Soro foi produzido a partir de plasma hiperimune e usando vírus inativado; estudo mostra como ele foi desenvolvido
Na quinta (10/3), foi
publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature, o artigo
que descreve como foi o desenvolvimento do soro anti-SARS-CoV-2 do Instituto
Butantan e os testes que comprovaram a sua eficácia, decisivos para a autorização de início dos ensaios clínicos concedida pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em outubro de 2021.
Os ensaios clínicos do medicamento estão sendo realizados em pacientes do
Hospital do Rim e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
O soro foi produzido no âmbito
de um projeto multidisciplinar do Butantan e contou com a sua experiência de
120 anos nessa área. Segundo a diretora de Inovação do Butantan, Ana Marisa
Chudzinski-Tavassi, todas as etapas do desenvolvimento, bem como os testes e a
aprovação do produto para ensaios clínicos, ocorreram em tempo recorde. “Isso
mostra que o Instituto tem a infraestrutura e a expertise necessárias para uma
resposta rápida, mesmo durante uma pandemia”, aponta.
O primeiro passo para a
criação do soro foi a coleta e o cultivo do vírus em laboratório, feitos pelo
Instituto de Ciências Biomédicas da USP, com o apoio de pesquisadores do Centro
de Desenvolvimento e Inovação e do Centro Bioindustrial do Butantan, quando o
primeiro caso de Covid-19 foi detectado no Brasil. Em seguida, o vírus foi
inativado por meio de radiação, em colaboração com o IPEN.
Após os resultados promissores
do antígeno em testes de laboratório, dez cavalos foram selecionados para
auxiliar a pesquisa. Esses animais são escolhidos para a produção de soros por
terem grande capacidade de produzir anticorpos e terem grandes volumes de
sangue. Os cavalos imunizados com SARS-CoV-2 inativado produziram altos títulos
de anticorpos em seu sangue, que serviu de matéria-prima para a preparação de
um concentrado de anticorpos purificado.
Este produto foi submetido a
estudos de segurança pré-clínicos em modelos animais, que não mostraram nenhum
efeito tóxico. Em seguida, testes de desafio em animais comprovaram que o
tratamento é eficaz contra a Covid-19, induzindo a diminuição da carga viral
nos pulmões dos animais tratados com o soro e diminuindo também o processo
inflamatório nestes órgãos, reduzindo a gravidade da doença.
Para Viviane Botosso, diretora
do Laboratório de Virologia do Butantan, o vasto estudo demonstra a força da instituição
e é um grande exemplo do desenvolvimento de um produto – da pesquisa em bancada
até a produção e a realização dos ensaios clínicos. “Foi esse trabalho conjunto
de pesquisadores de várias áreas de atuação, dentro e fora do Instituto, que
possibilitou a obtenção deste imunobiológico e a publicação desse artigo”,
ressalta.
Ana Marisa acrescenta que foi
um desafio encontrar uma revista científica com perfil para publicar o escopo
deste estudo, devido ao seu formato e à sua complexidade. “Neste artigo
descrevemos desde a etapa de caracterização do antígeno, as etapas que envolvem
o desenvolvimento de um novo produto, inclusive testes pré-clínicos e de
desafio em animais, e as etapas da produção propriamente dita, até se chegar ao
produto final. Isso tudo obviamente envolveu uma equipe multidisciplinar
grande. Cada autor teve um papel fundamental no processo, e como pode ser visto
no artigo, a lista de colaboradores é grande”, diz.
Soro produzido com vírus
inteiro pode induzir maior resposta imune
Outros estudos conduzidos na
Argentina e na Costa Rica já mostraram o potencial de soros hiperimunes contra
a Covid-19. O diferencial do soro do Butantan, porém, é utilizar o vírus
inteiro inativado, enquanto as demais pesquisas usaram somente a proteína Spike
ou fragmentos da proteína. “O vírus inteiro pode, teoricamente, produzir
anticorpos adicionais contra outras proteínas virais e, consequentemente,
bloquear o processo de replicação viral e conter a infecção, além de estimular
a resposta celular”, explica Viviane. A resposta imune celular é mediada pelos
linfócitos T, que também combatem o vírus, enquanto os anticorpos fazem parte
da resposta humoral.
Vantagens do soro em relação
ao plasma convalescente
O uso de plasma convalescente,
obtido do sangue de pacientes recuperados da Covid-19, foi uma das terapias
mais estudadas contra a Covid-19 durante a pandemia, já que a estratégia já
obteve sucesso contra outras doenças infecciosas, como gripe, sarampo e
caxumba. No entanto, embora seja promissora, ela apresenta limitações. “A
capacidade de obter plasma depende da doação voluntária de pacientes
convalescentes. Além disso, existe uma heterogeneidade na potência dos
anticorpos gerados entre os indivíduos, já que cada um responde de uma maneira
ao vírus, o que poderia levar a um tratamento menos eficaz”, apontam os autores
do artigo.
Nesse sentido, o uso de anticorpos obtidos do plasma de cavalos imunizados contra o SARS-CoV-2 é mais vantajoso. Os animais recebem reforços periódicos de imunização e produzem quantidades elevadas de plasma, e os pesquisadores têm maior controle na obtenção de preparações finais homogêneas. “O produto final consiste em anticorpos altamente purificados, não em plasma bruto, proporcionando maior segurança e eficácia”, afirmam.
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