Ao lado do desenvolvimento de
vacinas, a produção de mosquitos geneticamente modificados pode se tornar uma
das armas mais eficientes para o enfrentamento das epidemias de dengue,
chikungunya, zika e febre amarela.
Machos transgênicos de Aedes
aegypti, dotados de espermatozoides defeituosos, foram criados no Instituto
de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e poderão ser
produzidos em escala-piloto ao longo do próximo ano.
Machos com espermatozoides
defeituosos, criados por pesquisadores da USP, poderão ser utilizados para
reduzir a população de Aedes aegypti e participar de estratégias integradas
para controle das epidemias de dengue, chikungunya, zika e febre amarela (foto:
Aedes aegypti estéreis ou com espermatozoides defeituosos. A fluorescência é a
indicação da inserção da “construção SCC” que resulta em mosquitos estéreis. A
esquerda (sem fluorescência) corresponde aos mosquitos normais (selvagens). As
linhagens foram obtidas por Danilo Oliveira
“Esses machos transgênicos procuram
fêmeas selvagens onde quer que elas se encontrem – inclusive em locais
inacessíveis à ação humana. Devido ao defeito introduzido em seus
espermatozoides, os ovos resultantes da cópula são inviáveis e isso contribui
para a diminuição da população de Aedes aegypti”, disse Margareth Capurro, professora do ICB-USP e principal
responsável pelo desenvolvimento desse mosquito modificado por
transgenia.
A pesquisadora ressalva que
o Aedes aegypti transgênico não deve ser entendido como
estratégia exclusiva de combate, mas como parte de um controle integrado, que
vai da educação da população ao desenvolvimento de vacinas, passando pela
eliminação de potenciais criadouros (depósitos de lixo, plásticos, garrafas,
pneus) e pelo uso de larvicidas e inseticidas.
“Esse mosquito é um produto
brasileiro. Seu desenvolvimento teve financiamento
da FAPESP e da Agência Internacional de Energia Atômica
[organização autônoma no âmbito da ONU, Organização das Nações Unidas]. Por
isso, em vez de ser apropriado por alguma empresa privada, com objetivo de
lucro, ele deve ser distribuído gratuitamente pela ONU para os 44 países
envolvidos no controle de mosquitos. Já argumentei, inclusive, que não cabe
requerer patente, pois a tecnologia deve ser doada para qualquer país que a
queira adotar”, disse Capurro.
Segundo ela, foi concluída a
fase 1 da pesquisa, com a produção do mosquito no campus da Universidade de São
Paulo, em laboratório do ICB-USP.
“No próximo verão, terá início
a fase 2, que é o teste em gaiola de campo. Os mosquitos serão confinados em
espaços grandes, com 3 metros quadrados de base, imersos no ambiente natural. O
objetivo é saber se eles sobrevivem e são capazes de copular na presença de
ventos ou de chuvas. Esse é um teste importante, pois, quando fazemos uma
modificação genética, além das características de interesse, podemos induzir
também características indesejáveis”, explicou Capurro, que conduziu o projeto
de pesquisa “Avaliação e melhoramento de linhagens transgênicas de Aedes
aegypti para controle de transmissão de dengue”, apoiado pela
FAPESP.
A fase 2 será realizada na
biofábrica da Moscamed Brasil, em Juazeiro, na Bahia. Essa instituição parceira
é uma organização social, sem fins lucrativos, criada com base no programa da
Agência Internacional de Energia Atômica para o desenvolvimento de variedades
estéreis da mosca-da-fruta do Mediterrâneo – daí o nome Moscamed. Tal programa
já inspirou a criação de várias biofábricas para produção de insetos
transgênicos ao redor do mundo.
Produção em escala-piloto
Cada ciclo de vida de mosquito
leva 30 dias. Por isso, a fase 2, com a criação de várias gerações e as
respectivas avaliações, precisará se estender por seis a oito meses,
aproximadamente de setembro de 2018 a março/abril de 2019.
Se tudo correr bem, na
transição de 2019 para 2020, poderemos ingressar na fase 3, que será a produção
do Aedes aegypti geneticamente modificado em escala-piloto, em
quantidades de aproximadamente 500 mil indivíduos por semana.
Nessa fase, o produto poderá
receber ainda alguns ajustes. A etapa seguinte será a implementação da
estratégia em grande escala. Para isso, a biofábrica de Juazeiro já possui
capacidade instalada para produzir 14 milhões de mosquitos transgênicos por
semana.
“Mas a produção em Juazeiro ou
em outro lugar depende de várias considerações logísticas, que precisam
contabilizar custos de produção, custos de transporte, contratação e
treinamento de pessoal qualificado etc. Minha intenção é entregar a tecnologia
pronta para o Ministério da Saúde e outros ministérios, para que, se houver
interesse, seja criado um programa voltado para a implementação. Como o produto
será entregue também à ONU, mesmo que o Brasil decida não implementar o
programa, outros países poderão implementá-lo”, disse Capurro.
José Tadeu Arantes
| Agência FAPESP
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