Ilha solicitou retorno dos
mais de 11 mil médicos cubanos após Bolsonaro questionar permanência no
programa à revalidação do diploma e recebimento do salário integral
O governo cubano informou
nesta quarta-feira, 14, que está se retirando do programa social Mais
Médicos do Brasil após declarações "ameaçadores e
depreciativas" do presidente eleito Jair
Bolsonaro (PSL), que anunciou mudanças "inaceitáveis" no
projeto. O programa Mais Médicos tem 18.240 profissionais - sendo 11
mil cubanos, segundo o governo do país caribenho - em 4.058
municípios, cobrindo 73% das cidades brasileiras.
O convênio com o governo cubano
é feito entre Brasil e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
"Diante desta realidade lamentável, o Ministério da Saúde Pública (Minasp) de
Cuba tomou a decisão de não continuar participando do programa Mais Médicos e
assim comunicou a diretora da Organização Panamericana da Saúde (OPAS) e aos
líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam esta iniciativa",
anunciou o governo cubano em comunicado.
Após Cuba anunciar a saída do
programa, Bolsonaro disse via Twitter que condiciona a continuidade do
programa "à aplicação de teste de capacidade, salário integral aos
profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade
para trazerem suas famílias" e que, "infelizmente, Cuba não
aceitou".
Em 2013, então deputado federal, Bolsonaro entrou com ação no Supremo
Tribunal Federal (STF) solicitando a suspensão do programa Mais
Médicos.
700 municípios brasileiros
tiveram médico pela primeira vez na história com o programa, diz governo cubano
Foto: Ministério da Saúde/Divulgação
O futuro ministro do Gabinete
de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, disse que o assunto
será discutido entre Bolsonaro e o futuro ministro da Saúde, que
acrescentou não saber quem é. "Isso não é minha área. O presidente
certamente vai conversar isso com o ministro da Saúde e ele vai se posicionar
em nome do governo", declarou.
Cuba tomou
a decisão de solicitar o retorno dos mais de 11 mil médicos cubanos que
trabalham hoje no Brasil depois que Bolsonaro questionou a preparação dos
especialistas e condicionou a permanência no programa "à revalidação
do diploma", além de ter imposto "como via única a contratação
individual".
"Não é aceitável que se
questione a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores
cubanos que, com o apoio de suas famílias, presta serviços atualmente em 67
países", declarou o governo.
Condicionamos à continuidade do
programa Mais Médicos a aplicação de teste de capacidade, salário integral aos
profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade
para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou.
Além
de explorar seus cidadãos ao não pagar integralmente os salários dos
profissionais, a ditadura cubana demonstra grande irresponsabilidade ao
desconsiderar os impactos negativos na vida e na saúde dos brasileiros e na
integridade dos cubanos.
"As mudanças anunciadas
impõem condições inaceitáveis e violam as garantias acordadas desde o
início do programa, que foram ratificados em 2016 com a renegociação da
cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde
do Brasil e entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde
Pública de Cuba. Essas condições inadmissíveis impossibilitam a manutenção da
presença de profissionais cubanos no programa", informou em nota o
Ministério da Saúde.
De acordo com o governo
cubano, em cinco anos de trabalho no programa brasileiro, cerca de 20 mil
médicos atenderam a 113.539 milhões de pacientes em mais de 3,6 mil municípios.
"Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na
história", disse o governo.
Segundo o governo de Cuba,
mais de 20 mil médicos cubanos passaram pelo Brasil e chegaram a compor 80% do
contingente do Mais Médicos, criado no governo Dilma Rousseff. Cuba anunciou
que manteria o programa depois do impeachment da ex-presidente petista, apesar de
considerar o afastamento um “golpe de Estado”.
O Ministério da Saúde cubano
também diz que “o povo brasileiro compreenderá quem é o responsável por nossos
médicos não poderem continuar prestando solidariedade no País.”
Em nota, a Opas informou que
Cuba comunicou ao órgão a decisão de não continuar participando do Mais
Médicos. A Opas, por sua vez, comunicou a decisão ao Ministério da Saúde do
Brasil. "Devemos ter mais detalhes nos próximos dias. Assim que os
tivermos, divulgaremos", informou o órgão internacional.
