Compostos
antitumorais, com potencial para uso na fabricação de medicamentos, vêm sendo
planejados, sintetizados e estudados no Instituto de Química da Universidade de
São Paulo (IQ-USP). São íons complexos que penetram nas células cancerosas e
atacam o DNA e as mitocôndrias. No DNA, causam danos oxidativos após se ligarem
à sua estrutura. Nas mitocôndrias, as organelas responsáveis pela respiração
celular, desacoplam o processo respiratório da síntese da ATP, adenosina
trifosfato, o nucleotídeo que armazena a energia das células. O duplo ataque
induz a apoptose, morte celular programada, podendo levar à eliminação do
tumor.
Essa
classe de compostos – que já foi objeto de três pedidos de patentes,
depositados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) pela Agência
USP de Inovação – vem sendo obtida no contexto dos Projetos Temáticos apoiados
pela FAPESP: “Espécies complexas com
potencial aplicação em bioinorgânica, catálise, farmacologia e química
ambiental: concepção, preparação, caracterização e reatividade”,
conduzido de 2006 a 2010, e “Desenvolvimento de
compostos com interesse farmacológico ou medicinal e de sistemas para seu
transporte, detecção e reconhecimento no meio biológico”, iniciado
em 2011 e com vigência prevista até agosto de 2017. Os dois projetos são
coordenados por Ana Maria da Costa
Ferreira, professora titular do IQ-USP.
Os
dois integram o portfólio de pesquisas do Centro de Pesquisa em Processos Redox
em Biomedicina (Redoxoma), um dos 17 Centros de
Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs)
apoiados pela FAPESP.
“Nosso
ponto de partida foi a isatina, um metabólito de aminoácidos como o triptofano,
encontrado em organismos vegetais, animais e humanos. Esse composto de origem
natural foi modificado no laboratório por meio de reações com aminas e, depois,
acrescido de íons de metais essenciais, como cobre e zinco, entre outros”,
disse Costa Ferreira à Agência FAPESP.
A
isatina já apresenta, ela mesma, reconhecidas atividades antifúngicas,
antibacterianas, antivirais e antiproliferativas. As modificações feitas
potencializam sua ação e, ao mesmo tempo, criam compostos muito estáveis,
capazes de se preservar na corrente sanguínea e penetrar integralmente nas
células cancerosas, para onde são atraídos.
“Uma
vez no ambiente celular, esses complexos metalizados se ligam ao DNA,
danificando-o por meio de mecanismos oxidativos, com a consequente clivagem
simples ou dupla das fitas que os constituem. Ao mesmo tempo, induzem a perda
do potencial de membrana das mitocôndrias, alterando sua estrutura. O resultado
é a apoptose, que não causa processo inflamatório no organismo”, descreveu
Costa Ferreira.
Buscando
entender em profundidade os mecanismos de ação dos compostos, os pesquisadores
verificaram que eles são capazes de inibir algumas proteínas muito importantes
para a vida das células: a topoisomerase 1B, responsável pela manutenção da
topologia do DNA; e as quinases dependentes de ciclinas, uma classe extensa de
proteínas que controlam o ciclo celular.
“A
topoisomerase 1B corrige o emaranhamento das fitas do DNA. Ela se prende ao
DNA; cliva uma das fitas; gira-a para emparelhá-la à outra fita; e a liga de
novo. Já as quinases CDK1 e CDK2 regulam diversas fases do ciclo celular. Ao se
unirem a essas enzimas, nossos compostos inibem suas atividades, comprometendo
o desenvolvimento normal das células”, explicou Costa Ferreira.
O
fato de os compostos artificialmente metalizados serem mais ativos do que seus
precursores orgânicos se deve à polarização elétrica das moléculas, causada
pelos íons metálicos. Em solução, a parte positiva (cátion) se separa da
negativa (ânion). E, no cátion, o metal apresenta-se unido a um ligante
orgânico. Por ser lipofílico, isto é, por apresentar afinidade química com
gorduras, o ligante consegue penetrar na membrana celular, e carrega o metal
para dentro da célula, desencadeando as ações já descritas.
Esses
ligantes orgânicos – que, devido à sua composição e estrutura químicas, são
classificados como oxindoliminas – foram planejados com base em compostos já
usados em testes clínicos (fases II e III) e aprovados pela FDA (Food and Drug
Administration, órgão do governo norte-americano responsável pelo controle dos
alimentos e medicamentos) como agentes contra o câncer. A metalização aumenta
significativamente sua eficiência. Pois a ligação ou interação com a estrutura
do DNA e das proteínas ocorre tanto por meio do metal como do ligante
coordenado.
Várias
tentativas vêm sendo feitas no IQ-USP no sentido de produzir complexos ainda
mais eficazes. “Um deles é um composto semelhante que criamos contendo cobre e
platina. Esses dois metais têm atuação muito diferente no interior da célula
tumoral. A platina se prende ao DNA, como se fosse uma pinça, dificultando e
inibindo sua atuação. Já o cobre consegue clivar o DNA por meio da formação de
espécies reativas. Nossa ideia foi combinar a ação de ambos para associar seus
efeitos”, afirmou Costa Ferreira. O novo composto mostrou-se tão ou mais
eficiente do que a cisplatina, metalofármaco já aprovado pela FDA, frente a
diversas células tumorais (melanomas e sarcomas).
Outra
linha bastante recente de investigação diz respeito à ancoragem dos complexos
ativos em nanoestruturas, concebidas como vetores ou agentes transportadores.
“As
nanoestruturas facilitam a penetração nas células, possibilitam que quantidades
menores da substância ativa sejam utilizadas e promovem sua liberação gradual.
Tudo isso contribui para a eventual produção de um fármaco mais eficaz e com
menos efeitos colaterais indesejados. Resultados positivos já foram obtidos com
nanoestruturas de argila sintética”, relatou Costa Ferreira. Estes estudos
estão sendo desenvolvidos em colaboração com a pesquisadora Vera Regina Leopoldo
Constantino, professora associada do IQ-USP e também participante do
projeto temático em curso.
FAPESP
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