Objetivo de pesquisa da Unicamp é
identificar alterações que ocorrem no neurônio motor em estágio pré-sintomático
da doença (imagem: Gerry Shaw / Wikipedia)
Pesquisadores da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp) desenvolveram um modelo matemático que permite simular no
computador as alterações que ocorrem nos neurônios motores de portadores de
esclerose lateral amiotrófica (ELA) – doença que vitimou o físico britânico
Stephen Hawking.
Caracterizada por um quadro de
paralisia muscular progressiva, a ELA é causada por mutações genéticas –
herdadas ou não – que prejudicam a produção ou a atividade de uma enzima
chamada SOD1 (cobre-zinco superóxido dismutase), responsável por proteger as
células nervosas de subprodutos tóxicos do metabolismo. Esse quadro leva à
degeneração e morte dos neurônios motores, responsáveis por enervar os músculos
esqueléticos e controlar os movimentos voluntários.
O objetivo principal do grupo
coordenado pelo professor Leonardo Abdala, chefe do Laboratório de Pesquisa em
Neuroengenharia da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Unicamp, é
compreender os mecanismos moleculares associados à degeneração neuronal –
identificar, por exemplo, eventuais alterações no funcionamento de proteínas
permeáveis a íons como cálcio, sódio e potássio (os canais iônicos) que possam
afetar a resposta do neurônio e, consequentemente, o controle da força
muscular.
“Usamos um simulador
computacional para buscar, em um estágio ainda pré-sintomático da doença, um
marcador biológico, ou seja, um fenômeno biofísico que ocorre na membrana do
neurônio motor e afeta a atividade elétrica da célula e o controle da força
muscular. Isso abriria caminho para o estudo de intervenções farmacológicas
capazes de reverter ou amenizar o problema”, disse Elias, que também é diretor
do Centro de Engenharia Biomédica da Unicamp.
Como explicou Elias, nos
mamíferos existem dois tipos de neurônios motores: os superiores e os
inferiores. No cérebro, o neurônio motor superior envia impulsos elétricos que
viajam até os neurônios motores inferiores, localizados ao longo da medula
espinhal e no tronco encefálico. Esses impulsos são conduzidos até os músculos,
que os transformam em movimentos.
Durante o mestrado de
Débora Elisa da Costa Matoso, foi desenvolvido um modelo matemático capaz de
simular a dinâmica de um neurônio motor inferior – tanto em uma condição
saudável quanto em um quadro de ELA. Para isso, o grupo se baseou em dados
obtidos por meio de experimentos com roedores publicados na literatura
científica.
“Não há dados de pacientes
humanos disponíveis, apenas de modelos de camundongos geneticamente modificados
para reproduzir um quadro semelhante à ELA. Para validar o modelo, simulamos os
mesmos experimentos feitos com os animais em laboratórios. Observamos
resultados compatíveis com os obtidos in vivo e in
vitro, o que sugere que o modelo é capaz de representar o que acontece com
o neurônio motor inferior ao longo da progressão da doença no camundongo”,
contou.
Neurônio motor: à esquerda
representação do sistema biológico; ao centro, representação do modelo
matémático;
à direita representação do modelo computacional (ilustração: Débora Matoso)
à direita representação do modelo computacional (ilustração: Débora Matoso)
Por meio de simulações
computacionais, o grupo está estudando principalmente o que acontece em três
canais iônicos: um permeável ao íon sódio, que normalmente está localizado no
corpo celular do neurônio, outro permeável ao cálcio, que costuma estar
localizado nas ramificações dendríticas, e um terceiro canal de potássio
encontrado tanto no corpo celular quanto no dendrito.
Segundo Elias, os resultados
têm sugerido que o canal de potássio é fundamental para explicar algumas
alterações importantes observadas na dinâmica do neurônio motor inferior –
embora existam poucos dados de experimentos com animais capazes de corroborar
esse achado.
“O único medicamento
atualmente disponível para tratar a ELA, o Riluzol, atua nos canais
persistentes de sódio. Se conseguirmos mostrar com o modelo que outros canais
iônicos estão também envolvidos nesse processo de degeneração, abrimos espaço
para que novas pesquisas sejam feitas com animais para testar novas
intervenções farmacológicas”, disse Elias.
