Integrantes do Tribunal de
Contas da União (TCU), gestores, autoridades e especialistas em gestão pública
se reuniram em mais uma edição do diálogo público para debater cenários e
perspectivas relacionadas às transferências de recursos federais. O evento foi
realizado no último dia 16, no auditório Ministro Pereira Lima, na sede do TCU,
em Brasília (DF), e contou com a participação de 300 credenciados para
participação presencial e 281 participantes, que assistiram à programação pelo
YouTube.
Em discurso na abertura do encontro,
o presidente da Corte de Contas, ministro Raimundo Carreiro, ressaltou a
relevância em se discutir a temática, na medida em que as políticas públicas
são, em grande parte, operacionalizadas por meio das transferências de
recursos. Segundo ele, daí a importância, também, de controle e gestão
caminharem juntos, cada qual com suas responsabilidades, para a construção de
estratégias que garantam o bom uso dos recursos. “Não existe mais espaço na
administração para ações isoladas. Controle e gestão são faces de uma mesma
moeda. Preservadas as competências de cada órgão, podemos e devemos pensar em
estratégias que garantam o bom uso dos recursos públicos”, afirmou.
Avaliação semelhante foi
expressada pelo ministro da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU),
Wagner Rosário, ao elogiar o enfoque do evento no controle e na gestão.
“Acredito que todos os órgãos de controle estejam passando por um processo de
reinvenção: aquele que, em um relatório, aponta problemas e sai de campo não se
sustenta mais. Órgãos que não agregarem valor à gestão, ao combate à corrupção,
vão deixar de existir, porque não há mais espaço, no orçamento e na
administração pública, para instituições ineficientes”, reforçou.
Para o presidente Carreiro, as
transferências não podem significar um “simples repasse financeiro”, mas devem
ser precedidas de planejamento e de projeto bem estruturado para alcançarem
seus objetivos e efetivamente beneficiarem a população.
A opinião foi partilhada pelo
ministro-substituto do TCU Augusto Sherman, que também compôs a mesa de
abertura: “Nós precisamos olhar para o crédito orçamentário destinado a
construir uma escola, um posto de saúde, uma creche e enxergar essa escola,
esse posto, essa creche. É preciso que o recurso orçamentário se transforme em
recurso financeiro e, depois de transferido, se transforme em um bem ou serviço
para aquela sociedade local”, afirmou. “Toda essa transformação depende de um
conjunto de fatores que precisam ser bem realizados: projeto, planejamento,
análise do plano de trabalho e acompanhamento”, acrescentou.
De acordo com Carreiro, não
são poucos os casos em que o “fracasso” da transferência ocorre já no momento
do repasse, “pela ausência de projetos, planejamento, estudos, pareceres,
podendo acarretar a constituição de uma tomada de contas especial alguns anos
depois”. “Precisamos prevenir esse desfecho”, observou. Segundo ele, dos 12.772
processos abertos no TCU, excetuando os relativos a atos de pessoal, 6.910 são
TCE. “Como servidores públicos, devemos trabalhar mais e mais para que os
recursos sejam bem aplicados e para que a TCE constitua, de fato, processo de
exceção, um mecanismo de rara utilização”, observou.
Atuação conjunta
O presidente do TCU também
ressaltou as medidas que esta Casa tem adotado com o intuito de contribuir para
uma maior efetividade no gasto público, como o grupo de trabalho constituído em
2016, com representantes do Tribunal e dos ministérios do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão (MPDG) e da Transparência e Controladoria-Geral da
União (CGU).
Para o idealizador do evento,
ministro-substituto do TCU Weder de Oliveira, a temática só pode ser
enfrentada, com a máxima racionalidade, a partir da cooperação interinstitucional.
