Então todos são corruptos? Não!
Ocorre que a hipersemiotização desta
palavra levou-nos a ter esta perspectiva. Cabe a nós redirecionar o debate,
sobretudo no contexto da Lava Jato, onde muitos denunciados arrolados e presos
são achichelados de lobistas.
Lobby remete ao poder que, por seu conceito, é impor sua própria vontade sobre
a vontade de outros (Weber, 1991). Assim,
quando a uma criança é negada alguma vontade, implementaria a caturrice, chora,
esperneia. Isto é uma tentativa de lobby passional. Ou quando a criança já
articula com o irmão pedir em uníssono para os pais alguma coisa, já começam a
fazer um lobby com mais cognição.
As associações empresariais, os
sindicatos, o PETA People for the Ethical Treatment of Animals, o
Movimento da Negação da Negação (MNN), as bancadas no Congresso Nacional, todos
fazem lobby – são organizações identificáveis. Todos têm em comum o princípio
constitucional do direito à livre associação e manifestação. E quando
exorbitam a civilidade, legalidade e ética? É aqui que argumentarei que há
diversas leis e regulamentos.
À guisa de comparação, em um estado
de natureza hobbesiano onde todos tentariam impor suas vontades aos outros
resultando em caos, Hobbes advogava o Leviatã, o Estado. Passados cinco séculos
de influência republicanas e democráticas, chegamos a uma configuração
republicana de democracia – o Estado aqui, detentor do monopólio legítimo da
violência, ainda regula, autorregula os poderes constituídos, a economia e seus
constituintes por meio do embate político. Portanto, todos aqui fazem lobby,
incluindo os vértices do processo decisório: o presidente da república, o
presidente do Congresso Nacional e o presidente do Supremo Tribunal Federal.
Todos, sem exceção!
Os lobbies privados são regulados por
contratos de natureza privada. Já quando se trata de lobby sobre a coisa
pública (res publica) isto concerne a todos. Aqui já há um arcabouço
regulatório robusto:
- Código Penal de 1940: diversos
dispositivos que tipificam a conduta lesiva à administração pública.
- Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950): tipifica
os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de
julgamento.
- Código Eleitoral (Lei 4.737/1965): diversos
dispositivos que tipificam os crimes eleitorais e respectivas penalidades.
- Decreto-Lei 201/1967: dispõe sobre a
responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores.
- Art. 37. da Constituição Federal de 1988:
elenca os princípios inerentes à administração pública direta e indireta
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios :Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e
Eficiência (L.I.M.P.E.) – um acrônimo sugestivo a esses princípios.
- Código de Conduta da Alta Administração
Federal (2001): elevado padrão de comportamento ético capaz de
assegurar, em todos os casos, a lisura e a transparência dos atos
praticados na condução da coisa pública.
- Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade
Administrativa):
dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional. - Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações): regramento
capaz de garantir o LIMPE do Artigo 37 supramencionado e promover
concorrência leal entre contratados.
- Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998):
dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e
valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos.
- Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar 101/2000): estabelece normas de finanças públicas voltadas
para a responsabilidade na gestão fiscal.
- Decreto 4.410/2002: promulga a Convenção
Interamericana contra a Corrupção, de 29 de março de 1996.
- Lei 10.467/2002: dá efetividade à Convenção
sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em
Transações Comerciais, concluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997.
- Decreto 5.687/2006: Promulga a Convenção das
Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas em 31 de outubro de 2003.
- Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar
135/2010): casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras
providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a
proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.
- Lei de Dados Abertos (Lei 12.527/2011): dispõe
sobre transparência do uso dos recursos públicos.
- Lei Anticorrupção Lei 12.846/2013: dispõe
sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
- Acórdão do STF sobre ADI 4.650: veda doação de
empresas em campanhas eleitorais.
Parte desse arcabouço jurídico contra
a corrupção e condutas antiéticas é recente, se acentuando com o novo contexto
político de prisões de políticos relevantes e grandes empresários na última
década. Mas não se muda a cultura a fórceps legiferante. Como se viu, ainda que
muitos movimentos sociais se tenham se organizado para apontar mudança nas
políticas, a taxa de renovação na Câmara dos Deputados, por exemplo, se manteve
entre 45% e 47% nas últimas três eleições federais.
A contradição é justamente parte da
demanda popular buscar renovação e não votar de fato em novos quadros ou não
conseguir persuadir outros eleitores. É aqui que entra esta questão cultural
mais profunda – uma questão para outro artigo. Mas a correlação é nível de
escolaridade versus corrupção. O relatório da Transparência Internacional
Corruption Perceptions Index 2016 aponta: quanto maior o nível de educação de
um país menor será a corrupção ou, pelo menos, menor a tolerância a condutas
antiéticas.
O advento da Lava Jato, em que pese
certa discricionariedade da judicialização política, tem modificado este tipo
de percepção para melhor. E convém aos cidadãos fazer sua parte: atuar e votar
nas próximas eleições de maneira consciente, não só buscando informações sobre
a atuação pregressa dos candidatos, mas também acompanhando a atuação dos
eleitos no processo decisório. A cobrança por ética na política deve ser
rotineira e não apenas nos momentos de crise.
Tendo em vista o contexto político
atual, é salutar a discussão de iniciativas no Congresso Nacional, dentre elas
o Projeto de Lei Substitutivo SBT 3 CCJC, da Deputada Cristiane Brasil, que
pretende disciplinar a atividade de “lobby” e a atuação dos grupos de pressão
ou de interesse no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública
Federal, e que avança frente à proposição original (PL 1202/2007 do Deputado
Carlos Zarattini).
O debate visa promover a
transparência nas relações governamentais, principalmente por parte da
iniciativa privada, mas também nos órgãos da administração federal. De um modo
geral, este movimento tende a ter um aspecto pedagógico para os profissionais
de relações governamentais atuantes e futuras gerações de forma a internalizar
condutas éticas e não meramente submissas às leis. A conduta ética é construída
com educação de qualidade e não com legislação draconiana.
Este projeto de lei também endereça a
transparência em relação aos conflitos de interesse que, por vezes, são
omitidos.
Imaginemos um exemplo fictício na
zona cinzenta: a esposa de um ínclito governador é profissional de relações
governamentais e ela assinou contrato com um grande cliente que, tenha algum
interesse na regulamentação de algum serviço no estado que o marido administra.
As premissas e obrigações deste projeto objetiva também mitigar a zona cinzenta
do tráfico de influência.
Não se pode descuidar, no entanto, de
investir em política pública para educação de qualidade e que novas gerações já
sejam aptas a identificar, rejeitar e denunciar qualquer tipo de conflito de
interesse quando se trata da coisa pública. Talvez com o projeto acima
mencionado, possamos identificar os lobbies legítimos em torno das políticas
públicas educacionais, sejam eles públicos ou privados. Assim será possível
avaliar com mais rigor a eficiência e eficácia dos recursos públicos.
Anselmo Takaki – Consultor de relações governamentais e diretor financeiro do
Instituto de Relações Governamentais