Qualquer gestor consciente do
setor de ciência e tecnologia reconhecerá que o Instituto Butantan é
inerentemente ingovernável.
Isso é consequência de sua
natureza ambivalente, pois a instituição inclui missões divergentes, tais como
a fabricação de vacinas, a pesquisa básica e o desenvolvimento de substâncias
de interesse terapêutico, inclusive vacinas.
A fábrica, a produção de bens,
só tem sucesso se desenvolver uma cultura baseada em valores específicos, tais
como rentabilidade, penetração em mercados, produtividade etc.
Uma instituição de pesquisas
de qualidade só se estabelece se seus valores próprios -tais como a obstinada
busca de explicação dos fenômenos naturais e o estrito respeito à verdade-
forem preponderantes.
É claro que, em essência, não há conflito entre esses dois conjuntos de valores. A hierarquização inevitável entre eles é que provocará antagonismos insuperáveis.
O pós-guerra viu um
espetacular desenvolvimento da ciência pura e aplicada nos EUA e no resto do
mundo pela atuação das grandes corporações industriais. Todavia, essas
organizações foram suficientemente hábeis para separar inteiramente tanto a
gestão quanto a localização de suas fábricas das de seus laboratórios de
pesquisas, fossem estes aplicados ou de ciência básica.
O Butantan teve seu apogeu na
gestão de Isaias Raw, que era ele mesmo um misto de gestor com experiência
tanto em empresas quanto em pesquisas.
Sua desinteressada dedicação e
obstinada vocação missionária permitiram o relativo sucesso como gestor da multifacetada
instituição. Mas homens como ele não se encontram com facilidade.
O governo do Estado de São
Paulo deveria considerar a possibilidade de segmentar o atual Butantan em duas
instituições com gestões inteiramente independentes.
É um engano supor, como já se
pensou no passado, que há mais benefícios do que prejuízos em associar pesquisa
à produção.
Hoje sabemos que mesmo a
pesquisa aplicada, o desenvolvimento de produtos e processos, é incompatível
com o sistema de produção de bens, ou seja, com fabricação.
A situação se complica com o
tempo, e as fraturas ocasionadas por divergências conceituais, para não dizer
ideológicas, têm como consequência a formação de corporações por oportunistas.
E tudo se agrava quando os funcionários são estáveis e, portanto, irremovíveis.
A solução óbvia é, portanto, separar a produção da pesquisa.
A simples divisão em produção
e pesquisa com grupos distintos de servidores em uma mesma instituição não
resolve o conflito, pois no caso em vista há uma gestão única, um orçamento
comum. Mas para isso é preciso vontade política, coragem e gestores adequados.
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA
LEITE, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de
Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha.
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