Na avaliação dele, esse é um tema relevante, complexo e multifacetado, por
envolver questões sobre o federalismo no Brasil e a execução de políticas
públicas descentralizadas, além de ser “politicamente muito sensível”. “As
transferências têm um apelo muito grande no âmbito parlamentar por causa do
nosso sistema político, tanto que temos uma emenda à Constituição que
transformou as emendas parlamentares em impositivas”, ponderou.
O titular do Ministério do
Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPDG), Estevão Colnago, também reforçou
a importância da atuação conjunta ao destacar as ações que a pasta tem
desenvolvido, de forma recorrente e junto com o TCU e a AGU, para fortalecer a
governança, a transparência, a gestão e o controle das transferências
voluntárias dos recursos da União. “Muitos dos nossos esforços visam à
simplificação, automatização e racionalização dos processos, promovendo também
maior transparência e controle social, a fim de que sejam alcançados resultados
mais efetivos para a sociedade nas políticas públicas”.
Uso de tecnologias da
informação
Os ministros também
salientaram que o uso de tecnologias da informação – a exemplo de ferramentas,
plataformas e sistemas – contribui para a maior agilidade e eficiência nas
questões que envolvem as transferências federais.
Nesse sentido, o presidente
Carreiro citou o Sistema de Convênios (Siconv), surgido à luz do Acórdão 2.066/2006 – Plenário, com a finalidade de
administrar as transferências voluntárias de recursos da União nos convênios
firmados com Estados, municípios, Distrito Federal e entidades privadas sem
fins lucrativos. Agilidade na efetivação dos contratos, transparência do
repasse do dinheiro público e qualificação da gestão financeira são algumas das
vantagens da ferramenta.
O ministro Wagner Rosário
informou que atualmente há 173 mil convênios ativos no Siconv, sendo que 15,3
mil estão em fase de prestação de contas, o que representa um montante de
R$ 16,7 bilhões. O ministro Colnago, por usa vez, explicou que, de 2015 a
2018, foram realizados 175,7 mil atendimentos. No mesmo período, foram
capacitadas mais de 65 mil pessoas em cursos a distância, além de mais de 7,2
mil presencialmente.
O presidente do TCU lembrou
aos presentes que o sistema e-TCE permitiu a instauração de tomadas de contas
especiais diretamente pela plataforma, que é usada por todas as instâncias
envolvidas no processo. “O e-TCE constitui o primeiro sistema do TCU integrado
com o Siconv e com o Sistema Integrado da Administração Financeira do Governo
Federal (Siafi). Essa integração permite expressivo ganho de tempo na
instauração de TCE e reduz as chances de incorreções na reprodução de
informações”, disse Carreiro.
O ministro Weder lembrou que a
temática das transferências voluntárias é debatida há mais de 20 anos pelos
órgãos presentes. “Há de se levar em conta questões graves de eficiência,
gestão, planejamento e também corrupção. As transferências voluntárias foram
abordadas em comissões parlamentares de inquérito, como a do orçamento (repasses
nas subvenções sociais), a das ambulâncias, a das ONGs – temática que só pode
ser bem enfrentada com a máxima racionalidade de maneira interinstitucional,
como estamos presenciando aqui”, acredita. Ele informou que, conforme os dados
apresentados anteriormente pelo presidente Carreiro, os custos associados aos
repasses são vultosos. “Em uma projeção feita com base em nossos relatórios de
atividades, podemos perceber que os custos de instauração de TCEs são altos – o
problema é que nossas estatísticas mostram que esses custos geram uma
recuperação baixíssima. Então, a partir das transferências voluntárias, das
tomadas de contas especiais, nós vemos um imenso desperdício de recursos
públicos e um conjunto de ineficiência – recursos perdidos em recursos que
simplesmente não se transformam em nada útil para a sociedade, como obras
inacabadas, paralisadas... frustração completa da expectativa da sociedade em
torno do benefício esperado com a transferência voluntária”, explica.