Agora, durante o doutorado,
Matoso pretende desenvolver um modelo completo do sistema neuromuscular para
investigar como os mecanismos biofísicos que alteram a dinâmica do neurônio
motor influenciam a geração da força em um estágio inicial da doença.
“Em paralelo, pretendemos
fazer experimentos em parceria com grupos que tenham acesso a pacientes com ELA
para tentar coletar o máximo de dados e, assim, validar o modelo em
desenvolvimento. Em uma segunda etapa da pesquisa, vamos comparar os resultados
de simulação com os experimentais, buscando perspectivas de intervenções
clínicas e farmacológicas”, contou.
Além disso, Elias firmou
parceria com uma equipe do BRAINN coordenada pelo professor Li
Li Min para estudar o efeito de diferentes técnicas de
neuromodulação (aplicação de correntes elétricas, estimulação magnética
transcraniana e ultrassom focalizado) no controle da força de pacientes que
sofreram acidente vascular cerebral (AVC), portadores de Parkinson ou de ataxia
cerebelares (grupo de doenças que afeta o controle do movimento).
Brainn Congress
Resultados da linha de
pesquisa de Elias foram apresentados no dia 10 de abril, em Campinas, durante
o 5º
Brainn Congress – evento realizado pelo Instituto Brasileiro de
Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN), um dos CEPIDs financiados pela FAPESP.
Um dos destaques
internacionais do evento foi o pesquisador John A. Detre, professor da
University of Pennsylvania, nos Estados Unidos. Ele apresentou palestra sobre o
uso de tecnologias de imagem funcional, incluindo ressonância magnética (MRI,
na sigla em inglês) e imagem óptica, no estudo da função cerebral em indivíduos
saudáveis e em pacientes com uma variedade de distúrbios clínicos, como AVC,
epilepsia, doença neurodegenerativa e enxaqueca.
“Em um indivíduo adulto, o
cérebro usa cerca de 20% do fluxo sanguíneo, embora corresponda a apenas 2% da
massa corporal. Como o fluxo sanguíneo e o metabolismo estão muito acoplados,
podemos usar a medida do fluxo para estudar muitos aspectos do funcionamento
cerebral. Para isso usamos técnicas de imagem funcional”, explicou Detre
à Agência FAPESP
Entre os destaques nacionais
da programação estava Roberto Lent, diretor do Instituto de Ciências Biomédicas
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ICB-UFRJ), que apresentou estudos
sobre neuroplasticidade – a capacidade do sistema nervoso de moldar-se, em
nível estrutural e funcional, ao longo do desenvolvimento neuronal e quando
sujeito a interferências do ambiente.
“Essa interferência ambiental
pode ser uma doença, uma conversa entre pessoas ou uma ação educacional. Quando
um professor ensina algo, ele modifica o cérebro do aluno e isso é uma forma de
plasticidade. No meu laboratório a gente lida com plasticidade de longa
distância, que é a capacidade de mudança e alteração das vias cerebrais mais
importantes”, disse Lent.
Como modelo de estudo, o grupo
da UFRJ usa uma importante via de comunicação entre os hemisférios esquerdo e
direito do cérebro conhecida como corpo caloso, formada por 200 milhões de
fibras nervosas.
“O corpo caloso se modifica em
várias situações, como, por exemplo, após uma amputação traumática de um dos
membros. É comum nesses casos a pessoa desenvolver a síndrome do membro
fantasma. Ela sente dor, coceira e posições anômalas de um braço que não existe
mais, por exemplo. Isso é resultante da reorganização do cérebro, em particular
dessa grande avenida que é o corpo caloso”, contou.
A programação do congresso
contou ainda com a mesa-redonda “BRAIN(N): past, present and future” que, entre
outros temas, discutiu formas de aumentar o impacto e otimizar recursos nas
pesquisas em neurociência realizadas no Brasil. Além de Lent e Detre,
participaram Fernando Cendes, coordenador do BRAINN, o pesquisador canadense
Richard Frayne (University of Calgary) e o diretor científico da FAPESP, Carlos
Henrique de Brito Cruz.
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