Fábio de Castro | AgênciaFAPESP – A startup WeCancer lançou em 2017 a primeira versão de um aplicativo
para monitoramento remoto de pacientes com câncer. Por sua eficiência em
aproximar as equipes médicas das pessoas em tratamento oncológico, a plataforma
já conta com a adesão de diversos hospitais, possui mais de 2,5 mil usuários e
realiza, em média, 800 atendimentos por mês.
Agora, a empresa acaba de ter
um projeto aprovado pelo Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas
Empresas (PIPE), com o objetivo de desenvolver uma modelagem preventiva em
relação às hospitalizações, agregando ao aplicativo tecnologias de inteligência
artificial e machine learning. Dessa forma, será possível aumentar o impacto da
ferramenta no Sistema Único de Saúde (SUS), evitando hospitalizações desnecessárias
e reduzindo custos de tratamento. De acordo com César Filho, cofundador e
diretor executivo da empresa, os hospitais pagam uma mensalidade para dar
acesso ao aplicativo para seus pacientes oncológicos. O monitoramento é feito a
partir de dados inseridos pelos próprios pacientes na plataforma.
"Nossos produtos
tecnológicos incluem o aplicativo, acessado gratuitamente pelos pacientes, e um
dashboard por meio do qual os profissionais os acompanham. Além disso, a
plataforma oferece uma área de gerenciamento de sintomas, outra de organização
das jornadas de tratamento, além de uma com conteúdo informativo e um chat, por
meio do qual o paciente consegue interagir diretamente com a equipe de
enfermagem", explica.
No aplicativo, o perfil de
cada paciente em tratamento de câncer inclui dados pessoais, medicamentos em
uso e atividades cotidianas. Seus indicadores de saúde física e psicoemocional
são transformados em gráficos acessados pelo médico, permitindo acompanhar o
quadro clínico e a evolução do paciente durante o tratamento.
Segundo César, a WeCancer
também possui sua própria equipe de coordenação de cuidado e navegação de
pacientes, dirigida pelo oncologista Tiago Jorge, diretor-médico da empresa,
que coordena uma equipe com psicólogo, enfermeiro, nutricionista, farmacêutico
e pesquisadora clínica.
"Temos também uma unidade
capaz de captar dados para transformá-los em informação e conhecimento, gerando
inteligência para os hospitais parceiros, que podem utilizar esse recurso para
otimizar suas linhas de cuidado", diz César.
Esse atendimento é um dos
recursos utilizados para aprimorar a qualidade de vida do paciente. "Logo
entendemos que não adiantaria ter apenas o software, porque muitas vezes o
paciente tem uma náusea, por exemplo, e precisa de cuidado e orientação
imediata", afirma.
Diferentes usuários
O fluxo de pacientes tem
aumentado de forma incessante desde o lançamento do aplicativo. Só no mês de
junho, por exemplo, foram feitos 1.100 atendimentos, segundo César, sendo que
600 foram realizados por meio do SUS. "Mais de 50% dos nossos usuários são
do sistema público de saúde", relata César.
Segundo Lorenzo Cartolano,
também cofundador e diretor financeiro da WeCancer, além do modelo de negócios
com foco em hospitais, a empresa também tem uma vertente voltada para a
indústria farmacêutica, que busca a plataforma para oferecê-la a seus clientes.
"Na unidade de negócios
voltada para a indústria farmacêutica, operacionalizamos atendimentos
especiais, envolvendo imunoterapia, por exemplo, ou trabalhamos com pesquisa
clínica junto a parceiros de centros de pesquisas do país, que utilizam a plataforma
para monitorar e engajar pacientes ao longo de ensaios clínicos", explica
Cartolano.
Já no caso da unidade de
negócios voltada aos hospitais, a empresa licencia o software e a equipe
hospitalar pode utilizá-lo como canal de relacionamento com o paciente, ou pode
escolher terceirizar o serviço de atenção, utilizando a equipe da WeCancer.
