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sábado, 4 de agosto de 2018

ABORTO - VISÕES OPOSTAS NO SUPREMO


STF dá início à audiência pública para discutir a descriminalização do procedimento até a 12ª semana de gravidez. Discussões serão retomadas na segunda-feira. Entre os temas em exposição estão a liberdade sexual das mulheres e o direito à vida

Com argumentos contra e a favor, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ontem à audiência pública que discute a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. De um lado, pesquisadores defenderam a liberdade reprodutiva e sexual das mulheres. De outro, profissionais referendaram o direito à vida humana desde a fecundação.

De acordo com Melania Amorim, do Instituto Paraibano de Pesquisa Joaquim Amorim Neto, o procedimento por si só é desigual, pois quem tem recursos financeiros consegue métodos mais seguros. "Elas usam remédio ou vão em clínicas clandestinas caras, porém, que funcionam com as técnicas necessárias, minimizando os riscos e reduzindo as complicações. Ou seja, como afirma a Federação Internacional dos Ginecologistas e Obstetras, o principal fator impeditivo de amplo acesso ao aborto seguro é a criminalização", completou.

"Meu questionamento é se a descriminalização é a solução ou um tratamento adequado. Reivindico a vida da mulher e a extensão da vida dela, que é a da criança, sem sequelas físicas e depressão. Precisamos de um tratamento digno para a mulher. Então digo, descriminalizar vai fragilizar muito mais a mulher", argumentou Rosemeire Santiago, do Centro de Reestruturação para a vida. Na audiência, foram ouvidas 26 instituições, com 20 minutos de fala cada um. O assunto volta à Suprema Corte na segunda-feira.

Hiato de 49 anos
Legalizado desde 1940, o aborto em casos de estupro e risco de vida para a mãe só foi realizado, pela primeira vez, em 1989. A história do procedimento se cruza com a do Hospital Municipal Arthur Ribeiro de Saboya, e com as experiências de Irotilde Gonçalves, 72 anos. A assistente social esteve na primeira equipe do centro de saúde a realizar o procedimento no Brasil.

Desde 1981, Irotilde já atendia, no pronto-socorro, mulheres que tentavam provocar o aborto ilegal e procuravam o atendimento da unidade para tratar as consequências. À época, ela tinha que pedir autorização judicial para fazer a interrupção da gestação. No entanto, o resultado demorava a sair e, muitas vezes, ultrapassava o tempo de gestação possível de realizar o aborto. "Já estavam no quinto ou no sexto mês. Aí procuravam serviços clandestinos ou tinham o bebê mesmo sem vontade", lamenta.

Tilde, como é conhecida pelos amigos da unidade, foi treinada com a equipe por seis meses até que o primeiro atendimento fosse colocado em prática. O número de mulheres variava. Em média, eram atendidas duas por mês. Conforme o tempo passava e o serviço ficava mais conhecido, vieram as ameaças. Com elas, cartas anônimas, ovos na casa da família de Tilde e palavras de ódio. Mas nada fez com que desistisse: "Eu não ia parar. Tinha o apoio da minha família para seguir em frente".

A assistente social conta que lembra de todos as mulheres que se consultaram com ela no hospital. Ela era a primeira a receber a paciente, depois passava para a psicóloga. Assinava um termo de consentimento e marcava a cirurgia. O primeiro atendimento da assistente foi de uma adolescente, que estava acompanhada da mãe e de uma advogada. A menina havia sido estuprada na rua e foi informada na Delegacia da Mulher de que o hospital oferecia a interrupção.

"O que a mulher quer é se sentir segura. Saber que o outro tem empatia por ela", afirma Tilde. As pacientes chegam à unidade com uma carga alta de emoção e de estresse -- saber que passarão por um aborto não é fácil. Às vezes, conscientes de que querem interromper a gestação, precisam de um ambiente seguro, para dar espaço à tristeza, sem julgamento, e compartilhar suas histórias. Costumam falar por horas até que passam para o atendimento psicológico. "Algumas até desistem de fazer o abortamento. Querem se sentir menos sozinhas." Durante todos esses anos nos atendimentos às mulheres, ela conta que nunca viu nenhuma delas morrer ou ficar com sequela.

O problema é que mesmo em casos de aborto legal, as mulheres podem ser perseguidas por terceiros. É isso que explica a presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Lia Zanotta Machado. "Várias pessoas desse movimento conservador produz ameaças contra os médicos. E você faz uma campanha para que eles não trabalhem. Assim, o estigma atinge não apenas as mulheres, mas os profissionais que fazem o aborto legal e seguro", comentou Zanotta.

De acordo com o Ministério da Saúde, qualquer hospital com serviço de obstetrícia e ginecologia pode fazer o aborto legal. Mas o órgão explica que os profissionais têm o direito de negar atendimento a quaisquer situações que se sintam "incapazes de realizar o cuidado", cabendo ao serviço de saúde garantir outro profissional.

O que está em jogo
As audiências públicas que ocorrem no STF discutem o pedido de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 442, ajuizado pelo PSol em parceria com o Instituto Anis, que pede a descriminalização até a 12ª semana de gestação. Atualmente, no Brasil, os artigos 124 e 126 do Código Penal criminalizam a prática -- exceto em caso de risco de vida da mãe, estupro e feto anencéfalo, que o próprio STF incluiu em 2012. A audiência segue na segunda-feira.

As diferenças
Descriminalização -- ato ou conduta que deixou de ser crime, ou seja, não há mais punição do âmbito penal, mas ainda pode ser considerada como ilícito civil ou administrativo, e pode sofrer sanções como multas, prestação de serviços ou frequência em cursos de reeducação.

Legalização -- significa que tal ato passou a ser permitido por meio de uma lei, que pode regulamentar a prática e determinar restrições e condições, bem como prever punições para quem descumprir as regras estabelecidas pela legislação.

Protesto na Esplanada
No mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a audiência pública para debater a descriminalização do aborto no Brasil, centenas de mulheres foram às ruas. Com os dizeres "nem presa nem morta", manifestantes criticavam os artigos do Código Penal que criminalizam o procedimento, exceto em três casos. Elas ocuparam a área em frente ao STF. "Por aquelas que tombaram e que morreram pelo aborto inseguro, pelas encarceradas, por aquelas que aguardam leito no hospital, é por todas nós", gritou uma manifestante. Hoje é a vez do 1° Congresso Antifeminista discutir e mostrar as opiniões contrárias à descriminalização. O evento será no Rio. É organizado por personalidades contrárias à legalização do aborto.

Deborah Fortuna, Gabriela Vinhal,  Colaborou Gabriel Ponte, Correio Brasiliense

Fotos: José Cruz/Agência Brasil e Carlos Vieira/CB/D.A Press


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