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terça-feira, 17 de outubro de 2017

Laboratórios vendem remédios ao SUS acima do preço máximo

Desde 2008, governo aplicou 494 multas, num total de R$ 68 milhões, por essas irregularidades

Gestores citam haver desconhecimento de teto e estratégia de algumas distribuidoras em casos de urgência

NATÁLIA CANCIAN
DE BRASÍLIA

Em dez anos, o governo aplicou R$ 67,9 milhões em multas a laboratórios e distribuidoras por oferta e venda de medicamentos ao SUS acima do preço máximo permitido para esses produtos.

Os dados são de levantamento inédito da Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), órgão interministerial que é responsável por estabelecer critérios e fiscalizar esses preços.

O balanço obtido após pedido da Folha aponta que, ao todo, foram aplicadas 494 multas desde 2008, a maioria delas depois de denúncias das secretarias estaduais e municipais de Saúde.

A avaliação entre técnicos do governo, porém, é que são poucos os casos que chegam ao conhecimento da câmara, que obriga a aplicação de descontos nas vendas de determinados remédios ao setor público desde 2007. O volume de irregularidades, assim, pode ser ainda maior.

São casos em que as empresas ofertaram ou venderam medicamentos ao SUS por valores acima do teto de preço definido pela Cmed para esses produtos, chamado de PMVG (preço máximo de venda ao governo).

Em geral, o PMVG é composto pelo teto de preço de fábrica permitido para cada produto, o qual é estipulado depois do registro do medicamento, e um desconto mínimo fixo para as vendas públicas - de 19,28%.

Hoje, esse desconto é obrigatório, entre outros, para medicamentos de alto custo, hemoderivados ou para tratamento de DST/Aids e câncer.

Além das cobranças extras em vendas ao SUS, levantamento da Cmed aponta ainda R$ 16,4 milhões em multas por irregularidades no setor privado - quando há descumprimento de preços máximos para vendas a farmácias e consumidores.

Somado, o total de multas chega a R$ 84,3 milhões. O órgão não informou quanto já foi pago até agora. Afirma apenas que, entre 2012 e 2016, foram recebidos R$ 2,1 milhões - ou 2,5% do total.

O valor é destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, administrado pelo Ministério da Justiça e aplicado em ações de reparação de danos causados após infrações.
Atualmente, sete empresas respondem por 286 processos de infrações na Cmed, a maioria por descumprimento de preço máximo em vendas ao setor público. Juntas, elas respondem por 60% do valor total em multas do órgão.

A primeira da lista é a Hospfar, que responde por 51 processos, com multa de R$ 13,7 milhões. Em seguida, está a Help Farma, multada em R$ 12 milhões, e a Medcomerce, com R$ 8 milhões.

A maioria atribui o problema à falta de informação e orientação sobre as regras da Cmed ou às falhas de editais das secretarias de saúde.
Já representantes das secretarias locais apontam pressão judicial e alta rotatividade de técnicos e gestores como fatores que levam a compras acima do preço.

PREJUÍZOS
A situação tem sido alvo de análise dos órgãos de controle, como CGU (Controladoria-Geral da União) e TCU (Tribunal de Contas da União).

Relatório divulgado em agosto pela CGU, por exemplo, encontrou preços até 20% acima do limite máximo em cinco Estados (Amapá, Piauí, Santa Catarina, Roraima e Rio Grande do Norte). O trabalho analisou as verbas destinadas ao Componente Especializado de Assistência Farmacêutica, programa do Ministério da Saúde.

Para a controladoria, o descumprimento do preço-teto para venda ao governo "não se trata apenas de problema financeiro, mas também implica em volume menor de medicamentos que pode vir a ser adquirido para o SUS".

Em Santa Catarina, o órgão verificou que, só na compra de 180 mil cápsulas de dois tipos de pancreatina, remédio indicado para fibrose cística e problemas no pâncreas, o valor cobrado estava 20% acima do limite máximo. Resultado: prejuízo de R$ 43,7 mil.

No Amapá, ao analisar a compra de 29 medicamentos, a equipe de fiscalização viu que seis deles estavam acima do PMVG. Um deles era Leuprorrelina, indicado para câncer de próstata.

Ao todo, foram adquiridos 50 frascos-ampola do produto, no valor de R$ 1.122,65 cada. O preço máximo de venda ao governo, porém, era de R$ 931,17 - R$ 191,48 a menos.
Em alguns casos, a demora ao verificar o descumprimento do preço máximo gera prejuízo ainda maior.

Em Minas Gerais, por exemplo, uma auditoria em compras feitas pela secretaria estadual de saúde entre 2008 e 2012 apontou prejuízo de R$ 28 milhões por valores acima do PMVG.

ALÉM DO PREÇO
Mas o que leva à compra de medicamentos acima do preço máximo permitido?
Segundo secretarias de saúde e técnicos ouvidos pela Folha, a hipótese é que isso ocorra tanto por desconhecerem a lista de preços máximos válidos para alguns medicamentos, disponibilizada no site e em resoluções da Cmed, quanto por estratégia de algumas empresas, sobretudo em casos de urgência na compra - caso de ações judiciais, por exemplo. Prefeituras, assim, estariam mais vulneráveis ao problema por realizarem compras menores.

Elton Chaves, assessor técnico do Conasems (conselho que reúne secretários municipais de saúde), diz que a distribuição irregular do mercado faz com que o preço máximo seja frequentemente usado não como um limite, mas como valor de referência pelas distribuidoras.

"Os municípios ficam reféns dessa situação de mercado. Alguns consideram o preço da Cmed, mas têm licitação deserta. Vira uma realidade imposta", afirma.

Ainda de acordo com Chaves, muitas secretarias deixam de denunciar cobranças acima do preço por medo de não encontrar outro distribuidor para obter os remédios.

A falta de atenção ao valor máximo, no entanto, eleva os gastos do SUS. "Sem um preço justo, o poder de compra do município diminui, e também o acesso aos medicamentos", afirma.

O governo federal chegou a se envolver num embate com empresas e associações da indústria farmacêutica ao concentrar em apenas três laboratórios, sem licitação, um mercado de seis medicamentos usados no SUS, num montante de R$ 1,44 bilhão.

Conforme antecipado nesta segunda-feira (16) pela coluna "Mercado Aberto", da Folha, o ministro da SaúdeRicardo Barros, planeja implementar algumas mudanças ainda neste ano, com a ideia de fixar prazos mais rígidos e alterar a forma de pagamento às farmacêuticas.
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Os municípios ficam reféns dessa situação de mercado. Alguns consideram o preço da Cmed [órgão interministerial], mas têm licitação deserta. Vira uma realidade imposta.

ELTON CHAVES
assessor do Conasems (conselho de secretários municipais de saúde)


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