Luciana Constantino | Agência FAPESP – Pesquisa publicada na revista
Scientific Reports mostra que um peptídeo (molécula derivada de uma proteína)
desenvolvido por cientistas brasileiros, chamado Rb4, foi eficaz no combate à
progressão do câncer em modelo animal – especialmente melanoma grave –, sendo
um agente promissor para o tratamento de tumores resistentes a drogas.
Em fase pré-clínica, in vitro
e in vivo, o trabalho forneceu evidências de que o Rb4 desencadeia necrose em
células de melanoma murinas (de camundongos). Além disso, o composto inibiu a
viabilidade de linhagens celulares do câncer humano. Essas células tumorais
perdem a integridade da membrana plasmática e as mitocôndrias (organelas que
geram a energia celular) ficam dilatadas. Os cientistas, porém, ainda não têm
claro como essa necrose é desencadeada.
Nos animais, o peptídeo
reduziu a metástase pulmonar e retardou o crescimento do melanoma subcutâneo.
Os resultados sugerem que o Rb4 atua diretamente no tumor, induzindo a
expressão de dois padrões moleculares associados ao dano, chamados DAMPs, que
desencadeiam um efeito imunoestimulador durante a morte celular de melanoma.
“Fazemos ciência básica em
busca de novas moléculas. Neste estudo, o Rb4, que deriva de proteína
proteolipídica 2 [PLP2], apresentou preferência por causar um tipo específico
de morte celular, a necrose, especialmente em melanoma. Mas não está claro como
essa necrose ocorre e se desenvolve. O artigo dá alguns indícios da composição
morfológica e dos efeitos finais do contato com o peptídeo”, diz à Agência
FAPESP Fabrício Castro Machado, um dos autores do artigo.
Machado fez parte do grupo da
Unidade Experimental de Oncologia, do Departamento de Microbiologia, Imunologia
e Parasitologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e é pesquisador
da Recepta Biopharma (ReceptaBio), uma empresa brasileira de biotecnologia
voltada ao estudo e ao desenvolvimento de novos fármacos para o tratamento do
câncer. Daí o nome do peptídeo “Rb”.
Com o apoio da FAPESP, a
pesquisa começou a ser desenvolvida pelo grupo do professor da Unifesp Luiz
Rodolpho Travassos, que faleceu em 2020 e é homenageado no artigo.
Travassos publicou mais de 260
artigos, sendo parte deles ligada a estudos sobre atividades biológicas de
peptídeos e peptidases (enzimas que quebram ligações peptídicas entre os
aminoácidos das proteínas) em doenças infecciosas e câncer. Esse interesse o
aproximou, em 2008, da ReceptaBio, que tem como diretor-presidente José
Fernando Perez, ex-diretor científico da FAPESP (entre 1993 e 2005).
“O professor Travassos
identificou várias sequências de pequenas moléculas, peptídeos bioativos baseados
em anticorpos desenvolvidos pela ReceptaBio. O Rb4 foi também identificado
durante esse processo de busca por novas moléculas, embora não derive de
anticorpos. Temos uma outra, o Rb9, em processo de estudo mais avançado, com
várias publicações e patentes, no entanto, ainda em fase pré-clínica”, explica
a cientista Alice Santana Morais, analista de Pesquisa e Desenvolvimento da
empresa e autora correspondente do artigo.
Em 2016, os cientistas
descreveram as estruturas do peptídeo Rb9 e seus mecanismos de ação na inibição
também de células de melanoma. Em publicação mais recente, de 2020, o avanço
das pesquisas indicou um efeito imunomodulador do Rb9 no controle da progressão
tumoral.
“Seja na academia ou em
empresas como a ReceptaBio, é preciso agregar esforços para fazer pesquisa.
Buscamos parcerias para ajudar a alavancar o processo de desenvolvimento dos
fármacos, que é demorado, minucioso e exige discussão, detalhes e troca de
experiências”, diz Morais.
Caminhos promissores
Novos tratamentos têm sido
usados nos últimos anos contra vários tipos de câncer, entre eles a
quimioterapia baseada em peptídeos. Essas moléculas despertam interesse em
decorrência de algumas vantagens, como a capacidade de atingir especificamente
células tumorais e a baixa toxicidade em tecidos normais. Podem ser usadas em
terapias baseadas apenas em peptídeos ou conjugadas com outros tipos de
medicamento, com aplicação como reagentes celulares, ligantes e vacinas, por
exemplo.
Na pesquisa para avaliar o
efeito antitumoral de Rb4, o grupo de cientistas investigou o crescimento e a
morfologia em células de melanoma (B16F10-Nex2) cultivadas. O peptídeo foi
capaz de interferir na morfologia, replicação e associação do melanoma.
Isso porque as células
tratadas com Rb4 não se replicaram e formaram aglomerados rapidamente –
fenômeno não observado no grupo-controle. Após 24 horas de incubação, as
células também perderam sua morfologia natural.
Além disso, Rb4 reduziu o
número de nódulos metastáticos pulmonares no modelo de melanoma singênico
(animais gêmeos). Esse resultado foi detectado após células do câncer terem
sido injetadas por via intravenosa nos camundongos. Eles receberam tratamento
de cinco injeções do peptídeo (300 microgramas/por animal) em dias alternados,
o que atrasou o crescimento tumoral em até 40 dias.
A taxa de sobrevivência dos
camundongos tratados com Rb4 foi maior do que a de grupos-controle, aumentando
a sobrevida em mais de 25% e em até dez dias.
O melanoma tem origem nas
células que produzem a melanina, substância que determina a cor da pele, podendo
aparecer em várias partes do corpo humano. Embora o câncer de pele seja o mais
frequente no Brasil, correspondendo a cerca de 30% dos tumores, o melanoma
representa 3% das neoplasias malignas. No entanto, é o tipo mais grave devido à
alta possibilidade de provocar metástase, ou seja, de se disseminar por outros
órgãos.
Segundo estimativas do
Instituto Nacional de Câncer (Inca), são cerca de 8.400 novos casos ao ano. Em
2019, foram 1.978 mortes.
O artigo PLP2-derived peptide Rb4 triggers PARP-1-mediated necrotic death in murine melanoma cells pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-022-06429-8.
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