Ignorar
imunização é risco à contenção de doenças
Relembrar
o centenário da gripe espanhola, neste 2018, deve ser um convite à reflexão
sobre saúde pública, indo além de estatísticas assustadoras e curiosas fotos
amareladas dos livros de história. A gripe espanhola foi uma das ameaças mais
mortíferas à humanidade, matando mais de 50 milhões de pessoas (mais do que a
Primeira Guerra Mundial, com 20 milhões de baixas), mas nos deixou uma lição
ímpar sobre por que a prevenção é uma possibilidade que jamais deve ser
desperdiçada.
No
Brasil, em um só dia, 1.200 cariocas morreram na época. Em poucas semanas, a
gripe já contabilizava 25 mil óbitos somente no eixo Rio-São Paulo. A pandemia
mostrou como, antes da era da globalização, um vírus poderia se espalhar
rapidamente pelo mundo e abater milhões de pessoas.
O
horror causado pela doença não passou em branco e, com o apoio da Sociedade das
Nações (que antecedeu a ONU), já nos anos 20, o mundo passou a trabalhar no
monitoramento de doenças, campanhas de prevenção e treinamento de
profissionais. Passou a investir em pesquisas e a promover a padronização das
vacinas. O uso da vacina, que hoje é bandeira da Organização Mundial da
Saúde, é uma das formas mais efetivas e menos custosas de se reduzir a
mortalidade.
Pensando
nisso, o Instituto Butantan realiza, este ano, o programa "100 anos da
Gripe Espanhola - Imagine um Mundo sem Vacinas". Estão sendo realizados
simpósios, aulas, exposições e tudo o que possa despertar nas pessoas,
inclusive nas crianças, uma percepção real de que, sem o advento das vacinas, o
futuro de milhões estaria ameaçado.
A
razão de batermos nessa tecla é que a sensação de segurança trazida pela
erradicação de doenças, ironicamente, fez com que brotasse um movimento
antivacina que se espalha pelo mundo e se baseia em boatos e estudos sem
comprovação científica.
O
fato é que ignorar a imunização significa, na prática, expor filhos à
poliomielite ou se arriscar a ver um pai idoso na enfermaria de um hospital com
quadro de pneumonia iniciado a partir de uma gripe.
Omitir-se
diante das campanhas de imunização é também contribuir para que vírus
esquecidos voltem a circular, expondo aqueles que não estão protegidos. Educar
e esclarecer é o melhor caminho para evitar que isso aconteça.
Assim
como os medicamentos, vacinas não são perfeitas, não estão livres de
contraindicações ou de efeitos colaterais. Vacinas chegam perto, mas não podem
garantir 100% de eficácia na prevenção de uma doença. Mas que outras verdades
também sejam ditas: vacinas têm rígidos padrões de aprovação antes de serem
liberadas para o uso, têm que atender altas exigências de qualidade para que
possam ser produzidas e são a forma mais eficaz e insuperável, até hoje, de se
prevenir contra várias doenças e suas complicações.
A
história do Instituto Butantan se confunde em larga medida com o avanço da
ciência, da pesquisa e da produção de soros e vacinas no Brasil. Com muito
orgulho e um enorme senso de responsabilidade, o Butantan produz mais da metade
das vacinas (tétano, difteria, coqueluche, hepatites A e B, raiva humana,
influenza e HPV) e soros no país.
Neste
ano, em que completa 117 anos, o instituto pode celebrar a fabricação própria
de 55 milhões de doses de vacina contra a gripe, colaborando para a contenção
da doença no Brasil neste inverno.
Porque,
se é importante lembrar dos cem anos da gripe espanhola, mais importante ainda
é garantir que ela permaneça assim: uma memória. Lembrar sempre, para que não
se repita nunca.
Dimas
Tadeu Covas
Médico,
cientista da USP e diretor do Instituto Butantan
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