Christian Schneider, diretor
da farmacêutica no Brasil, afirma que a empresa está aberta a negociar um
medicamento mais eficiente com o governo
Teste de hepatite C é
realizado em um hospital (Francois Nascimbeni/AFP)
Desde que o Ministério da
Saúde anunciou uma meta para eliminar a hepatite
C no Brasil até 2030, veio à tona um debate sobre a quebra de patente
de um medicamento que cura 95% dos casos da doença.
Em setembro, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) concedeu
a patente do sofosbuvir para a farmacêutica americana Gielad.
Com a decisão do INPI, a
Farmaguinhos-Fiocruz ficou impedida de produzir um genérico do medicamento, que
traria uma economia de 1 bilhão de reais para o Ministério da Saúde.
O tratamento pelo SUS com o
sofosbuvir chega a custar 35 mil reais por paciente. No Brasil, o Ministério da
Saúde calcula que há 700 mil pessoas com hepatite C.
A versão genérica do
sofosbuvir já estava registrada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa).
Na última terça-feira (30), em
um novo capítulo da disputa pela patente, a Comissão de Assuntos Econômicos
(CAE) do Senado aprovou a apresentação do projeto que prevê a quebra de patente
de um medicamento contra a hepatite C.
O ministro do INPI, Marco
Jorge, foi convocado pela CAE para explicar a liberação da patente pelo instituto.
A reunião está marcada para a próxima terça-feira (6).
Segundo Eric Bassetti, gerente
médico da Gilead, o sofosbuvir sozinho não é capaz de curar a doença e precisa
ser combinado com outro medicamento.
“Não tem tratamento para
hepatite C só com uma droga. Eu tenho que juntar com duas ou três drogas com
mecanismos de ações diferentes para dar certo”, diz.
Basseti afirma que a Gilead já
tem medicamentos mais modernos que conseguem curar mais casos da doença em
tratamentos de 12 semanas. A empresa afirma que está produzindo uma quarta
geração de remédio contra a hepatite C, que contém a substância voxilaprevir,
ainda não aprovada no Brasil.
Em entrevista exclusiva à
EXAME, Christian Schneider, diretor geral da Gilead no Brasil, afirma que fez
uma proposta para o governo para oferecer o medicamento de terceira geração a
um preço acessível.
Em um comprimido do Epclusa,
há duas substâncias (sofosbuvir e velpastavir) que podem curar a doença em
estágios mais avançados.
EXAME – Por que começou essa
briga pela patente de um remédio de primeira geração (sofosbuvir)?
Christian Schneider – Começou
porque nós vamos defender uma propriedade intelectual nossa. Alguém está
dizendo que não existe inovação. Nós estamos mostrando a inovação que a gente
acredita que existe. O processo de patente em si passa pelo INPI, é técnico.
Neste ínterim, alguém está tentando lançar e é um direito de propriedade.
Para nós, é uma infração do
direito de propriedade. Alguém está tentando entrar no mercado antes da
decisão. Chegou a sair e foi revogada. Agora vamos esperar.
Um dos argumentos a favor da
quebra de patente é que o genérico traria uma economia de 1 bilhão de reais
para o governo. Como vocês refutam isso?
Se você olhar o quanto o
Ministério gastou ao longo dos três anos que tem esse produto no Brasil, eles
nunca gastaram um bilhão de reais. Eles gastaram 900 milhões no primeiro ano com
todos os medicamentos. No terceiro ano, gastaram 450 milhões.
Eles estão reduzindo um bilhão
do que? Do que eles iriam tratar? As novas tecnologias que oferecemos são mais
baratas, então eu também estou economizando um bilhão, só que com uma nova
tecnologia.
Vocês fizeram alguma oferta
para o governo?
Fizemos. Não posso detalhar,
mas sairia mais barato. Oferecemos o medicamento da terceira geração. Estamos
trazendo inovação, simplicidade para o governo e para o programa de eliminação
a um custo mais barato. O genérico é só um pedaço da equação, você precisa da
outra droga.
O sofosbuvir tem uma taxa de
sucesso de 95%. Não é por isso que está tendo essa discussão pela quebra de
patente?
Mas a gente pode ofertar, no
caso de um medicamento de terceira geração, uma taxa de sucesso maior incluindo
casos cirróticos [de 98%, segundo Bassetti]. A eficácia é maior, o custo é
melhor, é um só comprimido, só tem benefícios. A inovação está nisso. O custo
desse tratamento com o produto para os não cirróticos são 24 semanas de
tratamento. É o dobro do que eles estão falando.
Por que é importante defender
a patente?
Para a companhia, a
propriedade intelectual é o nosso DNA. Mais do que a inovação, estamos falando
de uma doença que não tinha cura e passou a ter cura. Dizer que não existe
inovação aqui é complicado pra gente. Então a gente vai defender sim esse
ponto.
Temos uma filosofia de que
precisamos tratar mais gente e que a tecnologia não pode custar mais caro.
Precisamos salvar mais vidas, sabemos que o preço tem que cair e estamos
abertos a uma negociação com o Ministério da Saúde.
Existe uma preocupação com
lucro?
O lucro não entra na questão.
Não é uma exploração. Essa relação é complicada. Os preços têm caído todos os
anos em todas as negociações. O Ministério tem buscado aumentar volume e o
preço vai cair naturalmente. Nós estamos reduzindo para tratar mais gente.
O Ministério deu alguma
resposta sobre a oferta?
O Ministério está se
movimentando por causa de uma pressão da sociedade civil, sabemos que tem 12
mil pacientes esperando tratamento. Também temos que entender que está no final
de um governo e vai entrar outro, então estão querendo deixar as coisas
acertadas para o ano que vem.
O ano eleitoral atrasou as
negociações?
A gente lamenta a exploração
política e eleitoral que teve. Não contribuiu nada, não acelerou nada, só
complicou. Venham entender o que está acontecendo. Nós estamos defendendo a
propriedade intelectual do sofosbuvir, que é a primeira geração, mas tem uma
terceira muito mais barata e muito melhor que ninguém está falando.
A quebra de patente do
sofosbuvir impacta a produção do medicamento de terceira geração?
Não consigo te dizer o que ia
impactar a terceira geração. A primeira geração traz uma segurança para eles.
Mas, por exemplo, nós estamos em uma Parceria para o Desenvolvimento Produtivo
(PDP) no Brasil. Nós temos um projeto aprovado para produzir localmente. O
problema não é esse.
Agora, o Brasil é um país de
inovação e quebrar uma patente do jeito que está sendo feito, acho que não é
incentivador para quem faz pesquisa e desenvolvimento. E, neste caso, a
tecnologia e a inovação não custam mais caro, então o argumento de que estamos
afetando o patriotismo e a indústria não é verdade. Nós estamos trazendo coisas
melhores e mais baratas para os brasileiros.
Mas quebrar a patente não
permitiria que mais pessoas tivessem acesso ao remédio?
Não. Esse é um argumento
interessante, porque falam que a patente limita acesso. Para nós, patente não é
restrição de acesso, é reconhecimento de inovação. Eu estou baixando o preço
com tecnologias novas para tratar mais gente.
A quebra de patente do
sofosbuvir permitiria que outras empresas produzissem o novos remédios?
Essa é a nossa propriedade
intelectual. Nós pesquisamos e desenvolvemos. No Brasil, nós estamos trazendo a
tecnologia e abaixando o preço. Não me importo de produzir localmente. Para o
Brasil, estamos dispostos a desenvolver, mas a propriedade é nossa. Quebrar a
patente é afrontar um direito nosso.
Por Letícia Naísa, more_horiz
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