas, o setor quer a modernização do
marco legal relacionado aos pequenos empreendimentos.
“Tem uma série de restrições
na legislação que acabam tornando mais difícil, burocrático, lento, caro e
complicado o processo de abertura e fechamento de empresas de uma forma geral.
E quando se trata de startups, geralmente os empreendedores já fizeram alguns
negócios que deram errado até que deem certo. Então, essa dinâmica funciona mal
no Brasil em função das dificuldades do nosso ambiente regulatório”, acrescenta
Matos.
Para Eric Santos, conselheiro
do Instituto Endeavor, que trabalha por políticas públicas favoráveis aos
empreendedores, uma das principais medidas para melhorar o ambiente de negócios
é a da simplificação tributária. Santos enumera as dificuldades existentes
hoje: impostos diferentes – uma coisa meio atravessada, paga-se imposto sem
tirar receita -, falta de incentivo para contratar porque é preciso pagar
impostos exagerados em cascata.
“O ISS [Imposto Sobre
Serviços], por exemplo, para não pagar duas vezes, é necessário cadastro em
diferentes prefeituras. E não faz sentido um empreendedor se preocupar com esse
tipo de coisa”, diz Santos, que também é CEO da startup de marketing digital
Resultados Digitais.
A direção do Serviço Nacional
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) também defende a flexibilização
do marco regulatório e menor incidência de tributos sobre o setor para que o
país atraia mais investidores.
A instituição pondera, no
entanto, que o ambiente de negócios no Brasil vem melhorando e que a alta
mortalidade das startups não decorre somente da rigidez do sistema regulatório
do país, mas ao alto risco relacionado a um novo modelo de negócio inovador e
uma nova tecnologia.
“Em qualquer lugar do mundo,
startups passam por um processo que é natural de empresa que está lidando com
um negócio disruptivo, que tem uma mortalidade mais elevada. Mas é possível
também crescer, e temos atuado nisso, sobretudo no chamado ‘vale da morte’,
quando a empresa passou da primeira fase de incubação, de capital semente e
precisa de novos aportes para dar um salto. É uma fase em que muita gente não
quer arriscar, quer ver se ela ganha mais musculatura, se conquista mercado,
desenvolve um pouco mais a tecnologia. É nesse campo que precisamos trazer mais
atores para tirar as empresas que têm condições de atravessar o vale, crescerem
e se tornarem, quem sabe, unicórnios globais”, diz o diretor de Administração e
Finanças e presidente em exercício do Sebrae, Vinícius Lages.
O secretário de inovação e
negócios do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC),
Rafael Moreira, reconheceu as dificuldades do setor e disse à Agência Brasil
que o governo tem algumas medidas de desburocratização, como o projeto Bem Mais
Simples, que pode permitir um processo simplificado de fechamento dos negócios.
Ele comentou também que há uma
proposta de novo marco regulatório para startups em discussão no Congresso
Nacional. Entre as mudanças estudadas, está a possibilidade de criar uma
“sociedade anônima simplificada” para enquadrar as startups a fim de atrair investimentos
com mais segurança jurídica.
Investimento crescente
Apesar das dificuldades, o ano
de 2017 registrou no Brasil aporte recorde de investimentos de capital de risco
em startups com o volume de R$ 2,2 bilhões, segundo pesquisa apresentada por Felipe
Matos durante o Startup Summit, realizado em Florianópolis, nos dias 12 e 13
deste mês. O montante é 50% maior em número de investidores do que o dos anos
anteriores. No entanto, 95% do dinheiro vem de fundos estrangeiros.
As startups brasileiras também
têm se apoiado em novas formas de investimento para tornar o negócio mais
sustentável. Nos estágios iniciais de desenvolvimento de uma empresa desse
tipo, já vem se consolidando no Brasil a figura do investidor anjo, uma pessoa
física ou profissional experiente que investe capital próprio e conhecimento em
startups nascentes. Em 2016, o volume total de investimento anjo no país foi de
R$ 851 milhões, segundo a organização Anjos do Brasil.
No mercado brasileiro também
tem crescido a presença de empresas incubadoras, que oferecem condições de
infraestrutura e conhecimento para startups iniciantes e as chamadas
aceleradoras, que aportam recursos, financeiros ou intelectuais, para que as
emergentes consolidem seu crescimento no mercado. O país tem hoje cerca de 60
aceleradoras de startups.
No ano passado, mais de 2,3
mil empresas foram incubadas em programa do Sebrae que investiu cerca de R$ 6,8
milhões em projetos para incubadoras, enquanto 2,8 mil foram graduadas, gerando
mais de 37 mil empregos diretos, com faturamento anual de R$ 13,8 bilhões.