'Dia triste'
Alexandre Padilha, então
ministro da Saúde no governo Dilma Rousseff (PT), quando o programa foi
implementado, lamentou a decisão. Em vídeo publicado nas redes sociais, ele se
manifestou afirmando que este é "um dia triste para saúde pública e para a
política externa do Brasil" e é resultado de "reiteradas
agressões" do presidente eleito.
Cuba anuncia sua retirada do Programa
Mais Médicos.
A saúde pública e o povo mais pobre perdem muito hoje.
É isso o que acontece quando se coloca o espírito da guerra e os interesses particulares acima das necessidades do nosso povo.
A saúde pública e o povo mais pobre perdem muito hoje.
É isso o que acontece quando se coloca o espírito da guerra e os interesses particulares acima das necessidades do nosso povo.
"Isso pode significar a
saída de dezenas de milhares de médicos que estão atendendo nos sertões, na
Amazônia brasileira, na periferia das grandes cidades, nas áreas mais
vulneráveis... É isso que pode acontecer quando se coloca o espírito da guerra,
da ideologização, do conflito na frente dos interesses sobretudo do povo
brasiliero, do povo que mais sofre e mais precisa. Dia triste para saúde
publica provocado por uma ação despreparada e conflituosa do atual
presidente eleito do nosso país", disse.
'Saída prejudica índios'
O presidente do Conselho
Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Guimarães
Junqueira, afirmou hoje que povos indígenas atendidos por médicos cubanos
devem ser os mais prejudicados pelo fim da participação de Cuba no programa
Mais Médicos.
“A assistência nas aldeias é
feita quase que exclusivamente por médicos cubanos. Ali, nenhum outro médico
quer ficar”, disse Junqueira. Ele afirmou ter sido surpreendido com a nota do
governo cubano anunciado o fim da participação no programa do Mais Médicos. O
rompimento foi anunciado hoje em Havana.
Junqueira disse estar em
contato com a embaixada de Cuba. De acordo com ele, 1.600 vagas do programa
estão abertas. "Mesmo confirmada a saída, não há como retirar os 8 mil
médicos de um dia para a noite. Certamente haverá um prazo", afirmou ele.
O que é o programa
O Mais Médicos é um programa
criado pelo governo federal para usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). A
proposta é levar mais profissionais para regiões com ausência ou escassez de
médicos. O programa se propõe a resolver a questão emergencial da saúde básica.
Quando são abertos chamamentos
de médicos para o programa, a seleção segue uma ordem de preferência: médicos
com registro no Brasil (formados em território nacional ou no exterior, com
revalidação do diploma no País); médicos brasileiros formados no exterior; e
médicos estrangeiros formados fora do Brasil. Após as primeiras chamadas,
caso sobrem vagas, os médicos cubanos são convocados.
Crise
Em abril do ano passado, o país caribenho decidiu suspender o envio de 710 médicospara
trabalhar em cidades brasileiras. A medida foi uma mostra do descontentamento
de Cuba com o número de profissionais que, terminado o prazo de três anos
no Mais Médicos, ganharam na Justiça o direito de permanecer no Brasil.
Na ocasião, 88 profissionais recorreram à Justiça para permanecer no Brasil e
garantir o direito de continuar no programa.
O Mais Médicos previa
inicialmente que profissionais recrutados para trabalhar no programa ficassem
por até três anos no País. Na renovação do acordo, em setembro de 2016, ficou
determinado que a maior parte dos 4 mil recrutados no primeiro ciclo do
convênio deveria regressar ao país de origem para dar lugar a novos
profissionais.
A estratégia tem como objetivo
evitar que cubanos estreitem os laços com o Brasil e, com isso, resistam a
regressar para Cuba ao fim do contrato. Pelo acordo, a permissão de prorrogar o
prazo desses profissionais por mais três anos seria dada apenas para aqueles
que tivessem estabelecido família no Brasil ou criado vínculos. / COM
AGÊNCIAS
Fonte: Felipe Frazão, Juliana Diógenes e Lígia Formenti, O Estado de S.Paulo
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