O
Carnaval acabou e com ele 140 vidas se foram. Segundo os dados da Polícia
Rodoviária Federal (PRF) para a campanha Operação Carnaval 2017, apesar de o
número de acidentes ter caído 5,3% (de 1.791 acidentes em 2016 para 1.696
acidentes em 2017), a quantidade de vítimas fatais aumentou 23,9% em
relação a 2016 (113 óbitos). De acordo com a PRF, os acidentes com
múltiplos óbitos contribuíram para esse acréscimo. A nota divulgada
pelo órgão também informa que 11 acidentes foram responsáveis por 44
mortes, ou seja, menos de 1% dos acidentes causaram 31,4% de todas as mortes
registradas pela PRF em todo o país. A nota explica ainda que desses
11 acidentes, dez foram registrados como colisão frontal, motivados por
ultrapassagens indevidas e excesso de velocidade. A Polícia Rodoviária
Federal afirma que “as principais causas dos acidentes com mortes durante
o período de Carnaval deste ano foram a falta de atenção, o excesso de
velocidade e a embriaguez ao volante”. Só esses dados já mostram que álcool e
direção de fato não combinam.
Direção
perigosa
Todos
sabem que trânsito no Brasil é violento, sobretudo devido ao número de óbitos:
23,4 casos para cada 100 mil habitantes, o que coloca o país, segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS), no quarto lugar entre os países americanos,
atrás apenas de Belize, República Dominicana e Venezuela – a campeã, com 45,1
mortes por 100 mil habitantes. Dentre as causas de acidentes no trânsito, o
consumo abusivo de bebida alcóolica antes de dirigir vem aumentando as
ocorrências com feridos, muitos deles com sequelas incapacitantes e mortes.
Para
a doutora em Epidemiologia e pesquisadora associada do Laboratório de
Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e
Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) Giseli Nogueira Damacena, os números
da Pesquisa Nacional de Saúde 2013 (PNS) sobre o consumo de álcol pela
população brasileira são preocupantes:
-
24% da população brasileira consome bebida alcóolica uma vez ou mais por
semana;
- 18,7 anos é a idade média do consumo do brasileiro, sendo que para homens é 17,9 anos e para as mulheres 20,6 anos;
- 18,7 anos é a idade média do consumo do brasileiro, sendo que para homens é 17,9 anos e para as mulheres 20,6 anos;
- 13,7% da população admite o consumo abusivo de álcool nos 30 dias anteriores à Pesquisa, sendo 21,6% dos homens e 6,6% das mulheres;
- 5,9% dos brasileiros, com 18 anos ou mais admitiram ingerir abusivamente bebidas alcóolicas em 4 dias ou mais nos últimos 30 dias anteriores à PNS;
- 24,3% admitiram dirigir logo após consumir bebida alcóolica.
Com base nos dados, Giseli
Damacena produziu, com o apoio de um grupo de pesquisadores do
Icict/Fiocruz e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o artigo Consumo
abusivo de álcool e envolvimento em acidentes de trânsito na população
brasileira, 2013, no qual analisa os números por trás do hábito cada vez
mais comum do brasileiro de beber e dirigir. Segundo a pesquisadora, a pesquisa
nacional revelou que “de cada quatro brasileiros, um dirige sob efeito de
álcool, e isso configura um dado preocupante sobre a população brasileira”.
Conforme
sua análise, a proporção de pessoas que se envolveram em acidente de trânsito
com lesões corporais nos últimos 12 meses anteriores à pesquisa no
Brasil “foi de 3,1% da população geral”, sendo que “7,5% foram os que referiram
consumo abusivo e frequente de álcool”.
Álcool
x segurança
Pedro
Silva (nome fictício) tem 28 anos e é graduando de Direito. Pelo
menos três vezes por semana – em especial, nos finais de semana – ele
sai para beber. Gosta de cerveja, tequila, whisky e vodka – ele não faz
distinção em consumir bebidas fermentadas ou destiladas. Pedro admite que
“muitas vezes” já dirigiu tendo ingerido bebidas alcóolicas antes, mas explica
os motivos: “Ah! Falta de opção de transporte para voltar para casa. Eu me sinto
mais seguro para retornar à noite de alguma festa”.
A
insegurança da cidade pesa, mas ele admite também que não viu ainda
“necessidade de voltar para casa de táxi, ônibus ou de carona com amigos, pois
se sentia bem para dirigir”. E parece ser a mesma opinião de outros jovens,
segundo Pedro: “a maioria justifica da mesma forma que eu”, fala. Além disso,
"sono” é a única coisa que ele confirma sentir no volante após beber. No
entanto, Pedro, que já colidiu com outro carro, diz que já se sentiu mais
confiante para pegar o veículo após beber, correndo mais ou arriscando-se em
ultrapassagens – porém, “foram pouquíssimas vezes”.
O
relato de Pedro exemplifica outro dado que chama a atenção no artigo de Giseli
Damacena: os mais jovens são os que apresentam “maior prevalência de
envolvimento em acidentes de trânsito, tanto com relação à população em
geral, quanto dentre aqueles que consomem álcool abusivamente com
frequência”. De acordo com Gisele Damacena, “a inconseqüência e a
efemeridade dos comportamentos da juventude, aliados à glamorização do consumo
abusivo de álcool presentes, atualmente, na cultura brasileira, também podem
explicar um pouco esse consumo abusivo de álcool”.
Para
ela, “a falta de transporte público e o estímulo à compra de veículos automotores
estão diretamente relacionados com essa questão, principalmente, quando a
sociabilidade do consumo de álcool ocorre, na maioria das vezes, no período
noturno”. Segundo Giseli, “é necessária a compreensão dessa problemática,
através de uma ótica interdisciplinar, no sentido de desestimular e
despersuadir a população com relação a esses comportamentos tão
perniciosos à saúde e à sociedade brasileira, a partir de campanhas
que eduquem e conscientizem as pessoas de maneira cidadã.”
Essa
reportagem é a primeira da nova série Álcool e Trânsito,
produzida pelo Icict/Fiocruz. Na próxima matéria, os dados do Departamento
Nacional de Trânsito (Denatran) e as punições em outros países.
*Colaboração: Reginaldo
Fernandes (Icict/Fiocruz). Edição de vídeo: Graça Portela (Icict/Fiocruz).
Vídeo: trecho do documentário Saúde em Trânsito, produzido e distribuído pela
VideoSaúde Distribuidora da
Fiocruz (2016).
Graça Portela (Icict/Fiocruz)
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