Weder de Oliveira falou,
ainda, sobre o custo do processamento adequado da TCE nos órgãos do executivo,
em virtude de todas as fases do devido processo legal. “Depois, o imenso custo
ao tramitar no TCU, com a fase de instrução, atuação do MPTCU, dos gabinetes e
todas as fases recursais para decisão do processo anos depois. Depois do
julgamento, os custos da cobrança executiva, custo da AGU na cobrança disso,
para depois haver uma mínima recuperação. Assim, vemos o tamanho da
ineficiência e prejuízos que estamos assistindo e que só podem ser enfrentados
dessa forma, na cooperação entre o TCU, MP, CGU, AGU e eventualmente Ministério
Público”, defende.
Para o idealizador do Diálogo
Público para debater cenários e perspectivas relacionadas às transferências de
recursos federais, é preciso também modificar os incentivos às prefeituras e a
forma de avaliar como os gestores gerem as políticas públicas, pois não basta
identificar o número de convênios executados e o percentual de dotação
executada.
Para o ministro-substituto, é necessário avaliar novas
possibilidades de análise dessas políticas públicas de gestão: “a atuação do
TCU se pauta nos normativos que norteiam as transferências que, apesar de
rigorosos com prazos estritos de análises das prestações de contas, a realidade
nos mostrou, por exemplo, que estávamos gerando muito mais convênios que nossa
capacidade de geri-los. Daí a formação dos enormes estoques de processos que
estão sendo reportados nos pareceres prévios de relatórios de contas de governo
do TCU há uns anos, com prejuízos altos previstos de TCEs. E não interessa mais
à sociedade julgar TCEs, e, sim que não existam mais TCEs”, defende.
Para o ministro-substituto
Weder de Oliveira, é necessário que haja uma política de longo prazo, que possa
estabelecer a ideia “TCE tendente a zero” – dessas TCEs, como ele explica, de
geração espontânea, a partir de convênios – não das que ordinariamente surgem
no âmbito das auditorias.
Ao encerrar o evento, o
ministro lembrou que é necessário que os órgãos repassadores, bem como os de
controle, conheçam sua clientela. Que atuem mediante o mapeamento de riscos,
com diagnósticos que permitam entender porque as TCEs estão surgindo, já que
elas são evidências de um problema maior com os convênios. Ele informou que
muitas propostas têm sido levantadas pelos órgãos envolvidos nos últimos anos,
como, até mesmo, a de extinção das transferências voluntárias. Mas não tiveram
êxito. “Hoje, temos um modelo que tem sido aprimorado acentuadamente desde
2006, como mencionado aqui pelo ministro Sherman, quando o TCU atuou como
indutor de um processo que tem colhido melhorias, como o Siconv em um patamar
mais evoluído. A proposta de novo valor de alçada para TCEs também é uma das
propostas que nos traz aqui nesse evento: em reunião com a AGU e PGU há quase 2
anos, verificamos que os órgãos não têm procedimento adequado para acompanhar
as TCEs. Então, formalizamos acordo de cooperação que, a partir do início deste
ano, desenvolveu procedimentos, como lançamento no e-TCE – para que débitos de
pequeno valor pudessem ser cobrados de forma mais célere. Temos tido notícias
de que, no âmbito da cobrança administrativa, temos tido muito mais retorno do
que na cobrança judicial; o que nos mostra que há outros caminhos a serem
percorridos para contornarmos o problema”.
Weder acredita que estamos
vivendo um turnning point, aquele momento em que uma mudança expressiva está
para acontecer: “com o Siconv já ganhando escala, e se começarmos a mudar o
modelo mental que tem nos feito desperdiçar milhões em recursos públicos, como
se isso fosse natural às transferências voluntárias, com esse montante de TCEs,
e estes custos. Precisamos entender que estamos fazendo um ajuste de interesse
mútuo, de não apenas transferir recursos, mas ter a prestação de serviço como
retorno. O que nos interessa é termos uma política pública bem implementada”,
arrematou.
Da Redação/Secom = TCU
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