"Existe um custo para
manter essa equipe própria, mas hoje, em função da concepção dos produtos e da
tecnologia, conseguimos automatizar algumas partes do processo, a fim de ganhar
eficiência e escala. Hoje, temos capacidade instalada para atender 1.600
pacientes ao mês", diz Cartolano. Entre as instituições que já utilizam a
plataforma WeCancer estão os hospitais Israelita Albert Einstein, Beneficência
Portuguesa, Municipal Vila Santa Catarina e o Instituto de Oncologia do Paraná.
Na unidade de negócios com foco na indústria farmacêutica, o aplicativo também
é utilizado pela Roche e pela AstraZeneca.
De acordo com Cartolano, que
entrou como sócio investidor na WeCancer no início de 2017, o crescimento da
empresa foi alavancado em 2018, quando a startup foi selecionada para fazer
parte do hub de inovação do Hospital Israelita Albert Einstein, o Eretz.bio. Os
empresários tiveram contato com mentores e receberam o primeiro aporte
institucional.
"Nos inscrevemos para a
incubadora de startups do Einstein e soubemos que eles estavam desenvolvendo
uma solução semelhante. Em abril de 2018, nossa empresa foi incubada e a
instituição encerrou o desenvolvimento de uma startup interna, com objetivo
idêntico, para investir na nossa empresa", diz César.
Motivação pessoal
O pesquisador, que tem
formação em biologia, e Cartolano, com formação em administração, contam que a
empresa nasceu a partir de uma trágica experiência pessoal vivida por ambos:
eles perderam suas mães para o câncer. Em 2014, César – criado em uma família
pobre do interior de Minas Gerais – acompanhou de perto, durante 11 meses, o
duro tratamento pelo SUS da genitora, que lutava contra um tumor no ovário.
"O tratamento era
realizado em outra cidade e era preciso viajar 80 quilômetros. Muitas vezes eu
não sabia o que deveria fazer se minha mãe apresentasse alguma reação adversa
em casa", conta César.
Em contato com outros
pacientes, o biólogo percebeu que isso é muito comum e, eventualmente, as
viagens são muito mais longas entre a residência de um paciente do sertão e um
hospital oncológico em uma capital, por exemplo.
"A pessoa vai ao médico
local e ele envia o paciente de volta à capital. É um prejuízo de saúde enorme
para as famílias. Uma tragédia, porque esse paciente recorre ao pronto-socorro
e metade deles nem precisava estar lá. Essa é a história de milhões de
pessoas", estima.
A partir dessa experiência,
César começou a trabalhar para entender como levar o hospital para a casa do
paciente. "Observei que, na maior parte do tempo, o paciente está em casa,
sem acompanhamento médico. Ele desconhece os efeitos adversos, cai facilmente
em fake news e a família acaba adoecendo junto", diz.
Foi quando, por meio de amigos
em comum, ele conheceu Cartolano, que estava atuando no mercado financeiro e
sabia como montar um negócio. O administrador, que também acabara de perder a
mãe para um câncer de pâncreas, tornou-se sócio e fez o primeiro investimento
na empresa, de R$ 80 mil.
"Eu nunca havia pensado
em trabalhar com saúde, mas vivia uma história muito parecida com a do César,
apesar do contexto diferente, em um hospital privado do Rio de Janeiro. Mas as
dores eram muito parecidas e trabalhamos duro para fazer dessa história um
negócio. A empresa nasceu do amor e da saudade, em homenagem às nossas
mães", diz Cartolano. A premissa fundamental, segundo ele, era desenvolver
uma tecnologia amigável, voltada para pacientes com pouca intimidade com a
tecnologia e escolaridade baixa. Eles focaram na chamada patient centricity,
que é uma maneira de observar toda a problemática da saúde pelo ângulo do
paciente e não do sistema de saúde.
"Nosso objetivo no longo prazo é deixar de ser uma plataforma de terapia digital para ser uma plataforma de saúde. Isso é possível, pois há uma tendência muito forte na oncologia rumo aos medicamentos orais e subcutâneos e isso permite que os pacientes façam seu tratamento em casa – o que aumentará significativamente a relevância da nossa solução”, avalia.
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