José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Doenças associadas à água contaminada são uma das maiores causas de
morbidade e mortalidade em escala global. E o acesso à água potável vem
diminuindo, devido ao progressivo descarte de poluentes domésticos, agrícolas,
industriais e hospitalares no meio ambiente. Microrganismos nocivos, nitratos,
fosfatos, fluoretos, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos e metais pesados –
como cádmio, mercúrio e chumbo – estão entre os principais contaminantes.
Segundo estimativa da Organização
Mundial de Saúde (OMS), cerca de 2 bilhões de pessoas bebem água contaminada
por fezes. Pior ainda é a contaminação da água por cepas de bactérias
resistentes a múltiplas drogas e metais, selecionadas pelo descarte
indiscriminado de antibióticos no meio ambiente.
Neste contexto, a pesquisa por
formas seguras e baratas de descontaminação da água tornou-se uma necessidade
urgente, principalmente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Um
estudo conduzido no Laboratório de Espectroscopia de Materiais Funcionais
(Lemaf), do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo
(IFSC-USP), em parceria com o African Centre of Excellence for Water and
Environmental Research (Acewater), da Nigéria, obteve resultados promissores
nesse sentido.
O trabalho foi coordenado por
Andréa de Camargo e Hellmut Eckert, professores do IFSC-USP, bem como por
Emmanuel Unuabonah, diretor do Acewater e professor da Redeemer's University,
da Nigéria. O grupo contou com apoio da FAPESP por meio de Auxílio a Pesquisador
Visitante, que possibilitou uma visita científica de três meses do professor
Unuabonah ao IFSC-USP. Auxílios obtidos de outras instituições permitiram que
dois alunos do professor Unuabonah também viessem estagiar na USP, em São
Carlos.
“A fotocatálise é a forma mais
eficiente de descontaminação da água. Nós desenvolvemos um método que utiliza
nanocompósitos fotocatalíticos baseados em precursores de baixo custo,
abundantes nos países da África subsaariana e também no Brasil, e radiação solar,
o que proporciona uma solução sustentável para regiões nas quais o
abastecimento de energia elétrica estável constitui um problema a mais. Ao
interagir com a radiação solar, o material libera espécies reativas de
oxigênio, como o oxigênio singleto, que destrói microrganismos e degrada
resíduos de antibióticos e efluentes agrícolas”, diz De Camargo à Agência
FAPESP.
Para produzir os
nanocompósitos, os pesquisadores utilizaram como precursores argila
(caulinita), semente de mamão papaia ou casca de banana (como fontes de
carbono) e sais de metais (cloreto de cobre ou cloreto de zinco). A proporção
em peso foi de um para um para dois (1:1:2) para os híbridos dopados com cobre
ou zinco individualmente. E de um para um para um para dois (1:1:1:2) para os
híbridos dopados com cobre e zinco simultaneamente.
“Nanocompósitos formados por
caulinita, sementes de papaia, cobre e zinco mostraram-se eficientes para a
purificação de água contaminada por Escherichia coli resistente a múltiplas
drogas e metais”, afirma De Camargo.
A produção dos nanocompósitos
combinou várias técnicas laboratoriais: solução, agitação contínua, secagem,
calcinação, esterilização, lavagem e segunda secagem. “O material resultante
foi empacotado em colunas de vidro previamente esterilizadas. A água
contaminada entra por uma extremidade da coluna, atravessa o material em
presença da luz solar e sai descontaminada na outra extremidade”, resume a
pesquisadora.
O estudo identificou três
mecanismos de desinfecção, dependendo do compósito estudado: a interação
eletrostática, identificada para o compósito dopado com zinco, em que cargas
superficiais positivas interagem fortemente com grupos carboxílicos das paredes
celulares das bactérias, levando-as a aderir às superfícies do compósito; a
toxicidade metálica, identificada, em menor ou maior escala, para os três
compósitos testados; e a fotocatálise, com a geração de oxigênio singleto a
partir do oxigênio molecular em presença da luz solar e a oxidação de lipídeos
e proteínas em torno das membranas celulares das bactérias, levando à sua
destruição.
“Apesar de os três mecanismos
terem sido identificados, ainda não está claro se ocorrem simultânea ou
sequencialmente. Em todo caso, a prova do conceito está dada: materiais
híbridos nanocompósitos baseados em precursores de baixo custo foram
eficientemente utilizados para a desinfecção de água contaminada com bactérias
multirresistentes”, sublinha De Camargo.
A pesquisadora chama a atenção
para o fato de que os resíduos de cobre e zinco presentes na água tratada não
são prejudiciais para o consumo humano. “Considerando o consumo diário médio
por adultos saudáveis, que é de três litros e meio, os resíduos de cobre e
zinco presentes na água tratada, respectivamente de 0,8 miligrama e de
0,51 miligrama por litro, estão abaixo do máximo recomendado pela
Organização Mundial de Saúde [OMS]”, diz.
Além da composição mencionada,
o grupo analisou também outras composições possíveis. “Nanocompósitos de
caulinita, casca de banana, tungstato de sódio e dióxido de titânio foram
efetivos para a fotodegradação dos antibióticos ampicilina e sulfametoxazol e
da droga antimalárica artemeter. Compósitos heteroestruturados, do tipo
ZnO/grafeno ou F2O3/grafeno, suportados em argila com camadas de carbono
proveniente de sementes de papaia, promoveram a remoção de esteroides
estrogênicos”, informa De Camargo.
O estudo já motivou a publicação de quatro artigos em revistas especializadas: “Visible-Light-Mediated Photodynamic Water Disinfection @ Bimetallic-Doped Hybrid Clay Nanocomposites”; “Solar-active clay-TiO2 nanocomposites prepared via biomass assisted synthesis: Efficient removal of ampicillin, sulfamethoxazole and artemether from water”; “Tuning ZnO/GO p-n heterostructure with carbon interlayer supported on clay for visible-light catalysis: Removal of steroid estrogens from water”; “Carbon-mediated visible-light clay-Fe2O3–graphene oxide catalytic nanocomposites for the removal of steroid estrogens from water”.
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