Mudanças na Lei de Informática
Outra ação que pode motivar a
atração de investimentos para startups é a mudança recente na chamada Lei de
Informática da Zona Franca de Manaus, um dos principais polos industriais do
país. A nova lei, publicada em 12 de junho, permite que as empresas
beneficiárias da legislação aportem parte dos recursos obrigatórios da área de
pesquisa, desenvolvimento e inovação em fundos de investimento para capitalizar
startups com sede na Amazônia Ocidental ou no Amapá.
O Ministério da Indústria,
Comércio Exterior e Serviços (MDIC) estima que a mudança regulatória pode mais
do que dobrar o mercado de fundos de investimento e participações focados em
empresas emergentes de base tecnológica. Em todo o país, o impacto chegará a
mais de R$ 600 milhões de novos recursos.
“[A mudança] vai permitir que
se dobre a disponibilidade de recursos existentes hoje no ecossistema de
financiamento. Dessa mudança, estimamos aproximadamente R$ 150 milhões por ano
de potencial de adição aos fundos de investimento, só para a região [da Zona
Franca de Manaus]. E, para o resto do país, estimamos mais ou menos R$ 450 a
550 milhões”, disse à Agência Brasil o secretário de Inovação e Negócios do
MDIC, Rafael Moreira.
Apoio governamental
No governo federal, entre as
iniciativas públicas de fomento às startups, o MDIC desenvolveu o programa
Inovativa, em parceria com o Sebrae e a Fundação Centros de Referência em
Tecnologias Inovadoras (Certi).
Focado no processo de
aceleração das startups, o programa oferece aos novos empreendedores
consultoria com mais de 700 mentores voluntários, com representantes de grandes
empresas como Google, Microsoft e Samsung. Desde 2013, cerca de 9,6 mil
startups inscreveram-se no programa e 755 foram selecionadas para o processo de
aceleração.
O MDIC também oferece, em
parceria com outros ministérios e o Sebrae, o StartOut, programa de
internacionalização das 15 melhores startups do país. O programa busca um
mercado-alvo no exterior onde os empreendedores selecionados passam por um
período de imersão e buscam investidores privados e condições para
internacionalizar suas operações.
Depois da experiência em
campo, aos empreendedores voltam ao Brasil onde recebem apoio para definir uma estratégia
de internacionalização e se instalar efetivamente em outro país. Em maio, as
startups brasileiras conheceram o ambiente de inovação de Berlim, e no segundo
semestre, irão a Miami e Lisboa.
Outros projetos
O Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações abriga o programa Startup Brasil, um dos
pioneiros no país de aceleração desse tipo de empresa. Por meio de chamadas
públicas, o programa seleciona startups nascentes, que poderão receber capacitação
e bolsas de pesquisa e desenvolvimento, entre outros benefícios.
O Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançou recentemente o BNDES Garagem,
que destinará R$ 10 milhões para apoiar a criação e aceleração de startups
neste e no próximo anos.
A Empresa Brasileira de
Inovação e Pesquisa (Finep) também lançou nos últimos dias uma nova rodada do
programa Finep Startup, que vai apoiar com até R$ 1 milhão projetos inovadores
de diferentes segmentos. As propostas de startups interessadas podem ser
apresentadas até 3 de agosto.
O governo federal oferece
ainda programas de apoio a startups no âmbito da Secretaria Nacional da
Juventude e do Ministério da Cultura, onde as empresas podem se candidatar para
o programa Brasil Criativo.
Unificação dos programas
O MDIC informou à Agência
Brasil que estes e outros programas de apoio às startups devem ser unificados
em uma espécie de coalizão para facilitar o mapeamento das iniciativas
beneficiadas, o estágio em que se encontram e o resultado que geram.
“Queremos fazer um anúncio em
conjunto com outros ministérios de todos os programas de startups do governo
federal. Em vez de ter vários programas dispersos, sem nenhuma conexão, com
muitas agências envolvidas no tema, vamos criar exatamente um túnel com um
cronograma único, por nível de maturidade das startups”, explicou o secretário
Rafael Moreira.
Segundo Moreira, o objetivo é
adotar uma metodologia única que permita uma espécie de prestação de contas da
efetividade das startups que receberam apoio dos programas, bem como avaliar o
impacto delas na economia do país, no percentual de empregos gerados e medir os
investimentos feitos nas empresas.
*A repórter participou do
Startup Summit, em Florianópolis, a convite do Sebrae Nacional
(Fonte: Exame - 15/07/18)
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